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Sintomas, prevenção e tratamentos para uma vida melhor


'Durante internação, fui chamado 7 vezes para me despedir da minha filha'

Joana, ao centro, com o pai e a mãe Imagem: Arquivo pessoal

Bárbara Therrie

Colaboração para VivaBem

07/03/2024 04h05

Após sofrer uma forte crise epiléptica, Joana Barbi Gusson, 8, teve algumas complicações e, desde então, há quatro anos faz uso do canabidiol. Para o pai da menina, o jornalista Cassio Gusson, 41, a medicação, que é derivada da Cannabis (a planta da maconha), não é uma solução 100%, mas é um caminho. A seguir, ele compartilha a história da filha:

"Minha esposa, a Silvia, teve uma gestação normal, mas quando a Joana nasceu notamos que ela apresentou alguns atrasos de desenvolvimento. Por exemplo, aos seis meses ela não girava o corpo, não interagia, não dava muita risada, não levava os objetos à boca. Nessa época, procuramos uma neuropediatra e iniciamos uma investigação.

Minha filha fez vários exames, entre eles um eletroencefalograma com duração de 12 horas que identificou que ela teve 300 crises epilépticas ao longo de um dia. O tipo de epilepsia que ela tem é uma mioclonia, caracterizada por movimentos que podem ser leves ou fortes, com contração muscular abrupta e muito rápida.

De forma leiga, é como se ela tivesse um fio desencapado na cabeça que fica dando vários choquinhos, mas não deixa o disjuntor cair e gerar um apagão. No caso da Joana descobrimos que toda vez que ela levantava os bracinhos e virava o olho ela estava tendo uma crise.

A pedido da neuro, Joana fez um mapeamento genético e descobrimos que a epilepsia dela é causada por uma alteração genética. Ela também foi diagnosticada com transtorno do espectro autista. Minha filha passou a tomar anticonvulsivo para controlar as crises e a fazer fisioterapia, fonoaudiologia e terapia ocupacional para estimular o seu desenvolvimento.

Imagem: Arquivo pessoal

Aos poucos Joana foi evoluindo, conseguia firmar mais o corpo, sentar sem apoio, estava começando a andar, comia com a nossa supervisão. Aos dois anos, porém, ela teve uma forte crise epiléptica que gerou várias complicações.

Ela broncoaspirou o vômito, teve comprometimento pulmonar, precisou da ajuda de equipamentos para respirar, ficou em coma e teve falta de oxigênio no cérebro que resultou em uma paralisia cerebral.

Ela ficou 45 dias internada, nesse período os médicos chamaram eu e a minha esposa sete vezes para nos despedir dela, disseram que ela poderia morrer a qualquer momento.

Minha filha sobreviveu, mas saiu do hospital muito debilitada, praticamente só abria os olhos. Até então todo o tratamento que ela vinha fazendo era para estimulá-la, mas foi necessário reconfigurá-lo para ela reaprender a viver.

Tivemos que começar tudo do zero. A realidade agora era outra, além de tratar a epilepsia e o autismo, precisaríamos tratar a paralisia cerebral. Um dos nossos maiores medos é que ela tivesse uma crise forte e piorasse de novo.

Foi quando eu e minha esposa começamos a procurar e ler sobre novas opções de tratamento e achamos o canabidiol (CBD). Fomos a vários médicos para conversar sobre a possibilidade de incluir o CBD, mas encontramos resistência, hostilidade e preconceito.

Ouvimos frases do tipo: 'Não vou dar maconha para criança', 'Canabidiol é besteira', 'Só trato meus pacientes com medicação séria', 'Vocês querem fazer o meu trabalho, Google não é médico'.

Imagem: Arquivo pessoal

Em meio a essa busca ficamos sabendo que a neuropediatra Mariana Pereira atendia crianças com casos semelhantes aos da Joana e que o uso do canabidiol estava tendo bons resultados. Foi um alívio ter achado uma médica que pela primeira vez nos ouviu de verdade e nos deu abertura para conversar.

