Câncer aos 15: 'Me deram 6 meses de vida, tentei tudo e só queria viver'
Isabel Veloso, 17, foi diagnosticada com um câncer agressivo aos 15 anos. Depois de tentar diversos tipos de tratamentos —quimioterapia, transplante e medicações—, nada mais parecia fazer efeito. Ela conversou com médicos e entendeu que era hora de parar.
Não existem mais opções que façam efeito em mim, tentei de tudo. Poderia fazer quimioterapia, mas aquilo não iria mais me curar, apenas me fazer mal, sem proporcionar um bem-estar. Agora, com os cuidados paliativos, tenho qualidade de vida pelo menos.
Isabel Veloso
Leia o relato de Isabel a VivaBem:
"17 centímetros de tumor"
"Meu diagnóstico foi definido como linfoma de Hodgkin, com subtipo inclassificável. Os exames de imagem mostraram um tumor de 17 centímetros pegando parte do coração e pulmão. Era uma massa enorme.
Meus sintomas começaram em 2021, quando tinha 15 anos. Sentia dor de estômago forte e tinha muita tosse, mas os médicos diziam que era uma "gastrite nervosa".
Meus sintomas foram piorando e comecei a ter muita falta de ar e dificuldade para me alimentar. Tudo o que comia, acabava vomitando, além de sentir muita dor no estômago, era insuportável. Quando levantava da cama, quase desmaiava de tanta falta de ar. Depois, descobri que, além do tumor na região, também tinha nove litros e meio de líquido no pulmão.
O quinto médico que me atendeu, no postinho da minha cidade, Dois Vizinhos (PR), achou estranho, pediu raio-x, hemograma e foi aí que descobrimos o tumor e, depois, o câncer.
Tumor cresceu ao redor do coração
Uma parte dele também atinge o pulmão e a traqueia. Conforme falo, vou ficando rouca e consigo senti-lo 'balançando'.
Meu tratamento começou com boa resposta. Fiz quimioterapia, que reduziu o tumor, mas a doença estava agressiva. Com isso, fiz mais um ciclo de quimioterapia e uma medicação (imunoterapia), que consegui na Justiça.
Além disso, me encaminharam para fazer o transplante de medula óssea.
Os exames mostraram que a medicação estava funcionando, praticamente zerou a doença. Dois meses depois, fiz mais 16 aplicações do remédio.
Quando finalizei o tratamento, em setembro de 2023, senti um caroço no pescoço. Mesmo antes de ir à consulta e receber o resultado do exame, em janeiro deste ano, já sabia que o câncer tinha voltado. Era um caroço enorme, que não parava de crescer. Já tinha avisado minha família e meu noivo que não faria mais tratamentos caso o câncer voltasse. Estava muito cansada.
Mas, na consulta, a médica sugeriu um último tratamento, outra imunoterapia. Fiz apenas uma aplicação e minhas pernas ficaram sem movimento e só agora estão voltando totalmente. A medicação que tomei antes já tinha causado neuropatia, então tudo foi piorando.
Com isso, tivemos de suspender o medicamento e, depois, fui encaminhada para os cuidados paliativos [práticas para o bem-estar de pacientes com doenças em estágio avançado], que é onde estou agora.
'Não tenho mais opção de tratamento'
Escolhi, mediante outros médicos que me aconselharam, incluindo minha médica de cuidados paliativos, parar com o tratamento com a hematologista, mas não escolhi ser uma paciente terminal.
Não tem outras opções para mim; se tivesse novas opções para me curar, até tentaria.
Para me ajudar, tomo medicação para dor e também tenho um cilindro de oxigênio em casa.
Um dia briguei com uma pessoa no X [antigo Twitter] que estava duvidando de mim, dizendo que eu estava mentindo porque não tinha aspecto de doente e não estava careca.
Nem faço mais tratamento [para o cabelo cair], e não é porque sou uma paciente terminal que preciso estar em uma cama o tempo todo. Os cuidados paliativos envolvem trazer uma qualidade de vida melhor.
'Tudo o que eu queria era viver'
Faço acompanhamento psicológico, mas foi uma trajetória muito complicada porque tenho ansiedade e tudo piorou.
Quando as pessoas falam em câncer, a primeira coisa que vem à cabeça é morte, mas não é bem assim. Muitas pessoas se curam, e me agarrei nisso. Consegui ficar um ano praticamente bem, em tratamento, e um mês 'sem a doença'. Experimentei o que é viver novamente.
