Como peso e altura interferem na dose do remédio que devemos tomar?
Como um medicamento pode agir com a mesma eficiência em quem é baixinho, alto, magro, gordo, homem, mulher? Será que os mais altos precisam mesmo tomar mais cápsulas para se sentirem melhor? Os mais "tampinhas" têm de dividir o comprimido ao meio para não se sentirem "dopados" com a dose padrão?
É tudo friamente calculado
Calma, ninguém precisa entrar em pânico e começar a questionar todo remédio que já usou na vida. As regras para a criação e definição das doses de remédios são rígidas e os estudos podem levar anos, pois só são aprovados com garantia de segurança. Segundo a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), o processo para um medicamento ser aprovado é complexo e pode necessitar de dez a quinze anos de análises.
Inicialmente, são realizados estudos em animais. Neles já é possível ter uma ideia da dose máxima da substância que pode ser administrada em seres vivos, inclusive nos humanos, e se há algum evento tóxico intolerável.
Em animais são testadas doses crescentes que mostram qual o nível em que a droga começa a causar um efeito positivo e qual o limite até o aparecimento de efeitos colaterais. É preciso ser teste em ser vivo porque só uma simulação química em um organismo vivo consegue mostrar o exato movimento do medicamento.
Depois, o remédio é testado em seres humanos saudáveis e, se a segurança for comprovada, vai para os doentes também. Com tantas análises é possível encontrar um número 'mágico' que é a chamada janela terapêutica -ou curva dose resposta.
Assim, consegue-se traçar qual a dose mínima para o corpo ter efeito benéfico e a dose máxima, que acima daquilo aparecem efeitos intoleráveis e tóxicos. A faixa entre esses marcadores é a janela terapêutica e mostra onde a dose pode oscilar para funcionar sem ter efeitos colaterais.
Na maioria dos medicamentos, a janela terapêutica independe do peso, altura, IMC (Índice de Massa Corporal), idade etc. Todos os tipos de corpo humano costumam ficar dentro do mesmo padrão. Se uma pessoa magra e baixa tomar 500 ml de um mesmo remédio que alguém obeso e alto, é possível que a quantidade de medicamento que chega ao local de ação no organismo seja diferente, mas em ambos os casos com certeza estará em uma dosagem que ainda garanta efeito e não cause mal-estar. A lógica vale para antibiótico, anti-inflamatório, anticoncepcional e quase todas as medicações.
Nem todos casos são iguais
Para alguns medicamentos, principalmente os injetáveis (como usados em ambiente hospitalar em casos de câncer ou anticoagulantes), a faixa da janela terapêutica é muito estreita e é preciso analisar caso a caso a variação de peso, idade, altura, superfície corporal e até funcionamento do fígado do paciente.
De qualquer forma, a Anvisa garante que é feita uma "avaliação daquilo que chamamos de fatores intrínsecos (tais como peso, altura, idade e sexo) na dosagem dos medicamentos que é avaliada [durante o desenvolvimento do remédio] por meio de estudos chamados farmacocinéticos".
Tais estudos farmacocinéticos têm como um dos objetivos medir a concentração no sangue de um princípio ativo ao longo do tempo e observar de que maneira esses fatores influenciam nas concentrações. De maneira geral, caso nenhum desses fatores intrínsecos influenciem a resposta do remédio, é possível presumir que não haverá diferenças na eficácia e na segurança dos medicamentos nas diferentes condições de peso, altura, idade e sexo.
E idosos e crianças?
Você deve se lembrar de que quando era mais novo não tomava comprimidos e sim gotinhas de remédios —provavelmente até veio em mente aquele gosto bem amargo que você odiava. Pois então, em casos de crianças e idosos a faixa de segurança do remédio é mais difícil de prever.
Acontece que nas crianças os órgãos estão menos desenvolvidos e a fase de crescimento pode trazer alterações constantes, enquanto nos mais velhos o organismo tem menos água e mais gordura, o que interfere nos resultados calculados nas pesquisas para a faixa da janela terapêutica dos medicamentos.
Nestes casos, os médicos e farmacêuticos costumam recomendar doses específicas de acordo com cada paciente. Na maioria das vezes, nessas faixas etárias o peso é o fator que mais importa para garantir a dosagem correta.
Também há ressalvas para orientais
Os medicamentos costumam ser metabolizados no fígado, com ajuda de várias enzimas. Há variações genética de enzimas, e pensando em remédios, os asiáticos têm dificuldade de responder a algumas substâncias.
Há remédios que no mundo todo a dose é uma, mas no Japão são pedidos estudos específicos para ver como eles reagem. Porém, para a maioria dos medicamentos comercializados de fácil acesso, a diferença de metabolização não causa tanto impacto.
Resistência e sensibilidade
Depois de entender toda essa ciência por trás de uma pílula, não podemos achar que um remédio funciona melhor dependendo das suas medidas. O que pode acontecer é que você tenha uma sensibilidade diferente em resposta ao medicamento, como se fosse uma alergia. Você pode ser mais sensível a alguma substância e por isso ter uma reação diferente, independente do peso ou altura. Depende do funcionamento pontual do organismo de cada um.
Além disso, pessoas que abusam do remédio podem criar uma tolerância mais alta. De qualquer forma, não é recomendado tomar mais que o recomendado na bula. Até porque, dependendo do medicamento, como analgésicos, ao pensar na resistência a dose, quanto mais você toma mais você precisa aumentar a dosagem. Isso pode fazer com que você ingira mais substâncias do que as consideradas seguras pela faixa da janela terapêutica e, assim, correr maior risco de efeitos colaterais.
Fontes: Alexandre Hohl, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia; e Leonardo Otuyama, farmacêutico do Centro de Informações sobre Medicamentos da Divisão de Farmácia do Instituto Central do Hospital das Clínicas da USP (Universidade de São Paulo)
*Com matéria publicada em 07/12/2018
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