Contra dengue, pesquisador brasileiro apresenta solução usando bactéria
Em 2011, o pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz, Luciano Moreira, iniciou uma série de discussões com o Ministério da Saúde para trazer uma nova alternativa para enfrentar a dengue: a introdução no ambiente de mosquitos Aedes aegypti carregando uma bactéria chamada Wolbachia.
Essa descoberta foi realizada alguns anos antes, enquanto fazia seu pós-doutorado na Austrália.
A Wolbachia é uma bactéria presente em aproximadamente de 60% dos insetos no mundo. Em laboratório, a equipe de pesquisadores conseguiu introduzir esta bactéria, que foi retirada da mosca-da-fruta, dentro dos ovos de Aedes aegypti.
Foi comprovado que, quando a bactéria está presente no mosquito, os vírus como o da dengue, Zika e chikungunya não se desenvolvem bem, reduzindo a sua transmissão.
O então programa “Eliminar a Dengue: Desafio Brasil” começava a dar seus primeiros passos.
É curioso pensar que há 13 anos não esperávamos pela chegada surpreendente e impactante da chikungunya e, logo depois, do vírus Zika, acometendo a milhões de brasileiros. Após as autorizações regulatórias dos órgãos federais, os ovos dos mosquitos Ae. aegypti puderam entrar no país e, assim, dar início ao estabelecimento de uma colônia nacional com a bactéria Wolbachia.
O financiamento do Ministério da Saúde e da Fundação Bill & Melinda Gates, naquele primeiro momento, foram cruciais para a realização das atividades em dois bairros nas cidades do Rio de Janeiro e Niterói: Tubiacanga e Jurujuba, respectivamente.
A população nos ouvia com certa descrença a princípio. Jamais poderiam pensar que soltando mosquitos conseguiríamos reduzir os casos de dengue. No entanto, com um trabalho incessante de comunicação e engajamento, as dúvidas foram se esvaindo e a aceitação da tecnologia pela população alcançava níveis próximos aos 90%.
O projeto ainda estava em seu piloto quando o governo brasileiro declarou Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional devido à entrada do vírus Zika e das consequências deixadas por ele, como os milhares de casos de microcefalia.
O início da expansão do método
Começava ali uma expansão do Método Wolbachia no Rio de Janeiro e Niterói para cobrir uma área com pouco mais de 1 milhão de pessoas. O nome “desafio Brasil” não estava à toa nas camisas dos colaboradores que trabalhavam conosco. A vulnerabilidade social que, até hoje, acarreta altos índices de violência foi uma grande barreira para realização do trabalho, principalmente nas áreas de comunidades.
Em 2019, 5 anos após as primeiras liberações, foi hora dos Wolbitos (Ae. aegypti com Wolbachia) voarem mais alto. O Ministério da Saúde, que naquele momento já era o principal financiador da pesquisa, queria avaliar a implementação da tecnologia em 3 cidades com realidades bem diferentes, usando a própria rede do SUS.
O programa já não era mais “Eliminar a Dengue: Desafio Brasil”, mas sim o World Mosquito Program, cujo objetivo é o de reduzir as doenças transmitidas pelos mosquitos Ae. aegypti.
O que nós não esperávamos era uma pandemia no meio do caminho em pleno início das atividades.
Foi necessário todo um rearranjo das atividades e adoção de estratégias virtuais para continuar o engajamento da população nestes novos municípios. Uma equipe SWAT ficou responsável pela manutenção dos Wolbitos nos laboratórios do Rio de Janeiro e de Belo Horizonte até a permissão para retorno gradual às atividades.
Em outubro de 2020 foram iniciadas as liberações em uma área da Regional Venda Nova em Belo Horizonte, em dezembro daquele mesmo ano, Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul começou a receber os Wolbitos e, em julho de 2021, foi a vez de Petrolina, no interior de Pernambuco.
