Ela tirou 30 kg de gordura e pele por lipedema: '6 anos sem dormir deitada'
Quando estava pesando 212 kg, a confeiteira Tamiris de Sá, 36, reparou que as pernas e o quadril estavam, aos poucos, ganhando um formato diferente, além da dor intensa que sentia nas regiões. Foram quase cinco anos vivendo nesta situação até descobrir que tinha lipedema, doença crônica que causa depósito de gordura e inchaço localizado nas pernas e braços.
Sabia que tinha algo errado, que não era só obesidade, mas estava com depressão, não conseguia buscar ajuda. Tinha vergonha de mostrar as pernas, de sair na rua. Morava com meus pais, mas eles não viam como estava minha perna.
Achava que tinha mais relação com o formato do meu corpo, que é de pera. Sempre tive bumbum grande e quadril largo.
"Seis anos sem dormir deitada"
Moradora do Rio de Janeiro, a mudança ocorreu quando Tamiris procurou ajuda em uma clínica de família, pelo SUS, onde foi enviada diretamente para internação. "Minha menstruação era intensa, desregulada e tudo desencadeado pela obesidade", conta.
A terapia também foi uma parte fundamental do tratamento. Em 2021, ela resolveu cuidar da saúde mental devido a um quadro depressivo. "Foi o que me salvou: Deus e a terapia."
Tamiris teve acompanhamento médico para cuidar das feridas na perna devido ao linfedema, problema que provoca acúmulo de líquido nos tecidos. Com isso, surgiram secreções e, consequentemente, feridas nas pernas dela.
Com atividade física e uma alimentação saudável, Tamiris chegou a perder 72 kg em um ano — hoje, pesa 127 kg. "Depois que as pernas desinflamaram, fui liberada a voltar para o CrossFit. Cheguei a entrar na fila bariátrica, mas desisti, queria me dar uma chance de tentar [perder peso sem a cirurgia]"
Antes, não conseguia deitar na cama sozinha ou tomar banho. Tudo que eu precisava fazer sozinha era muito difícil.
São seis anos que não durmo deitada, só sentada, porque minhas pernas e o quadril causam muita dor. Estava sem mobilidade para dormir de lado ou de bruços.
"Emagreci, mas ainda tinha bolsas de gordura na perna"
Um detalhe que diferencia o lipedema da obesidade é exatamente o que aconteceu com Tamiris: mesmo perdendo 72 kg — ainda com sobrepeso —, as pernas dela continuaram iguais.
Voltei a andar na rua, fui recuperando minha vida. O abdome ficou mais murcho, meu rosto mudou, mas as pernas ainda estavam com aquela bolsa de gordura, não via sumir. Só depois que fui entender que apenas a cirurgia iria resolver.
Tamiris, no entanto, não tinha como pagar pela cirurgia: ela não é oferecida no SUS e os planos não cobrem — a não ser via judicialização. "Todas as opções fugiam da minha realidade", lembra.
Já foram retirados mais de 30 kg de pele e gordura
Foi neste momento que Tamiris conheceu a ONG Movimento Lipedema, que está arcando com todas as despesas, desde a cirurgia, recuperação e hospedagem. No particular, o procedimento cirúrgico custa, em média, de R$ 30 a R$ 40 mil.
O caso da Tamiris é considerado o mais grave (grau 4). Já foram duas cirurgias feitas até então.
Na primeira cirurgia, foram 15 kg de pele e gordura retirados (4 kg foram retirados via lipoaspiração). Na segunda, foram 6 kg de pele e 9 kg de gordura via lipoaspiração.
Foi um sonho sendo realizado. Assim que acordei da primeira cirurgia, consegui colocar a mão na maca. Antes, minhas pernas cobriam tudo, não cabiam na cama.
"Agora, consigo passar pelas catracas"
Passei anos sem sentar no banco da frente do carro. Quando deixei o hospital, me falaram que dava, sim, para eu ir no banco da frente. Comecei a chorar. Agora eu conseguia caber!
Também consigo sentar melhor no vaso sanitário e passar em catracas. Ninguém precisa mais abrir o portão para eu passar.
A confeiteira também pegou gosto pelo treino: além do CrossFit, faz musculação e hidroginástica. A autoestima foi, aos poucos, voltando. "Tudo isso mudou minha mobilidade. Sinto mais disposição e força", diz.
Para o futuro, Tamires quer estudar psicologia ou serviço social. "Antes, não me achava capaz. Agora quero uma vida diferente", fala.
Quero muito usar uma calça jeans. Com as bolsas de gordura, era difícil colocar até uma legging, mas agora estou doida para ter uma calça jeans.
Lipedema dá sinais ainda na adolescência
O lipedema é uma doença caracterizada pelo aumento desordenado de células de gordura, que acometem os membros inferiores, como pernas e coxas, e os superiores, como os braços.
Os membros ficam maiores, causando deformações no corpo, o que confunde com obesidade. Além disso, os sintomas podem envolver hematomas, dor ao toque, feridas na pele e varizes.
É uma doença mais frequente nas mulheres por ser desencadeada pelo estrogênio, hormônio feminino. "Nunca vi um homem com lipedema, acredito que seja raro", explica o cirurgião plástico Fabio Kamamoto, diretor do Instituto Lipedema Brasil.
O hormônio feminino desencadeia o lipedema, tanto que é muito como o desenvolvimento durante tratamentos para engravidar e durante a menopausa. Fabio Kamamoto, cirurgião plástico
De acordo com o especialista, a doença tem um fator hereditário: "É comum ver mulheres contando que a avó ou a tia já tinham lipedema", fala o médico. Neste caso, os primeiros sintomas podem aparecer ainda na adolescência.
Como é o tratamento?
É multidisciplinar e envolve mudanças no estilo de vida, como uma alimentação anti-inflamatória e atividade física, de preferências de baixo impacto. Fisioterapia, drenagem linfática e meias compressivas também podem ajudar nos sintomas.
Não existe uma medicação específica para doença, então a única forma de remover as células de gordura é com a cirurgia.
Uma vez retiradas, as bolsas de gordura não voltam a crescer, pois as células remanescentes não têm capacidade de se multiplicar e refazer o lipedema. Fabio Kamamoto, cirurgião plástico
O procedimento é indicado principalmente quando a doença impacta diretamente a qualidade de vida da pessoa, como a dificuldade de mobilidade e as dores intensas, na região.
Quanto mais a doença vai progredindo, mais impactos na saúde da pessoa, tanto na pele, na articulação e sistema linfático até na saúde mental. A dor vira crônica e vem a ansiedade, além dos riscos de distúrbios alimentares, como anorexia e compulsão. Fabio Kamamoto, cirurgião plástico