O que acontece no seu corpo quando você usa drogas sintéticas
Ao mesmo tempo em que o descobrimento de novos medicamentos possibilitou o avanço da medicina, ele também facilitou o aparecimento, o uso e a comercialização de substâncias psicoativas consideradas ilegais como as drogas sintéticas.
Embora as drogas de origem natural (maconha e cocaína) sejam as mais utilizadas em todo o mundo, as sintéticas preocupam as autoridades sanitárias porque seu volume cresce rapidamente e muitas ainda estão fora das listas de convenções internacionais de entorpecentes.
Também conhecidas como novas substâncias psicoativas (NSP), são consideradas de alto risco porque pouco se conhece sobre os seus efeitos e os potenciais danos para a saúde e a vida de quem as utiliza.
Em todo o mundo, 284 milhões de pessoas com idades entre 15 e 65 anos usaram drogas em 2020, número 26% superior ao da década anterior.
35 anos é a idade média de pessoas em tratamento por distúrbios relacionados na América Latina.
Os jovens já superam a geração anterior no consumo.
Mulheres são minoria, mas têm maior potencial de desenvolver distúrbios associados. Elas representam 50% dos usuários de anfetaminas e usos não terapêuticos de estimulantes, opioides, sedativos e tranquilizantes.
Entenda as drogas sintéticas
Elas são obtidas por meio de processos químicos realizados em laboratórios e são diferentes das substâncias de origem natural, extraídas de plantas ou fungos.
São um grupo de drogas classificadas a partir de seus efeitos (alucinógenos, estimulantes ou depressores) e suas estruturas químicas. São exemplos os canabinoides e as catinonas sintéticas, as feniletilaminas, triptaminas e piperazinas.
Os grupos mais usados são os canabinoides, as feniletilaminas e catinonas sintéticos.
Apesar da designação NSP, muitas delas são antigas, mas hoje são utilizadas para outros fins, como alterar o humor, a percepção ou mesmo para recreação.
Os efeitos no seu corpo
O uso de substâncias psicoativas resulta sempre no aumento do risco de problemas adversos em variados órgãos e sistemas do corpo, sem falar das lesões decorrentes de acidentes, agressões e práticas sexuais em situações de insegurança.
Os especialistas consultados destacam que o mais importante a saber é que muitos dos seus efeitos podem ser desconhecidos, o que dificulta o pronto diagnóstico e o tratamento, inclusive o uso de um possível antídoto capaz de revertê-los em casos de emergência e overdose.
Cada classe dessas drogas tem mecanismos diferentes, o que leva a efeitos diversos. Mas todas elas são capazes de atravessar a barreira hematoencefálica, ou seja, agem no sistema nervoso central e podem causar dependência.
Confira, grupo a grupo, as outras e possíveis ações conhecidas no momento:
- Canabinoides
Embora tenham sido desenvolvidos para ajudar a entender o mecanismo de algumas doenças, eles passaram a ser comercializados como substitutos "legais" da maconha —sob o nome de spice ou drogas K.
Eles simulam os efeitos do THC, princípio ativo da maconha, que age no sistema nervoso central e outros órgãos. Relaxamento, euforia, letargia, alterações na percepção temporal, alucinações, paranoia, boca seca, olhos vermelhos, taquicardia, náuseas e vômitos são efeitos frequentes.
Quando comparados ao produto natural, os sintéticos têm sido associados a intoxicações mais graves, com relatos de envenenamentos e óbitos.
Sabe-se que mesmo baixas dosagens têm maior potência que o THC.
Ainda não são totalmente conhecidos os efeitos tóxicos dessas substâncias, mas há relatos médicos de quadros abaixo descritos, causados pela maior potência delas ou por overdose não intencional:
- Toxicidade cardiovascular
- Perda da consciência e coma
- Depressão respiratória
- Convulsões
- Náuseas e vômitos intensos (hiperêmese)
- Psicose (delírio e alucinação)
- Agressividade
- Feniletilaminas
A maioria atua como estimulante ou alucinógeno.
As estimulantes imitam efeitos de drogas como cocaína, anfetamina, metanfetamina e ecstasy.
As de efeito alucinógeno atuam no cérebro produzindo alucinações como o LSD, mas podem ter efeito estimulante. São exemplos: anfetaminas, benzodifuranos, a p-metoximetamfetamina (PMMA), NBOMes (N-benzilfenetilaminas), etc.
Como esses compostos podem variar em potência, efeitos farmacológicos, toxicidade e erros nas dosagens podem ser fatais.
São sintomas de intoxicação aguda: taquicardia, hipertensão, agitação e/ou agressividade, hipertermia e convulsões, lesões hepáticas agudas.
- Catinonas
Possuem efeitos estimulantes do sistema nervoso central, simulando a ação de "drogas clássicas" estimulantes. Integram o grupo das feniletilaminas e são semelhantes às anfetaminas.
Embora sintéticas, derivam de um princípio ativo natural, a catinona, disponível nas folhas de uma planta conhecida como khat (Ctha eduli).
