O que acontece no seu corpo quando você fica bêbado

Intoxicação alcoólica aguda. É assim que os médicos definem um episódio de embriaguez, resultado da ingestão de grandes volumes de álcool, o objeto mais antigo e popular do abuso de substâncias.

E não tem jeito. Apesar de a cultura alimentar de muitos países do globo integrar o consumo de bebidas alcoólicas, o que já está consolidado na literatura científica é que não existe dose segura para elas, que estão relacionadas a mais de 200 doenças.

Como se trata de uma substância psicoativa, o álcool favorece a perda da noção da hora de parar, e ainda facilita o aparecimento de uma doença grave na qual o centro da vida passa a ser o embriagar-se, um percurso cheio de recaídas e prejuízos pessoais e a terceiros.

Adolescentes e adultos jovens são mais suscetíveis aos prejuízos do abuso, principal fator de mortalidade entre eles.

Esse grupo também tem maior propensão a acidentes traumáticos pelo uso do álcool.

No Brasil, o consumo abusivo na população de 18 anos ou mais (2023) foi de 22,1% (dados Covitel, 2023).

3 milhões de mortes por ano é o resultado do uso inadequado do álcool no mundo.

As Américas têm maior prevalência de transtornos relacionados em mulheres, e a segunda maior entre homens.

Como seu organismo reage

Quando se consome álcool e especialmente quando se exagera, caracterizando um quadro de intoxicação alcoólica aguda, podem ser observadas alterações em todos os diferentes sistemas do organismo, destacando-se os descritos a seguir:

Continua após a publicidade
  • Mudanças na química cerebral
  • Modificações na bioquímica do corpo
  • Alterações cardiológicas
  • Hepatite alcoólica aguda
  • Aumento do risco para acidentes, violência e hospitalização
  • Dependência

Tudo muda na sua cabeça

Como depressor do SNC (sistema nervoso central), alterações fisiológicas e alguns prejuízos são imediatos e, em geral, se manifestam por meio de:

Sensação temporária de relaxamento, euforia;

Desinibição de impulsos básicos (sexualidade e agressividade);

Deficiências cognitivas (redução da atenção, controle, julgamento, concentração, etc.);

Continua após a publicidade

Dificuldades psicomotoras (virar uma chave na fechadura, andar, dirigir, escrever);

Alterações no padrão do sono;

Prejuízo da memória e apagões;

Perda das funções básicas: uma overdose pode desacelerar a respiração, o coração, etc. e ainda levar ao coma.

A química se desequilibra

Em quadros mais intensos e dramáticos, podem ocorrer alterações nos níveis de variados marcadores biológicos, ou seja, componentes bioquímicos que indicam alterações no nosso corpo. Confira:

Continua após a publicidade

Glicemia (hiperglicemia ou hipoglicemia)

Ácido lácteo (acidose láctea)

Potássio (hipocalemia)

Magnésio (hipomagmesemia),

Albumina sérica (hipoalbuminemia)

O coração dispara, o corpo esfria

Os grandes vilões nesses quadros são os efeitos metabólicos do etanol e acetaldeído, que poderão ser mais evidentes entre pessoas com deficiências nutricionais e níveis aumentados de toxinas pelo corpo. Confira as consequências mais frequentes:

Continua após a publicidade

Aumento da frequência cardíaca

Vasodilatação

Hipovolemia (níveis baixos da parte líquida do sangue)

Todas essas alterações, associadas, colaboram para a redução da pressão e à hipotermia (queda da temperatura do corpo).

Outra possível reação cardiológica é a síndrome do coração pós-feriado. O exagero em dias de descanso no Brasil, geralmente se dá por meio do beber em binge (beber grandes quantidades). O resultado é a fibrilação atrial, cujo sintoma mais comum é a palpitação (arritmia cardíaca).

O sistema antitoxinas soa o alarme

Diante do alto volume de substância tóxica, o sistema gastrointestinal que abrange órgãos encarregados de processá-la —como o intestino e o fígado— se defende como pode para se livrar dos seus efeitos.

Continua após a publicidade

Náusea, vômito, diarreia, dor abdominal —especialmente entre pessoas com gastrite são sintomas comuns

Uma bebedeira também pode resultar em úlcera péptica, pancreatite induzida por álcool, facilitar disfunções gastroesofágicas e ainda alterar o trabalho gastrointestinal, dificultando o processo digestivo.

