'Entrei pro mundo da corrida aos 40 e vou correr maratona de Paris aos 42'
"Sou a menina que vai de Perus para Paris". Aos 42 anos, Gisele Ashanti (@giashantirunner) se prepara para correr sua primeira maratona (42 km) e para fazer sua primeira viagem internacional em abril deste ano. Ao ingressar para o universo da corrida aos 40 anos, a diretora de escola diz que é preciso se libertar do ostracismo que diz que a mulher de 40 está velha. A seguir ela compartilha sua trajetória:
"A maioria das pessoas têm acesso ao esporte desde cedo. No meu caso, uma mulher preta e da periferia, que nasceu em Caieiras e cresceu no fundão de Perus, na zona noroeste de São Paulo, esse tipo de realidade não é comum.
A região onde moro é longe de tudo e as opções para a prática de atividade física são precárias. Sempre gostei de caminhar e dar uns trotes pelas ruas, mas entrei para o mundo da corrida somente aos 40 anos.
Ao longo da minha vida sempre tive problemas com o meu peso e autoimagem, não me sentia bem comigo mesma, me achava feia, gorda e não me enquadrava nos padrões de beleza.
Em 2020, tive um quadro depressivo que se intensificou por conta da pandemia. Tomava antidepressivo e engordei ainda mais, cheguei aos 90 kg. Em conversa com a minha psiquiatra e psicóloga, elas me orientaram a diminuir a dose da medicação e aumentar a frequência de exercícios para ajudar na minha saúde física e mental. Na época, fiz aulas de funcional online em grupo e corria em uma rodovia perto de casa.
Em 2021, fui transferida da escola onde era diretora em Perus, fui trabalhar no Butantã e um novo mundo se abriu para mim, passei a ter contato com novas pessoas e ambientes. Fiquei motivada, contratei uma assessoria esportiva e comecei a correr na USP todos os dias depois que saía do trabalho.
O esporte transformou a minha vida de muitas maneiras, uma delas foi na própria relação com o emagrecimento. Durante anos tomei remédios para emagrecer. No começo me achava incapaz de correr estando gorda, mas meu preparador sempre me incentivou a treinar e me ensinou algo que levo para a vida: disciplina não é negociável.
Passei a gostar do esporte sem associar isso à perda de peso e as coisas aconteceram naturalmente. Em dois anos, emagreci 20 kg, fui de 90 kg para 70 kg. Fiz as pazes com o espelho e me sinto bonita, gostosa e empoderada.
"Conheci o parque do Ibirapuera aos 41 anos"
Após entrar para a corrida tive algumas realizações importantes, uma delas foi conhecer o parque do Ibirapuera pela primeira vez aos 41 anos. Também participei de duas meia-maratonas.
A primeira experiência foi terrível, fiquei exausta e demorei 2h50 para concluir. Tive uma crise de choro e ansiedade ao ver a pista se esvaziando, as pessoas terminando a prova e eu ali.
A segunda foi completamente diferente, me preparei melhor e me senti realizada. Não sou uma corredora rápida, não corro para performar, mas para me superar e ser feliz.
"Corrida é potência, é um ato de amor e autocuidado"
Em 2023, me tornei membro da Asics FrontRunner, uma comunidade com mais de 600 corredores de 33 países, cujo objetivo é inspirar outras pessoas a se movimentarem promovendo um impacto positivo para o corpo e a mente.
Decidi que iria fazer minha primeira maratona, no Rio de Janeiro, mas surgiu uma oportunidade que não imaginei nem nos meus melhores sonhos. Fui sorteada para participar do Encontro Internacional de Asics FrontRunner e vou correr a maratona de Paris no dia 7 de abril de 2024, três dias antes do meu aniversário de 43 anos.
Durante a minha trajetória sempre me falaram para não querer nada além de sobreviver, mas ousei sonhar. 'Para que entrar na universidade se você não tem dinheiro para pagar?'. Fui a primeira pessoa da minha família a fazer um curso superior. 'Para quê tirar passaporte se você nunca vai viajar para fora do país?'. Farei a minha primeira viagem internacional, sou a menina de Perus que vai para Paris.