São conhecidas no mercado ilícito como sais de banho, encontradas na forma de pó, comprimidos ou pílulas e comercializadas como ecstasy.
Quem a usa busca o aumento da disposição, da empatia e da libido.
Possíveis efeitos adversos: palpitação, dor abdominal, náusea, vômito, disfunção erétil, tensão muscular, agressividade, cefaleia, visão embaçada, alucinação e paranoia.
Dependência
Dado o perfil dessas substâncias que agem no sistema nervoso central, o uso frequente e repetido pode levar à dependência, o que também é influenciado por fatores de origem biológica, psicológica e social.
Considerado um quadro crônico e recorrente, a dependência tem como características a necessidade intensa e repetida do uso da substância e a perda da capacidade de controle sobre o consumo.
São frequentes situações adversas na saúde e mudanças comportamentais que afetam negativamente as relações interpessoais, familiares, além da vida acadêmica e profissional, com consequências jurídicas.
Drogas sintéticas x naturais
Para além de suas origens —laboratório e natureza—, essas substâncias possuem outras diferenças. Veja a seguir:
Naturais ou orgânicas
Os ingredientes são naturais, geralmente plantas, mas podem ser fungos ou animais.
Possuem concentração de alcaloides (substâncias naturais das plantas) limitada pela extração ou manipulação em laboratório.
Podem ser modificadas para gerar novos compostos —semissintéticos— que possuem maior potência.
Como a descoberta delas ocorre na natureza, novos achados são mais raros e lentos.
Os efeitos sobre as funções biológicas (farmacologia) são largamente conhecidos.
Sintéticas
A produção é artificial por meio da utilização de agentes químicos, embora possam ter ingredientes naturais.
Podem passar por refinamento para obtenção de maior pureza.
A potência é variável. Em geral é muito mais forte que as alternativas naturais.
Novos componentes são desenvolvidos rapidamente em laboratório ou são acessíveis por meio de informações compartilhadas online.
Os efeitos nem sempre são conhecidos ou previsíveis, ainda que se conheça a estrutura química. Alguns novos ingredientes podem ter um apelo maior para determinado grupo.
Quando procurar ajuda
O ideal é abster-se do uso dessas substâncias, cujos efeitos de muitas delas ainda não são conhecidos. Como cada organismo é único, a progressão para a dependência pode ser rápida, assim como os prejuízos e conflitos delas consequentes.
Essas características podem atrapalhar medidas preventivas do avanço do quadro. No entanto, a busca por uma avaliação pode acontecer quando se observa que as atividades do dia a dia estão sendo prejudicadas, e que o organismo já apresenta sinais de intoxicação aguda ou crônica. Mas é bom saber que:
Todo usuário desenvolve um comportamento no qual acredita que suas práticas não são um problema.
Após os primeiros danos, acontece o que os médicos denominam de ambivalência, ou seja, a pessoa pensa em parar, mas ao mesmo tempo quer continuar.
Este momento seria uma boa oportunidade para fazer uma consulta médica; que pode até ser sugerida por amigos e familiares.
É aí que o comportamento de reatância pode aparecer: uma resposta de resistência às propostas de ajuda, que podem ser interpretadas como violação da liberdade individual.
Por vezes, a ajuda só acontecerá na ocasião de um evento que leva a pessoa ao pronto-socorro com sintomas graves.
O médico treinado para atender tais situações é o psiquiatra, mas clínicos gerais, médicos de família, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, entre outros, poderão encaminhar o paciente para o devido tratamento.
Onde procurar ajuda
A porta de entrada do SUS é a UBS (Unidade Básica de Saúde) ou o NASF (Núcleo de Apoio à Saúde da Família). Mas o CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) também oferece atendimento dirigido para Álcool e Drogas (CAPS-AD) —serviços chamados de "porta aberta", porque, para acessá-los, não é necessário encaminhamento, bastando a procura espontânea.
Outras iniciativas não governamentais também oferecem suporte, inclusive por via digital, como a Narcóticos Anônimos (https://www.na.org.br/) e a Federação de Amor-exigente (https://amorexigente.org.br/quem-somos/).
Fontes: Lívio Rodrigues Leal, médico psiquiatra do HCFMRP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto) da USP, professor do Centro Universitário Estácio de Ribeirão Preto (SP); Sérgio Fontoura, farmacêutico, doutor em ciências da saúde, professor de toxicologia e ciências forenses, do curso de farmácia da Escola de Medicina e Ciências da Vida da PUC-PR; Silvia Cazenave, coordenadora do Grupo Técnico de Trabalho em Toxicologia do CRF-SP (Conselho Regional de Farmácia de São Paulo). Revisor técnico: Lívio Rodrigues Leal.
Referências: Ministério da Justiça e Segurança; Ministério da Saúde, Primeiro Informe do Subsistema de Alerta Rápido Sobre Drogas (SAR), 2022; ONU (Organização das Nações Unidas) - Escritório sobre Drogas e Crime, World Drug Report 2023.
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