A doutora Mariana já trabalhava com medicações à base de canabidiol havia algum tempo e foi sincera em dizer que ele poderia trazer benefícios, mas também poderia não ter o efeito esperado. Nos primeiros meses, gastamos cerca de R$ 25 mil para comprar os remédios. Entramos com uma liminar na Justiça e a Prefeitura de Jundiaí (SP), onde moramos, passou a fornecer gratuitamente.

Joana tem oito anos, faz o uso do canabidiol há quatro e tem evoluído gradativamente. Ela ainda tem crises todos os dias, mas elas diminuíram significativamente. Antes ela tomava três anticonvulsivos, agora toma apenas um.

Ela melhorou a deglutição, já consegue segurar a mamadeira, sentar no chão sem apoio, ficar em pé no andador, dar alguns passinhos. A Joana tem uma vida normal dentro das limitações dela. De manhã ela vai para escola e à tarde faz as terapias. Ela gosta de passear, viajar, ficar no skate, comer pizza, pastel e é fã da Anitta.

Canabidiol não é uma solução 100%, mas é um caminho

Imagem: Arquivo pessoal

Durante esse processo fomos para a Rússia duas vezes onde a Joana foi submetida a um tratamento com células-tronco para tratar a paralisia cerebral. Atualmente, estamos vendo um medicamento nos Estados Unidos voltado para a alteração genética que ela tem.

Estamos sempre em busca de possibilidades seguras e confiáveis para oferecer mais qualidade de vida para a nossa filha, mas é preciso ter cuidado porque existe picaretagem.

Muita gente critica, mas antes do canabidiol nós estávamos no escuro, sem direção e sem perspectiva. Ele não é uma solução 100%, mas é um caminho, que é o que toda mãe e pai de uma criança com uma doença grave procura.

A gente não pesquisa na internet para saber mais que o médico, a gente pesquisa para achar alternativas para ajudar nossos filhos. O médico vê a criança na consulta uma vez por mês, a gente vê as dificuldades no dia a dia. É por isso que nunca vou desistir de tentar o melhor para a minha filha."

Epilepsia x uso de CDB

Março é o mês de conscientização da epilepsia, batizado de Março Roxo. A pedido de VivaBem, Daniela Bezerra, neuropediatra, médica afiliada do Departamento de Neurociências e coordenadora do Ambulatório de Epilepsia Infantil, ambos da Faculdade de Medicina do ABC, e autora do livro "Guia Prático do Uso de Canabinoides em Epilepsia", tira 8 dúvidas sobre a doença.

1. O que é epilepsia?
Uma condição neurológica crônica que afeta o sistema nervoso central e tem como definição o surgimento de duas ou mais crises epilépticas que são resultado de atividade elétrica anormal no cérebro, levando a sintomas como perda de consciência, movimentos involuntários e sensações estranhas.

2. O que causa?
A epilepsia pode ser causada por uma combinação de fatores ou apenas um fator único que envolve doenças autoimunes, tumor cerebral, malformações cerebrais, alterações genéticas e metabólicas, entre outros.

Além disso, alguns casos podem resultar de alterações genéticas herdadas ou de mutações genéticas espontâneas durante o desenvolvimento fetal.

3. Quais os sintomas?
Podem variar dependendo da área do cérebro onde a atividade anormal se inicia. Por exemplo, as crises que se originam no lobo temporal podem causar sensações epigástricas, náuseas, mal-estar na garganta, movimentos automáticos dos braços e alterações na consciência.

Outras regiões do cérebro podem desencadear diferentes sintomas, como convulsões generalizadas, movimentos involuntários, sensações estranhas, alterações na percepção sensorial, entre outros.

O reconhecimento dos sintomas ajuda o médico a identificar o tipo de crise e a orientar a população em geral sobre como reconhecê-las e agir adequadamente em casos de emergência.