O que mais me machucava era ver as pessoas da minha idade vivendo e eu não podendo viver porque estava em um hospital, ou porque estava com imunidade baixa sem poder sair de casa.
Outra coisa que me machucava era ouvir gente reclamando da vida. Só pensava: 'Meu deus, essa pessoa reclamando e tudo o que queria era viver'.
Mas com o tempo, fui amadurecendo e aprendendo que cada um tem suas dores, por mais que a minha doa muito. Fui aprendendo a lidar e a aceitar as coisas.
A psicóloga e meu noivo, o Lucas, me ajudam muito nesta parte.
É claro que, às vezes, fico triste e desesperada —não por mim, mas porque vou deixar as pessoas que amo. A hematologista me deu de dois a quatro meses de vida. Já a médica de cuidados paliativos fala em seis meses. Prefiro acreditar neste último.
TikTok virou lugar de desabafo
Meus pais sempre buscaram tudo o que podiam fazer para eu ficar mais tempo aqui. Eles tentam não sofrer na minha frente, para dar uma força, mas sei que sofrem muito —acho que mais do que eu.
Eles me deram muito apoio. Minha mãe, por exemplo, abriu mão do trabalho para cuidar de mim, e sempre fui muito grata, e meu pai está sempre comigo, me distraindo, dando apoio emocional. O Lucas também me ajuda muito: o amor sempre muda tudo.
No começo, usava o TikTok para desabafar, era como uma fuga, mas, com o tempo, fui ganhando público por lá. Sempre tive muita dificuldade de me abrir com meus amigos e com minha família porque, às vezes, eles não entendem o que estou sentindo.
Fiquei muito feliz em ver pessoas agradecendo pelo conteúdo, pois muitas pessoas começaram a enxergar a vida de outra maneira.
Algumas pessoas acham que desisti da vida e que não tenho fé, mas isso me incomoda muito. Não é porque aceitei que estou doente que não tenho fé em Deus. Muitas pessoas jovens morrem de câncer. Está tudo bem aceitar isso também.
Se eu for curada por milagre, amém, mas não vou criar expectativas.
Lista de desejos
Pedi para não ser enterrada, prefiro ser cremada. Podem me 'repartir' entre todos.
Meu maior desejo agora é aproveitar ao máximo. Tenho uma lista, mas um dos primeiros é me casar.
Já tenho casamento civil com o Lucas, marcado para o dia 13 de abril e, dia 22, teremos uma festa.
O outro seria ter uma família, mas não sei se vamos conseguir. Fora isso, gostaria muito de ir a um show do Coldplay e viajar para fora do Brasil."
O que é a doença
O linfoma de Hodgkin tem origem no sistema linfático, que é composto por órgãos (linfonodos ou gânglios) e tecidos que produzem as células responsáveis pela imunidade e vasos que conduzem estas células pelo corpo.
A doença pode provocar o crescimento de linfonodos e, consequentemente, causar essas massas principalmente na região do tórax. Nesta situação, o câncer costuma ter um mau prognóstico, segundo Breno Moreno de Gusmão, hematologista da BP - A Beneficência Portuguesa de São Paulo.
Mais de 90% dos pacientes com linfoma de Hodgkin se curam na primeira linha de tratamento. Mas existem os 10% que não vão bem. Com isso, podemos fazer uma nova tentativa, como o transplante. Mas, quando falamos dessa massa e ainda na doença sem classificação, fica mais difícil de tratar.
A presença dessa massa no tórax é a forma mais frequente em mulheres jovens e em adultos a partir dos 60 anos.
Breno Moreno de Gusmão, hematologista
Após tratamentos clássicos (como quimioterapia, transplante e medicamentos) sem êxito, uma das opções é seguir com o acompanhamento dos cuidados paliativos —se essa for a decisão do paciente.
Isso pode fazer com que a jornada não seja tão difícil. Os cuidados paliativos ajudam na dor e angústia, incluindo os familiares e cuidadores do paciente. É uma forma de lidar com a doença de forma mais amena.
A doença é mais comum entre adolescentes e adultos jovens (15 a 29 anos), adultos (30 a 39 anos) e idosos (75 anos ou mais). Os homens têm mais risco de desenvolver o linfoma de Hodgkin do que as mulheres.
Para os pacientes que têm o retorno da doença ou que não respondem ao tratamento inicial, as alternativas vão depender da forma inicial de tratamento. As opções incluem poliquimioterapia (associação de várias medicações) e o transplante de medula óssea.
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