Sonhos mudam sob efeito de maconha? Estudo usa IA para investigar
Fechar os olhos e sonhar. Estar do lado oposto da vigília atenta do dia sustenta preocupações e medos inconscientes e ainda é interpretado como sinônimo de premonição por alguns, sendo um fio condutor essencial a muitas culturas.
"Na cultura ocidental, o sonhar tem um significado anedótico. Mas o sonho é algo importante, fundamental no nosso psiquismo. Diferente é a relação na cultura yanomami, por exemplo, onde o sonho é uma construção fundamental da sociedade", diz Mariana Muniz, psiquiatra e neurocientista em formação.
A médica e o professor Sidarta Ribeiro, pesquisador amplamente conhecido pelo estudo do cérebro, debruçam-se sobre uma questão relacionada aos sonhos: o uso da maconha pode influenciá-los?
Ambos coordenam uma pesquisa no Instituto do Cérebro da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), feita por meio de um questionário online aberto a todo o Brasil, e que visa encontrar respondentes usuários e não usuários da cannabis, seja de forma medicinal ou não.
Atualmente, a UFRN realiza outras pesquisas com o tema e recebeu autorização da Anvisa para fazer plantio de maconha, para produzir extratos em processo controlado para pesquisa científica de epilepsia em roedores.
Por que sonhar é importante e qual o efeito da cannabis?
"Existe uma percepção generalizada entre os usuários de que a maconha afeta os sonhos, mas isso não está bem mapeado. O sonhar é importante para saúde humana, para cognição e para o equilíbrio emocional. Portanto, a cannabis pode ter um significado considerável na vida mental", diz Sidarta Ribeiro, em entrevista ao VivaBem.
Muniz afirma que a pesquisa pretende desvendar algumas perguntas para além dos relatos, como entender o acesso à cannabis medicinal, investindo em questões de renda e declarações raciais, focando também em ouvir públicos não brancos e de regiões periféricas das cidades. Ao todo, o estudo já conta com cerca de 3 mil respondentes.
"Sobre os sonhos, são relatos riquíssimos, processos pessoais de pequenas epopeias noturnas, que são muito importantes para nossa psique e para nosso plote de realidade do mundo —é onde algumas amarras lógicas capazes de moldar nosso comportamento durante o dia são desfeitas", diz a pesquisadora.
Nessa flexibilidade acerca dessa existência em que tudo pode, consigo ter um cenário criativo para resolução de problemas e saídas de medos. É muito vasto o papel dos sonhos, não é só uma excrescência neuropsicológica. Mariana Muniz, psiquiatra responsável pela pesquisa
Inteligência artificial para mapear padrões de sonhos
Muniz afirma que, aparentemente, a maconha interfere em um dos ritmos do sono, o chamado sono REM. "Mas ainda temos poucos dados sobre isso, por isso o questionário é exploratório, mas faz perguntas para nós que são essenciais, onde estão os pontos sensíveis e onde podemos aprofundar essas questões", explica a pesquisadora.
O sono REM é basicamente onde a maioria dos sonhos vívidos acontecem, é o momento em que temos movimentos rápidos dos olhos, geralmente nas primeiras horas de sono, mas se repetindo durante a noite.
Não há necessariamente uma área responsável pelos sonhos no cérebro, ele funciona por interconexão. Temos conexão com o meio, que calibra a sua consciência e a sua consciência vai se formando a partir dessa calibração, mas sabemos dos ritmos e como ele se comporta. Mariana Muniz, psiquiatra responsável pela pesquisa
Para mapear os "padrões dos sonhos", os pesquisadores utilizam inteligência artificial, capaz de encontrar esses caminhos semelhantes ou não nas narrativas cedidas pelos respondentes e comparar os tipos de sonhos, de acordo com os hábitos de uso ou não de maconha pelos participantes.
"A gente usa várias ferramentas de IA. Com base no processamento natural de linguagem, pegamos parâmetros gerados pela IA para mapear dentro desses relatos alguns padrões. Vamos fazer esse tipo de análise, entre outras que estão nesse campo da inteligência artificial, que é o processamento de linguagem natural", diz Muniz.