O fígado reclama as horas extras trabalhadas

Entre todos os órgãos afetados pela ingestão exagerada do álcool, o fígado é o que mais sofre. A razão para isso é que ele é responsável por 97% do seu metabolismo. O restante é eliminado pelo suor, pela urina e a respiração.

Ele também é o encarregado pela eliminação de toxinas ingeridas ou produzidas pelo organismo. Quando a carga de álcool é muito alta, uma inflamação conhecida como hepatite alcoólica aguda pode aparecer. O quadro é mais comum entre os abusadores crônicos.

As mulheres metabolizam o álcool de forma diferente da dos homens, e ainda possuem mais gordura corporal. Esses fatores, juntos, fazem delas mais suscetíveis a esses danos.

Continua após a publicidade

Os custos começam a aparecer

Acidentes com traumas, violência e hospitalização são consequências decorrentes de uma bebedeira e respondem por 46% de redução do potencial de anos de vida de um indivíduo.

Quem exagera só de vez em quando está mais exposto a esse tipo de risco. A razão provável para isso, segundo os especialistas, é a baixa tolerância aos efeitos do álcool.

Intoxicação aguda também tem relação com maior risco para intubação, tempo de internação e mortalidade.

Alguns estudos científicos associam o álcool até à maior gravidade das lesões. Dados publicados no European Journal of Internal Medicine.

A dependência bate à sua porta

Ficar bêbado repetidamente pode levar a uma enfermidade crônica chamada TUA (transtorno do uso do álcool) —conhecida, no passado, como alcoolismo ou dependência do álcool.

Continua após a publicidade

O maior desafio dessa enfermidade é que, na maioria das vezes, a intervenção médica nunca é precoce e, em geral, ela só acontece em decorrência de algum problema de saúde, do envolvimento em acidentes ou problemas legais.

O checklist da intoxicação

Imagem
Imagem: iStock

Uma pessoa pode ser considerada embriagada quando estão presentes as seguintes condições:

Consumo recente de bebidas alcoólicas.

Alterações comportamentais e psicológicas durante ou imediatamente após esse consumo, caracterizadas pela liberação de comportamentos mais instintivos, como a sexualidade e a agressividade, alterações de humor, redução da capacidade de julgamento e de interação social.

Continua após a publicidade

Alterações na fala, falta de coordenação, perda do equilíbrio, entre outros, e até o coma, são outros sintomas possíveis.

A maior ou menor intensidade dessas manifestações dependerá de variados fatores:

Volume de bebida alcoólica ingerida e sua concentração na circulação sanguínea, em geral, acima de 0,08 g/dL, o equivalente a 4 doses para mulheres e 5 doses para homens

Teor alcoólico

Peso corporal

Tolerância (mulheres sofrem mais com a molécula que homens, embora estes representem o maior número de bebedores problemáticos)

Continua após a publicidade

Entenda o que é bebida alcoólica

O álcool etílico é um ingrediente encontrado na cerveja, no vinho, licores e outros tipos de bebidas disponíveis no mercado.

Trata-se de um produto da fermentação por leveduras, açúcar e amido que é considerado tóxico para todos os órgãos do nosso organismo, e está relacionado a mais de 200 enfermidades.

Definido como uma substância psicoativa, isto é, trata-se de um depressor do sistema nervoso central, o álcool é rapidamente absorvido pelo estômago e pelo intestino por meio da corrente sanguínea. A sua metabolização se dá no fígado —que tem capacidade moderada de "processar" grandes quantidades da bebida.

Cada dose padrão de bebida alcoólica contém o equivalente a 10 g/14 g de álcool puro, o que corresponde a: 1 copo de cerveja (255 ml); 1 taça de vinho (100 ml); 1 dose de destilado (30 ml).

Ficar bêbado, dose a dose

As consequências nocivas do mau uso da substância podem ocorrer a curto e longo prazos. As situações a seguir descritas consideram indivíduos com tolerância normal à bebida.

Continua após a publicidade

Pessoas que, naturalmente, têm maior tolerância, precisarão de doses cada vez maiores para terem o mesmo efeito. Confira:

1 ou 2 unidades de álcool - aumento da frequência cardíaca, dilatação dos vasos sanguíneos e aquela leve sensação de relaxamento, euforia e prazer.

