Maioria mente na terapia; qual o problema disso e como se expressar melhor
Marcelo Testoni
Colaboração para o VivaBem
18/03/2024 04h00
Um estudo feito por pesquisadores da Universidade Columbia (EUA) mostrou que mentir na terapia é algo comum. Publicada em 2015, a pesquisa pediu para que 547 pessoas respondessem a um questionário online e revelou que 93% dos participantes já mentiram para o terapeuta.
Entre as inverdades ditas aos profissionais, as mais comuns incluem afirmações sobre gostar dos comentários feitos por psicólogos/psiquiatras, criar falsas justificativas para quando se atrasou ou faltou às sessões e fingir considerar o tratamento eficaz. Há quem ainda encubra sentimentos e desejos, como o de querer encerrar a terapia.
Agora, sobre os motivos para essas lorotas, o que mais se ouve dos pacientes ao serem questionados, segundo fontes consultadas pelo VivaBem, é:
Querer ser educado, agradar, impressionar ou não chatear o terapeuta;
Evitar desconfortos e constrangimentos;
Desviar o foco de assuntos complexos, íntimos ou muito traumáticos;
Não ser tratado de forma "diferente", como alguém incompreendido;
Temer ser encaminhado para uma clínica ou hospital psiquiátrico;
Negar insegurança, minimizar sofrimentos e abusos, não ser criticado.
Mas saiba que mentir em terapia não é nada positivo, por mais que a intenção possa parecer, digamos, louvável.
Por que é melhor ser verdadeiro?
Honestidade é fundamental para o crescimento pessoal e sucesso do tratamento, afirma Flávio Henrique Nascimento, psiquiatra pela UFPI (Universidade Federal do Piauí). Tanto paciente quanto terapeuta devem trabalhar juntos, pela confiança e compreensão mútua. "Com informações falsas ou incompletas, a relação acaba minada, o direcionamento fica limitado e o progresso prejudicado", diz o médico.
Na prática, autoconhecimento, desenvolvimento de habilidades, enfrentamento de situações e mudanças são atrasados ou impedidos. "O principal prejudicado com as mentiras é o próprio paciente, que pode ficar também com uma ideia de desvalorização da terapia, pensando que ela não serve para ajudá-lo", completa Larissa Lauriano, psiquiatra e professora da Afya Educação Médica de Fortaleza.
O risco de se receber diagnósticos e prescrições erradas também aumenta. Se envolver falsos sintomas ou melhoras, medicamentos sem necessidade podem ser utilizados ou então descontinuados. Há risco até de receber alta antecipada.
Tem mais. Caso a mentira seja descoberta, o psicólogo pode ficar numa posição ética delicada, principalmente se estiver envolvido em casos de confidencialidade e proteção ao paciente. Portanto, a advertência para não inventar vale tanto para quem mente, como para quem, com frequência, busca minimizar ou omitir fatos.
Nem sempre a mentira é proposital
Apesar de haver recomendação para se falar a verdade, julgamentos não cabem nesse assunto. Isso porque o paciente pode mentir tanto consciente quanto inconscientemente, o que é esperado. Às vezes, a mentira que emerge pode ser fruto de fantasia ou distorção, mas é a "verdade" dele naquele momento.
"É um mecanismo de defesa não intencional", aponta Yuri Busin, psicólogo pós-graduado pela PUC-RS. Da mesma forma, sinais como discurso truncado ou evasão de temas propostos podem indicar resistência ou falta de prontidão para abordar certos assuntos. Na dúvida, o psicólogo ou psiquiatra devem ficar atentos.
Há pacientes não preparados para encararem a si e as suas próprias verdades, ou que ainda sofrem de transtornos, como a mitomania (mentira compulsiva). "Mas o tratamento não deve ser interrompido por isso de forma alguma. Só é indicado trocar de profissional se a conexão entre as partes não for estabelecida, ou o paciente não se sentir à vontade, mesmo passado algum tempo", continua Busin.
Como falar sobre si sem mentir
Revelar seu eu interior para alguém, por mais que seja um especialista em saúde mental, nem sempre é uma tarefa fácil. Mas deve ser feito, pelo bem do paciente. Se quiser contar algo que ocorreu de forma honesta e eficaz, planeje sua argumentação com antecedência, isso evita improvisações.
Na sessão, explique sobre qual problema ou área da vida deseja falar a respeito. Isso ajuda a criar pontos de referência para medir o progresso do tratamento e até a conduzir o terapeuta. "Lembre-se de que o ambiente da terapia é neutro, não há julgamentos, não há críticas. O psicoterapeuta tem o dever de acolher e procurar entender as suas demandas, assim como assegurar seu sigilo", explica Lauriano.
Portanto, não retenha informações, diga tudo o que vier, mesmo que não pareça relevante. Às vezes, o que parece pequeno ou sem importância pode, na verdade, estar conectado a padrões de pensamento, crenças ou questões mais profundas, fornecendo pistas valiosas sobre nossa personalidade, experiências e emoções.
Com dificuldades para se expressar, também são estratégias bem-vindas:
Escrever uma carta ou fazer um esboço visual do que se está se sentindo;
Usar metáforas ou analogias, como: "Sinto-me como um barco à deriva";
Em vez de tentar explicar tudo de uma vez, divida o que deseja compartilhar em pequenas partes. Comece com uma e vá construindo a narrativa aos poucos;
Seja paciente consigo. Reconheça que é normal ter dificuldades para se expressar. Não se sinta pressionado a encontrar as palavras perfeitas de imediato;
Pausar, respirar fundo e ir devagar ajuda a organizar seus pensamentos e encontrar as palavras certas;
Diga ao terapeuta que você está tendo dificuldade para se expressar.
Contar que mentiu mostra amadurecimento e estar pronto para enfrentar os motivos que estão conectados ao sofrimento. Pode ser um ponto de partida para explorar suas raízes, reconstruir a confiança e evitar novos problemas não somente na terapia, como na vida pessoal. Flávio Henrique Nascimento, psiquiatra pela UFPI