A corrida é potência, é um ato de amor e autocuidado, é o momento do dia que tenho para mim. Se descobrir como uma mulher que pode se amar é um processo doloroso, mas precisamos nos libertar desse ostracismo que nos diz que a mulher de 40 está velha e não pode fazer as coisas. Eu, com quase 43 anos, me sinto muito melhor em todos os aspectos do que quando tinha 30.
Nada veio fácil para mim, sou mãe solo, não desfrutei de privilégios e não me ensinaram enquanto mulher preta e periférica o que fazer quando se prospera, mas estou aprendendo e vou ensinar aos que vierem depois de mim."
Quer correr? Calce o tênis e vai
A corrida é um excelente componente terapêutico e não medicamentoso que auxilia nos cuidados com a saúde mental. É uma aliada contra a ansiedade e o estresse.
Também traz benefícios físicos por movimentar todo o corpo, oxigenando a massa cerebral e gerando a sensação de bem-estar, de acordo com Eduardo Barbosa, coach de corrida e mestre em educação física.
Ainda segundo ele, a corrida é indicada para toda e qualquer pessoa, sem distinção, inclusive para cardiopatas. No entanto, é importante realizar um check-up para avaliar a saúde de forma geral antes de iniciar qualquer atividade física.
Para quem quer começar a correr usando o tênis que tem em casa, o educador pondera que nem todo tênis é apropriado para a prática da modalidade. "Calçados com pouca estabilidade podem machucar os pés. Os modelos mais indicados são os que têm EVA na composição, na entressola", aconselha.
A seguir, ele dá 7 dicas para se dar bem na corrida:
- Comece devagar, com um ritmo confortável e vá aumentando aos poucos. É importante não exagerar no início e respeitar o corpo para não ultrapassar limites físicos que levem à exaustão.
- Use um calçado adequado: faça um teste de pisada para auxiliar na compra mais assertiva do tênis.
- Mantenha-se hidratado: beber água antes, durante e após a corrida é fundamental para o bom funcionamento do corpo.
- Realize um leve aquecimento antes de iniciar o treino principal. Isto ajudará a evitar lesões e a melhorar a flexibilidade dos músculos, principalmente em dias frios.
- Estabeleça metas realistas e alcançáveis para manter a motivação e acompanhar o progresso.
- Varie o treino e inclua a musculação para fortalecer todos os grupos musculares.
- O descanso é tão importante quanto o treino. Permita que o seu corpo se recupere adequadamente entre as corridas.
Dificuldade para se exercitar
Um estudo global da Asics —Move Her Mind— aponta a diferença da prática de atividades físicas entre os gêneros, reafirmando a correlação positiva entre os níveis de exercícios das mulheres e seu bem-estar mental.
Entre as mulheres: 52% se sentem mais felizes, 50% mais energizadas, 48% mais confiantes, 67% menos estressadas e 80% menos frustradas quando se exercitam regularmente.
Mais da metade das mulheres está insatisfeita com seus níveis de exercício.
Todas as mulheres enfrentam barreiras para se exercitarem ao longo da vida, desde questões relacionadas ao tempo disponível (74%) e baixa autoconfiança (35%) até ambientes intimidadores (44%) ou por não se sentirem suficientemente atletas (42%).
61% das mães citaram a maternidade como o principal motivo pelo qual interromperam suas práticas de exercícios ou esportes.
Apenas 34% dos homens reconheceram a falta de tempo como uma barreira para o exercício das mulheres, apesar de três quartos (74%) das mulheres citarem o problema.
Mais de um terço das mulheres diz que suas amigas são as mais importantes influenciadoras de exercícios, observando que elas são mais motivadas a se exercitarem por mulheres como elas do que por celebridades.
Os pais e os parceiros também influenciam, mostrando que ambos os gêneros podem ter um impacto sobre a participação das mulheres no esporte.
Quando perguntadas sobre o motivo pelo qual se exercitariam, as mulheres disseram universalmente que é mais pela saúde mental (92%) e física (96%) do que pela estética.
O estudo, feito com 24.959 pessoas, foi encomendado pela Asics e conduzido de forma independente por Dee Dlugonski, professora assistente do Sports Medicine Research Institute, da Universidade de Kentucky (EUA), e Brendon Stubbs, professor da Kings College de Londres.
Foi realizado de junho a setembro de 2023. No total, foram 26 grupos focais em todo o mundo, com 187 participantes, e 24.772 pessoas responderam à pesquisa online em mais de 40 países.
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