Com diabetes e muitos músculos: ele ganhou 60 kg e levanta 400 kg no treino
Em Guarulhos, região metropolitana de São Paulo, o criador de conteúdo digital Guilherme Vieira, 23, prepara-se para mais uma série na academia, onde irá levantar 400 kg em um equipamento de pernas.
Apesar da carga elevada, a cena é até comum em muitas academias, não fosse por Guilherme levar seu medidor de glicose e seringas com insulina.
Ele tem diabetes tipo 1, diagnosticado desde 2015. A doença faz com que seu próprio organismo ataque células que produzem insulina, o que faz com que a quantidade desse hormônio seja insuficiente para fazer a glicose entrar em suas células, aumentando a glicemia no sangue.
Seu desempenho mesmo tendo diabetes faz sucesso nas redes sociais. No Instagram, ele reúne mais de 53 mil seguidores e tem a aparência comparada a de Sam Sulek, fisiculturista americano com mais de 5 milhões de seguidores. Entre os seguidores de Guilherme, estão pessoas que também têm diabetes e trocam dicas de treino e se sentem incentivados a praticar musculação ao acompanhar suas postagens.
Bulking contra a recomendação médica
O jovem opta por uma estratégia chamada bulking, que é quando se ingere alto volume de calorias para ganho de peso. A prática, entretanto, é desaconselhada por alguns médicos que fazem seu acompanhamento.
"Como tenho diabetes, tem endócrino que é contra. Pois quando você ganha peso sendo diabético, a gordura corporal vai subir e a resistência à insulina vai aumentar. Então, precisa de mais doses de insulina para controlar a glicemia", diz Guilherme.
De acordo com o jovem, o ganho de músculos sempre foi uma dificuldade por conta de sua condição médica. Ele precisa usar insulina até sete vezes por dia.
Eu tenho que ficar toda hora verificando a glicemia, não posso deixar ela subir muito nem cair demais. Quando passa de 280, tem um catabolismo de massa muscular muito grande, perde muito músculo. Tem pessoas com esse tipo de diabetes que são bem magras por conta disso. Guilherme Vieira
No caso dele, que faz musculação há oito anos, seu peso foi de 47 kg para 101 kg, e ele consome até 5.000 calorias por dia.
O endocrinologista e metabologista José Marcelo Natividade explica que o aumento de peso pode sim aumentar a resistência à insulina, o que pode ser preocupante para um paciente com diabetes tipo 1.
"Além disso, o ganho de gordura pode agravar problemas relacionados à tireoide. É essencial monitorar de perto essas condições para evitar complicações metabólicas", afirma Natividade.
Café com muito açúcar e estratégias para treinar
A doença também faz com que ele adote estratégias, como consumir uma alta quantidade açúcar durante o treino, quando sua glicemia está caindo.
Tomo café com até 60 gramas de açúcar. Faço isso porque a insulina roda devagar no meu corpo e dá muito pico quando estou treinando. Então, mesmo que tenha comido, com o esforço, gasto muita glicose e acaba dando hipoglicemia. Guilherme Vieira
"Prefiro fazer um treino de força [com mais carga que repetições], porque ele gasta mais glicose. Aprendi seguindo outros diabéticos e na prática, pois um treino de alta intensidade vai liberar mais glicose, mas no meu caso não dá certo, ele vai liberar a glicose, mas não a insulina", continua.
O metabologista aponta que, durante o treino, a utilização de açúcar pode ser necessária para evitar hipoglicemia, especialmente em treinos de alta intensidade. "O treino de volume com baixa intensidade pode ajudar a queimar glicose de forma mais eficiente, pois prolonga a atividade muscular sem estimular excessivamente a produção de insulina", explica Natividade.
Natividade alerta que é importante manter um equilíbrio entre ganho de peso e saúde metabólica. "Um aumento calórico excessivo pode levar a complicações, especialmente com o uso de insulina. É recomendável buscar orientação de um nutricionista e ajustar a dieta para atender às necessidades de ganho muscular com menos impacto metabólico", diz.
Ugo Oliveira, coach de fitness e fisiculturismo, passou a acompanhar Guilherme há cerca de três meses, após vê-lo compartilhar sua rotina de treinos nas redes sociais. Ele sugeriu que o jovem trocasse o açúcar pela maltodextrina, mas o jovem relata não ter condições para comprar o suplemento com frequência.
"Conseguimos fazer um plano nutricional para o Guilherme, ele melhorou muito sua glicemia e o uso da insulina, optando por mais fibras e frutas e organizando sua rotina de treinamentos e aeróbicos", conta Oliveira.
Descoberta do hipotireoidismo e músculos controlando glicemia
O ganho de peso do bulking também revelou um outro problema: Guilherme percebeu um ganho muito elevado de gordura e o médico o diagnosticou com hipotireoidismo. "Como eu não descobri antes, meu peso começou a subir muito. O hipotireoidismo deixa o metabolismo muito lento", diz.
Mas aumentar a quantidade de músculos também trouxe benefícios, sobretudo ao seu controle glicêmico. "Quanto mais massa se tem, mais energia se gasta. Agora, estou entrando em cutting [processo em que a quantidade de calorias consumida é menor do que a quantidade que o corpo consome], minha gordura vai diminuindo e a resistência à insulina vai diminuindo também", diz o jovem.
Guilherme também conta que sua imunidade melhorou. "Antes ficava doente muito fácil, com viroses e gripes, são coisas que quase não acontecem agora, tenho mais disposição e mais força para fazer atividades simples", diz.
"A musculação promove o aumento da sensibilidade à insulina, auxiliando no controle da glicemia. O ganho de massa muscular pode melhorar ainda mais esse controle, pois os músculos utilizam glicose como fonte de energia, reduzindo os picos de glicose no sangue após as refeições", explica o médico metabologista.
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