Wolbitos persistentes
Apesar de dificuldades encontradas na rotina da vigilância e controle, como problemas com transporte, infraestrutura e ausência de recursos humanos, os Wolbitos foram persistentes e conseguiram se estabelecer no território, fruto da parceria com os municípios e a população. As liberações nestes 3 municípios foram encerradas em dezembro de 2023.
Enquanto isso, Niterói foi o primeiro município brasileiro a ter seu território totalmente coberto pelo Método Wolbachia e os resultados no impacto na redução da transmissão de dengue viraram notícia nos principais telejornais do país: um caso de sucesso.
Em Belo Horizonte, um ensaio clínico randomizado controlado está em desenvolvimento e a previsão é que os resultados saiam até 2025.
Este estudo acontece em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais e universidades dos Estados Unidos: Emory, Florida e Yale. Os pesquisadores que estão avaliando este estudo esperam uma redução dos casos de arboviroses nas áreas onde os Wolbitos foram liberados, em relação às áreas de controle.
Hoje, temos mais de 3,2 milhões de brasileiros beneficiados pelo Método Wolbachia em áreas das cinco cidades onde atuamos.
O Ministério da Saúde, no entanto, não esperou os resultados de mais um estudo para adotar o Método Wolbachia como uma das novas tecnologias para o controle de arboviroses no país.
Em 2023, anunciou o investimento de R$ 30 milhões para a implementação dos Wolbitos em áreas prioritárias de 6 municípios: Joinville, Foz do Iguaçu, Londrina, Presidente Prudente, Uberlândia e Natal.
2024: ano crucial para o projeto
As atividades serão conduzidas pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) através do World Mosquito Program. O planejamento está a todo vapor para que as liberações sejam iniciadas até o final do primeiro semestre de 2024 e espera-se proteger mais 1,7 milhão de habitantes.
O ano de 2024 trará um grande salto também no World Mosquito Program – Brasil. A maior fábrica do mundo de mosquitos Ae. aegypti com Wolbachia será construída no Brasil e terá capacidade de atender, pelo menos, 70 milhões de brasileiros, em 10 anos.
A Biofábrica é resultado de uma parceria tecnológica firmada entre World Mosquito Program, Fiocruz e Instituto de Biologia Molecular do Paraná (IBMP).
O trabalho expandirá o acesso no Brasil aos mosquitos com Wolbachia. A fábrica contará com uma área de cerca de 3.000 m² e equipamentos modernos para automação e produção em larga escala dos Wolbitos. A previsão é que até 100 milhões de ovos sejam produzidos por semana.
Apesar de todo o sucesso do Método Wolbachia, nós continuamos afirmando que ele não será a salvação contra dengue, Zika e chikungunya. Para o controle de doenças transmitidas por mosquitos, é necessário o manejo integrado de vetores, com várias alternativas, ou a chance de sucesso será reduzida por conta de diversos fatores, sejam eles ambientais (ex.: mudanças climáticas), sociais (ex.: cobertura de saneamento básico) e biológicos (ex.: resistência a inseticidas).
O Brasil registrará, em 2024, talvez a sua maior epidemia de dengue. É difícil apontar um fator específico para este cenário, mas sabemos que o impacto social e na saúde será enorme. O Ministério da Saúde prevê um recorde de casos notificados este ano, que pode ultrapassar a casa dos 4 milhões.
A adoção da vacina no SUS é uma alternativa importante, mas ainda é limitada dado o baixo número de doses disponíveis. Sendo assim, todos temos que fazer nossa parte, enquanto poder público e sociedade, no combate ao mosquito transmissor dessas doenças, o Aedes aegypti, e o Método Wolbachia é uma das alternativas que se soma ao arsenal disponível para este enfrentamento.
*Luciano Andrade Moreira, Pesquisador em Saúde Pública do Instituto René Rachou, Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz); Alessandro Vieira, Jornalista, líder de comunicação do WMP Brasil, World Mosquito Program e Diogo Chalegre, Líder de Relações Institucionais e Governamentais do WMP Brasil, Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Leia o artigo original aqui.
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