Menina fica 5 h na fila de transplante e recebe coração em tempo recorde
Na manhã do último dia 8 de março, Ana Lívia, de apenas 3 anos, entrou na fila de transplante cardíaco. Depois de cinco horas, a equipe médica que cuidava dela recebeu a confirmação de que um coração compatível estava disponível para ela.
O novo órgão estava em Cuiabá (MT), a mais de 1.000 km de distância do Hospital da Criança e Maternidade (HCM) de São José do Rio Preto (SP), onde Ana estava internada.
Na capital mato-grossense, uma menina, também de 3 anos, havia morrido em decorrência de uma hidrocefalia, e a família concordou com a doação do coração.
Tudo precisava acontecer muito rápido para a efetivação do transplante. Ao ser retirado do corpo doador, o órgão precisa estar pulsando no novo organismo em, no máximo, quatro horas.
Ana tinha um 'coração de idoso'
Ana Lívia estava com um ano e cinco meses quando teve uma crise respiratória e febre que não baixava. Levada ao hospital pela mãe Talissa Patrícia Bueno Prado, na cidade de Lins (SP), onde moram, ela foi diagnosticada com cardiomiopatia dilatada.
Infecções virais, alterações genéticas e alguns distúrbios hormonais são as causas mais comuns da doença. No caso dela, foi uma questão genética.
A condição provoca alterações no músculo cardíaco e leva à dilatação dos ventrículos (compartimentos inferiores do coração), o que faz o órgão crescer de tamanho.
Com isso, a capacidade de bombeamento de sangue é insuficiente e, com o tempo, compromete outros órgãos.
Talissa conta que o coração da filha estava do tamanho do de um idoso de 75 anos no momento do diagnóstico. Em janeiro deste ano, já tinha dobrado de tamanho.
Encaminhada para um hospital em Bauru, Ana Lívia ficou internada na UTI por 14 dias e começou o tratamento medicamentoso. Porém, sem sinal de melhora, o transplante de coração era urgente.
No dia 27 de fevereiro, a menina foi transferida para a CardioPed Brasil, Centro do Coração da Criança do HCM.
"Fizemos todos os exames de coração e vimos que o órgão estava muito cansado", diz a cardiologista pediátrica Alexandra Regina Siscar Barufi, que atendeu a criança e atua com transplante de coração.
O último exame necessário para avaliar a possibilidade de transplante saiu na manhã do dia 8. Como estava tudo certo, logo Ana Lívia foi inserida na lista de espera.
Contra o tempo
Barufi diz que listou a menina por volta de 8h. Às 12h, a equipe recebeu uma oferta de consulta da central de transplantes, comunicando que havia um órgão disponível, mas tinha uma pessoa na frente de Ana Lívia.
"Fui analisando se para nós era interessante, e o tipo sanguíneo e o tamanho eram compatíveis", conta. Cerca de uma hora depois, a oferta oficial foi passada para a equipe do HCM.
Imediatamente, um avião foi fretado para levar o cirurgião Ulisses Croti e outros profissionais para Cuiabá, onde fariam a retirada do coração doado.
Foram seis horas e 20 minutos para a equipe chegar à capital do Mato Grosso, realizar o procedimento na criança doadora e retornar ao HCM para começar o transplante.
Quase no limite, o coração ficou 3 horas e 30 minutos fora do corpo, diz Barufi, tempo suficiente para que ele se mantivesse bom para pulsar novamente no peito de Ana Lívia.
Enquanto isso, a mãe da menina estava num misto de euforia, medo e alegria. "Que meu sentimento de gratidão eterna seja o consolo deles [família doadora]. Sei que é muito difícil, não imagino o que eles sentiram", diz a mãe.
Caso inédito
Esse foi o 15º transplante de coração realizado pela CardioPed Brasil, mas o único em que o órgão foi encontrado tão rapidamente, em um tempo recorde de cinco horas.
Segundo a cardiologista pediátrica, dois fatores contribuíram para esse feito:
O quadro muito grave de Ana Lívia, que a colocou como prioridade na lista;
O tipo sanguíneo AB+ dela, que permite receber doadores de todos os tipos sanguíneos.
Além disso, havia fatores que estavam fora controle da equipe, como a morte de uma pessoa com órgão compatível e a necessidade de a família concordar com a doação.
"Em transplante cardíaco infantil, temos mais dificuldade na captação de órgãos porque são menos doadores", diz Barufi.
Por mais que uma pessoa transplantada precise de cuidados por toda a vida, agora Talissa respira mais aliviada. "Só de poder ver minha filha bebendo água, o tanto que ela quiser, porque ela tinha restrição hídrica severa de 700 ml por dia de líquido, para mim é vida nova."
Seja um doador
No Brasil, a doação de órgãos e tecidos só é realizada após a autorização família. Para isso, é importante que, em vida, você manifeste o desejo de ser doador. Converse com familiares e amigos sobre sua intenção.
No ano passado, o Brasil realizou 424 transplantes de coração, segundo a ABTO (Associação Brasileira de Transplante de Órgãos). Destes, 45 foram feitos em crianças.