4 a 6 unidades - cérebro e SNC são afetados. A capacidade de julgamento e de tomar decisões fica reduzida, e a pessoa se torna mais imprudente e desinibida. Reflexos e coordenação sofrem alterações.

8 a 10 unidades - a perda de reflexos piora, a fala fica arrastada e a visão é alterada; o fígado perde a capacidade de metabolizar o álcool, aumentando as chances de ressaca.

10 a 12 unidades - todos os sintomas descritos serão ainda mais fortes e haverá sonolência, o que aumenta o risco para acidentes. Níveis tóxicos do álcool levam à desidratação e à ressaca. Com sobrecarga para o sistema digestivo, náuseas e vômitos aparecem.

Mais de 12 unidades - Letargia profunda, inconsciência, estado de sedação, parada respiratória, coma.

Continua após a publicidade

Saiba identificar o abuso

Abusar do álcool geralmente decorre de padrões comportamentais como os descritos a seguir:

Beber em binge ou beber pesado episódico - trata-se de um padrão que tem sido cada vez mais comum, especialmente entre os jovens e se caracteriza pelo beber 5 ou mais doses de bebidas alcoólicas (homens) e 4 ou mais doses (mulheres), em uma mesma ocasião e no período de 2 horas.

Beber pesado - no grupo masculino representa a ingestão de 15 doses ou mais por semana; entre as mulheres a quantidade é de 8 porções por semana.

Quando procurar ajuda

O melhor momento é antes que os prejuízos comecem a aparecer. Isso significa que ao notar que seu hábito de beber extrapola os limites de segurança, já é hora de procurar uma avaliação médica.

Continua após a publicidade

Beber meia garrafa de vinho sozinho, todos os dias, já merece atenção. A prática é considerada sinal de alerta de que algo precisa ser feito antes do aparecimento de problemas de saúde mental e comportamentais relacionados ao álcool.

Se você deseja prevenir ou reduzir os efeitos do consumo de bebidas alcoólicas, adote as seguintes medidas:

Conte quantas doses consome a cada semana e vá reduzindo gradualmente, até conseguir não exceder os limites que representam menor risco para a sua saúde e a vida de terceiros.

Quando estiver bebendo, beba mais devagar.

Tome água enquanto bebe.

Para cada dose de bebida alcoólica, tome outra sem álcool.

Continua após a publicidade

Coma antes e durante o consumo.

Onde procurar ajuda

Toda a rede do SUS (Sistema Único de Saúde), por meio dos Caps (Centros de Atenção Psicossocial) e das UBSs (Unidades Básicas de Saúde), oferece atendimento para enfermidades relacionadas à saúde mental e, em São Paulo, existe área especializada em Álcool e Drogas (Caps AD).

A Prefeitura de São Paulo esclarece que a política de atendimento é promover o acesso aos serviços de suas unidades, por isso, não é necessário agendamento prévio, nem encaminhamento.

Encontre o Caps AD mais próximo de sua residência (em São Paulo)

O grupo de apoio AA (Alcoólicos Anônimos) tem promovido encontros online. Para participar, basta entrar na seção Sala de Reuniões do site.

Continua após a publicidade

Fontes: Felipe Antonio Rischini, médico clínico geral do HC-Bauru/USP (Hospital das Clínicas de Bauru da Universidade de São Paulo), com titulação em medicina de emergência pela Abramede (Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica); Guilherme Messas, médico psiquiatra, professor livre docente da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e membro da rede ACT Promoção da Saúde; Saul Velloso Schnitman, médico neurologista do Hupes-UFBA (Hospital Universitário Professor Edgar Santos da Universidade Federal da Bahia), que integra a rede Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares), professor na Escola Brasil Medicina; Ministério da Saúde; ACT Promoção da Saúde; e CISA (Centro de Informações sobre Saúde e Álcool). Revisão médica: Guilherme Messas.

Referências:

LaHood AJ, Kok SJ. Ethanol Toxicity. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK557381/
Tetrault JM. Risky drinking and alcohol use disorder: Epidemiology, clinical features, adverse consequences, screening, and assessment. Disponível em https://medilib.ir/uptodate/show/7809

Vonghia L, Leggio L, Ferrulli A, Bertini M, Gasbarrini G, Addolorato G; Alcoholism Treatment Study Group. Acute alcohol intoxication. Eur J Intern Med. Disponível em
https://bit.ly/3V8QEFy

Deixe seu comentário

Só para assinantes