4. Quais são os tipos de epilepsia?
Desde 2017, a Liga Internacional contra a epilepsia classifica os tipos de epilepsia com base no local de origem da crise. Isso inclui:

  • crises de início focal, onde a atividade anormal começa em uma área específica do cérebro;
  • crises de início generalizado, que afetam ambos os hemisférios cerebrais;
  • crises de início combinado, que envolvem tanto um componente focal quanto generalizado;
  • e o tipo indeterminado, quando não é possível determinar claramente a origem da crise

5. Como é feito o diagnóstico?
Normalmente, o diagnóstico de epilepsia é estabelecido após a ocorrência de duas ou mais crises epilépticas. Ele é feito de forma clínica baseado nos sintomas relatados pela pessoa que teve a crise ou por testemunhas. Após a confirmação inicial, são realizados exames complementares, como eletroencefalogramas, vídeo eletroencefalograma, tomografias e ressonâncias magnéticas do crânio.

6. Quais os tratamentos disponíveis atualmente?
O tratamento é feito com medicamentos específicos para cada tipo de epilepsia. Cerca de 70% das pessoas respondem bem ao tratamento com um ou duas medicações, o que é chamado de epilepsia fármaco-responsiva.

Nos casos de pacientes que não respondem adequadamente às medicações, uma outra opção é a possibilidade de fazer uma cirurgia para remover possíveis causas subjacentes, como tumores ou malformações. Para indivíduos que não são elegíveis para cirurgia, há alternativas como terapia cetogênica, neuromodulação e o uso do canabidiol.

A abordagem individualizada é fundamental para garantir o controle adequado das crises e melhorar a qualidade de vida das pessoas afetadas.

7. Como o canabidiol é usado no tratamento da epilepsia?
O canabidiol tem demonstrado eficácia na redução da severidade das crises epiléticas, incluindo a frequência, duração, intensidade dos movimentos e o período pós-ictal (período imediatamente após a crise que pode gerar sonolência e mal-estar).

Alguns estudos mostraram resultados positivos especialmente em síndromes epilépticas específicas, como a síndrome de Lennox-Gastaut, esclerose tuberosa, síndrome de Dravet e alteração genética do tipo SCN1A.

É importante ressaltar que o uso do canabidiol não garante uma resposta completa para todos os pacientes e há limitações a serem consideradas. Cada caso é único e deve ser cuidadosamente avaliado em relação aos benefícios esperados e os possíveis efeitos colaterais.

O livro "Guia Prático do Uso do Canabidiol na Epilepsia" fornece informações sobre o uso do canabidiol, seus protocolos e limitações, auxiliando os profissionais de saúde na tomada de decisões no tratamento da epilepsia.

8. Epilepsia tem cura?
A maioria das pessoas com epilepsia responde bem ao tratamento farmacológico e tem uma vida normal, sem grandes impactos em suas atividades diárias. No entanto, para indivíduos que têm epilepsia de difícil controle pode ser necessário um acompanhamento médico especializado para encontrar o tratamento mais adequado.

A cura é possível em alguns casos específicos, como em crianças com epilepsia de desenvolvimento e epilepsia autolimitada, em que o cérebro ainda está em fase de crescimento e maturação.

Além disso, há pacientes que ficam livres de crises por longos períodos, o que requer uma reavaliação para determinar se a epilepsia foi resolvida de forma definitiva ou se ainda há risco de recorrência.

O caso da Joana

Imagem: Arquivo pessoal

De acordo com Mariana Pereira, médica que prescreveu o uso do canabidiol para Joana, a menina teve uma excelente resposta ao uso do canabidiol, com melhora cognitiva aos estímulos e no controle das crises epilépticas.

"Pesquisas clínicas descobriram que nós produzimos endocanabinoides e temos receptores canabinoides no nosso sistema nervoso. O uso de canabinoide exógeno ativa esses receptores determinando ação anticrises epilépticas e gerando ação positiva sobre o humor", explica a especialista em neurologia pediátrica e em cefaliatria pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).

Ainda segundo Pereira, ao longo do tratamento foram feitos alguns ajustes relacionados ao peso ou a mudança das outras medicações associadas e Joana não apresentou nenhum efeito colateral significativo.

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