Dor nas costas pode ser tratada com psicoterapia; quando isso é possível?
Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), a dor nas costas, mais especificamente na região lombar, é a principal causa de incapacidade em todo o mundo. Para se ter ideia, em 2020, 1 em cada 13 pessoas em todo o planeta sofreu de lombalgia, um aumento de 60% com relação a 1990.
Aqui no Brasil, ela foi responsável por 100 dias de ausência do trabalho por pessoa anualmente entre 2012 e 2016, segundo estudo publicado por pesquisadores da UnB em parceria com cientistas da universidade de Amsterdã.
As dores lombares podem ter uma origem específica, causada por uma determinada doença, problema estrutural na coluna ou quando ela irradia de outra parte do corpo.
Mas em 90% dos casos não é possível identificar uma doença específica ou razão estrutural que a explique. É o que os médicos chamam de dor crônica primária, com duração maior do que 3 meses.
"A dor crônica tem um impacto negativo significativo na qualidade de vida, na função física e cognitiva do indivíduo, podendo também estar relacionada a distúrbios do sono, fadiga, alterações de humor e dificuldades no comportamento social", comenta Karen Del Rio Szupszynski, professora de psicologia da Escola de Ciências da Saúde e Vida da PUC-RS.
Segundo Julio Pereira, médico pela UFBA e neurocirurgião, pacientes com dores crônicas têm o cérebro modificado pela dor. "Essa modificação aumenta uma série de doenças, até neuropsiquiátricas, levando a uma maior incidência de depressão e ansiedade, por exemplo", alerta.
Técnica promissora busca alívio por meio de psicoterapia
Tendo em vista os impactos causados na saúde mental dos indivíduos, 14 pesquisadores, entre médicos e psicólogos, ligados a diversas universidades americanas e clínicas especializadas em tratamento da dor lideraram um estudo para propor uma nova terapia comportamental focada na dor crônica primária das costas, chamada de Terapia de Reprocessamento da Dor. O estudo foi publicado na prestigiada revista cientifica Jama (Journal of the American Medical Association).
O tratamento aposta na capacidade do cérebro de reaprender a lidar com a dor através da mudança de crenças sobre as suas causas e o valor da sua ameaça. À medida que o paciente experimenta gradualmente os movimentos que costumavam doer, eles acabam por deixar de produzir dor.
A terapia compartilha alguns conceitos e técnicas com tratamentos existentes para a dor e com o tratamento cognitivo-comportamental. Um estudo clínico experimental foi realizado para provar sua eficácia e os resultados foram expressivos.
Depois 4 semanas, 33 dos 50 participantes (66% do total) estavam sem dor ou quase sem dor e grande parte das conquistas foram mantidas mesmo após um ano. Para isso, foi feito uma sessão de telessaúde com um médico e 8 sessões de tratamento psicológico durante o período.
No grupo controle, apenas 10 de 51 participantes do grupo placebo e 5 de 50 participantes dos que continuaram a fazer tratamento habitual relataram melhora durante a pesquisa.
"O estudo é muito promissor, mas a técnica estruturada pelos pesquisadores é nova e ainda necessita de mais trabalhos para uma aceitação plena da sociedade médica como um todo, de psicologia, fisioterapia, dentre outras, além da necessidade de treinamento dos profissionais envolvidos", comenta Luiz Scocca, psiquiatra pelo Hospital das Clínicas da USP e membro da APA (Associação Americana de Psiquiatria).
Dor crônica também pode ser tratada com outro tipo de terapia
Em diretriz publicada em dezembro de 2023, a OMS recomenda intervenções não cirúrgicas para ajudar as pessoas que sofrem de lombalgia primária crônica. Entre elas estão:
Programas educativos que apoiam conhecimentos e estratégias de autocuidado;
Exercícios;
Algumas terapias físicas, como manipulativa espinhal e massagem;
Medicamentos como anti-inflamatórios não esteroidais;
Terapias psicológicas, tais como TCC (terapia cognitivo-comportamental).?
