'Tive apagão e fiquei internada três dias na UTI por crise de burnout'
Apaixonada por comunicação, a jornalista e palestrante Camila Galvão, 34, trabalhava como gerente de setor em um hospital de São José do Rio Preto, interior de São Paulo.
Após se tornar mãe, no ano passado, sua rotina era intensa e dividida entre cuidar da bebê e se dedicar ao trabalho —e isso incluía sair tarde da noite e não faltar, nem mesmo no dia em que sofreu uma queda de moto.
Em 31 de outubro de 2023, Camila acreditava que aquele seria mais um dia de trabalho intenso. Mesmo com dor de cabeça e no corpo, ela se arrumou e foi trabalhar. Ao perceber que não conseguiria exercer as atividades laborais do dia, Camila decidiu ir ao pronto-socorro.
Após ser consultada, o primeiro diagnóstico foi suspeita de dengue. A jornalista então foi medicada e orientada a ir para casa descansar.
Cheguei em casa e dormi. Quando acordei estava com febre alta e dor no corpo a ponto de não conseguir levantar do sofá. Lembro que naquele dia minha mãe e minha irmã colocaram uma cadeira embaixo do chuveiro e me deram banho.
À noite, Camila retornou ao hospital onde foi mais uma vez medicada com remédios para dor. A partir daí ela não se lembra mais do que aconteceu.
"Me deu um apagão, sei o que aconteceu nos três dias seguintes pelo que meu marido e minha família me contam", diz.
Segundo relatos dos familiares à jornalista, na manhã seguinte ela estava com falas desconexas e foi levada mais uma vez ao hospital. Os médicos passaram a desconfiar de AVC ou meningite e ela foi internada na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) onde diversos exames foram feitos.
Depois de três dias na UTI, me lembro de acordar e não ter a menor noção do que estava acontecendo. Não entendia por que estava em um leito de hospital, não conseguia falar e não reconhecia ninguém, nem mesmo a minha filha.
Ainda sem um diagnóstico formado, já que os exames estavam todos dentro da normalidade, a jornalista foi encaminhada para o quarto, onde permaneceu em observação por mais uma semana. A principal suspeita dos médicos até então era de uma infecção viral.
No mês seguinte, a jornalista conta que teve uma consulta de retorno com o neurologista e recebeu o diagnóstico de burnout.
"Na hora foi um choque. Estava esperando um diagnóstico de alguma doença que era causada por um vírus, que eu tomaria alguns medicamentos e estaria curada. Quando é uma questão mental não tem um remédio, mas, sim, autoconhecimento e terapia. Entender que você precisa mudar algo na sua vida", diz.
Foi quando os médicos pediram para Camila desacelerar e buscar uma rotina mais tranquila porque se ela tivesse uma nova crise o caso poderia ser ainda mais grave.
"O médico pediu para eu desacelerar, mas o que é desacelerar? Já fazia terapia. Fiquei muito perdida. Foi quando tomei a decisão de pedir demissão do meu trabalho. Foi difícil porque amava o que fazia", diz.
Digo que é um luto, porque depois de deixar o trabalho, tive que me conhecer de novo e redescobrir o que gostava porque me dedicava totalmente ao meu trabalho e à minha família.
O que é burnout?
Síndrome de burnout ou síndrome do esgotamento profissional é um distúrbio emocional com sintomas de exaustão extrema, estresse crônico e esgotamento físico resultante exclusivamente de situações de trabalho, segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde).
Em janeiro de 2022, o quadro psíquico foi oficializado como uma condição de saúde mental relacionada ao trabalho, segundo a 11ª edição da CID (Classificação Internacional de Doenças).
"Na primeira fase, em que a pessoa se sente sobrecarregada, fadigada e estressada, deve procurar seu superior direto, médico do trabalho ou RH. Dado que a síndrome de burnout é ocupacional e para ser adequadamente manejada é necessário que os fatores que levam ao estresse sejam mitigados ou extintos", explica Camila Magalhães Silveira, psiquiatra do Núcleo de Álcool e Drogas do Hospital Sírio-Libanês (SP).
O tratamento do burnout depende da situação de cada paciente, mas normalmente envolve uma abordagem multidisciplinar que inclui:
Afastamento do trabalho: geralmente, é necessário que a pessoa se afaste do trabalho por um período para que ela receba o tratamento adequado e se recupere. O tempo de afastamento varia conforme a gravidade do caso, sendo determinado pelo médico. O enquadramento da síndrome de burnout como doença ocupacional na CID-11 concede aos trabalhadores mais respaldo para o tratamento.
Terapia: ajuda o paciente a identificar os gatilhos do estresse, promover o autocuidado e desenvolver estratégias de enfrentamento da situação.
Mudanças no estilo de vida: incluir a prática de atividade física, uma alimentação saudável e estabelecer limites no trabalho, limitando horários, por exemplo, ajudam a reduzir o estresse e, consequentemente, na recuperação do paciente.
Medicamentos: conforme a avaliação do psiquiatra, pode ser necessário o uso de medicamentos como antidepressivos. Mas vale lembrar que eles devem ser usados apenas com prescrição médica.
Normalmente, o tratamento para a crise de burnout pode surtir efeito entre um e três meses, mas pode perdurar por mais tempo, conforme cada caso.
"É importante que toda a vida da pessoa seja analisada, incluindo a vida familiar. Por que apesar de ser uma doença relacionada ao trabalho, a vida da pessoa é afetada em seu todo", ressalta Pedro Katz, psiquiatra da BP - A Beneficência Portuguesa de São Paulo.
Preciso pedir demissão?
A síndrome de burnout é uma condição reversível, desde que seja tratada adequadamente e que o paciente passe a adotar medidas eficazes de prevenção. Isso significa que é necessário ser sempre autovigilante para não ter recaídas.
É possível que a pessoa retorne ao seu local de trabalho, no entanto, ela também precisa ter um respaldo da empresa para que as condições de trabalho sejam mais adequadas, como, por exemplo, revisão das metas e cobranças.
"É importante conversar com os superiores sobre a possibilidade de ajustes que possam melhorar as condições e o ambiente de trabalho, buscar aconselhamento profissional ou o RH da empresa para orientação e suporte", diz Antônio Geraldo, presidente da ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria).
No entanto, se nenhuma alternativa funcionar, a mudança de emprego para um ambiente mais saudável deve ser considerada.
Como garantir um ambiente de trabalho saudável
Para garantir um ambiente de trabalho mentalmente saudável, é importante que as empresas se atentem para alguns pontos cruciais:
Mapeamento da saúde mental da equipe: para detectar e cuidar precocemente estresse, depressão, ansiedade e sintomas de burnout entre os colaboradores.
Medidas de conscientização: essencial para quebrar o tabu de que saúde mental não é assunto para o ambiente corporativo.
Treinar as lideranças: para promover uma gestão humanizada e o engajamento da equipe, na construção de ambientes mentalmente saudáveis. Para isso é necessário o desenvolvimento de habilidades para lidar com situações relacionadas à saúde mental, visando as melhores práticas no apoio das equipes.
Garantir o acesso da equipe aos projetos: inserindo os colaboradores nas ações de saúde mental, uma ação necessária para o bem-estar de todos.
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