Esta última segue uma linha muito próxima ao que foi proposto no estudo americano, mas já é algo que vem sendo aplicado, inclusive aqui no Brasil.
Segundo Del Rio, cerca de?73% dos psicólogos clínicos que trabalham com dor crônica utilizam essa abordagem. "Quando o paciente é avaliado e pe identificado que existem fatores psicológicos associados ao diagnóstico, o tratamento com a terapia cognitivo-comportamental é indicado", explica.
A psicoterapia, especialmente a TCC, pode agir de diversas maneiras na melhora da dor, influenciando fatores psicológicos, emocionais e comportamentais.
Ela trabalha na identificação e modificação de crenças disfuncionais e negativas relacionadas à dor, como pensamentos repetitivos e catastróficos —aqueles que trazem expectativas pessimistas sobre a sensação mesmo quando não há mais lesão.
"É possível que a dor nas costas possa ser iniciada ou piorada por estresse emocional ou por ansiedade e a terapia cognitivo-comportamental ajuda a identificar e modificar pensamentos nocivos e a desenvolver habilidades para lidar com o estresse da vida cotidiana de maneira mais saudável", pontua Andréa G. Portnoi, doutora pelo Instituto de Psicologia da USP, especializada em dor crônica e doenças autoimunes, colaboradora do Grupo de Dor do Departamento de Neurologia e coordenadora da Liga de Dor, ambos do HC da Faculdade de Medicina da USP.
Ela ressalta ainda que se a dor nas costas é de origem secundária, ou seja, devido a outra condição médica, a terapia ainda pode desempenhar um papel importante no gerenciamento dessas sensações. "A abordagem pode se concentrar mais na adaptação às limitações físicas, no desenvolvimento de estratégias para lidar com a dor e na promoção do bem-estar geral", esclarece.
Cérebro pode emitir falso alarme
A percepção da dor envolve interações complexas entre o sistema nervoso, o cérebro e outros fatores psicossociais. No caso da dor crônica nas costas, algumas razões são:
Quando ocorre uma lesão inicial, os nervos ao redor da área afetada podem se tornar mais sensíveis. Mesmo após a cura da lesão, esses nervos podem permanecer hiperativos, enviando sinais ao cérebro, mesmo na ausência de dano atual.
O cérebro é altamente adaptável e pode passar por mudanças na sua estrutura e função, conhecidas como neuroplasticidade. Áreas que processam a dor se tornariam então mais sensíveis e reativas, fazendo com que o cérebro perceba sinais normais como mais intensos.
A memória da dor também pode influenciar a resposta do cérebro. Se ela ocorrer por um período prolongado, o cérebro pode se acostumar a esperar e interpretar os sinais de dor, mesmo quando não há mais lesão ou inflamação presente.
"É como se o cérebro criasse um caminho facilitado para a dor por ter recebido esse estímulo de forma constante", complementa Pereira.
Tempo de resposta depende do paciente
O tempo necessário para um paciente começar a sentir melhora no tratamento da dor crônica nas costas pode variar consideravelmente de pessoa para pessoa. "Vários fatores podem influenciar a rapidez e a extensão da melhora, incluindo a gravidade da dor, a presença de condições médicas subjacentes, a adesão ao tratamento e a eficácia das terapêuticas utilizadas", ressalta Portnoi.
Esse tratamento geralmente envolve uma abordagem multidisciplinar, que pode incluir até mesmo meditação, acupuntura e quiropraxia, além da fisioterapia e da terapia cognitivo-comportamental. Alguns pacientes podem experimentar alívio mais rápido com determinadas intervenções do que com outras.
A paciência é muitas vezes necessária, e é importante manter uma comunicação aberta com a equipe de saúde para ajustar o plano de tratamento conforme necessário. O acompanhamento regular e a avaliação do progresso são partes integrantes do processo de controle da dor crônica.
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