'Fui à emergência com sintomas de gripe, e a médica receitou ivermectina'
A professora universitária Maria Helena Carvalho, 38, se surpreendeu após uma médica de um hospital da rede particular, no Recife, lhe receitar o medicamento ivermectina para supostamente combater o que a profissional de saúde havia diagnosticado como uma virose.
'Foi logo receitando'
Helena conta que procurou a emergência do hospital Unimed Recife para tratar uma inflamação na garganta, que estava tornando difícil respirar e engolir alimentos. Ela também tinha outros sintomas gripais, como coriza.
Durante a consulta na emergência, a médica analisou a garganta de Maria Helena e "foi logo receitando o medicamento ivermectina", segundo a professora. A justificativa foi de que era um remédio antiviral —o medicamento, porém, é considerado seguro e eficaz para tratar infecções parasitárias, segundo o Ministério da Saúde.
Sentia como se tivesse uma bola na minha garganta, sentia ela quase fechando. Ao verificar a garganta, ela afirmou que estava muito vermelha, mas não tinha pus. E já diagnosticou como virose. Foi quando ela disse: 'você vai tomar Revectina, que é muito bom para ajudar a debelar o vírus'.
Ao chegar à farmácia, Helena descobriu que o Revectina era um dos nomes fantasias da ivermectina. "Quando estava sendo atendida por essa médica, nem passou pela minha cabeça que o remédio com nome fantasia poderia ser ivermectina, porque não relatei qualquer sintoma de dor de barriga, diarreia ou vômito. Além da garganta, disse que estava com coriza e corpo dolorido."
No dia seguinte e com um quadro agravado, Maria Helena resolveu procurar uma unidade de saúde da rede pública. "Na segunda emergência, o médico que me atendeu disse que minha garganta estava toda infeccionada e cheia de pus. Ele me receitou benzetacil (antibiótico) e flanax (anti-inflamatório). No outro dia, já passei a melhorar."
Ivermectina é antiparasitário
O caso da professora Maria Helena Carvalho não é isolado. Nas redes sociais, há diversos relatos de pessoas cujos médicos prescreveram ivermectina para sintomas de viroses, como a covid-19 e alguns tipos de gripe. E a ineficácia desse medicamento no combate a essas doenças vem sendo comprovada por diversas pesquisas científicas desde 2021.
Uma revisão de 14 estudos sobre o efeito da ivermectina, da Cochrane (rede internacional sem fins lucrativos), concluiu que nenhum dos estudos conseguiu comprovar que o medicamento tem efeito antiviral. A revisão analisou estudos sobre o efeito da ivermectina para tratar viroses, especialmente a covid-19.
O uso excessivo do remédio pode causar danos à saúde. O Instituto Brasileiro do Fígado, da Sociedade Brasileira de Hepatologia, e a Food and Drug Administration (FDA), agência reguladora dos Estados Unidos, já alertaram que o abuso da ivermectina pode causar problemas de hepatite medicamentosa, além de efeitos inesperados em caso de interação com outros medicamentos. Segundo o Instituto Brasileiro do Fígado, cerca de 27% das hepatites agudas graves ou fulminantes no Brasil são de origem medicamentosa. E a ivermectina é um dos remédios com potencial de evolução para hepatite aguda.
A ivermectina é um antiparasitário de amplo espectro, explicam o professor da Faculdade de Medicina da Unesp e presidente da Sociedade Paulista de Infectologia, Carlos Magno Fortaleza, e Marco Aurélio Sáfadi, professor de pediatria e infectologia da Faculdade de Medicina da Santa Casa de São Paulo. O medicamento tem ação contra uma série de vermes intestinais, como ascaris e ancilóstomos. E ainda contra alguns ectoparasitas, como o causador da pediculose, o piolho e o agente causador da escabiose (espécie de pequeno carrapato).
A ivermectina tem um grande uso, tanto na saúde humana quanto animal. No entanto, não há nenhuma evidência de que ela tem atividade contra doenças virais, como gripe, resfriado comum ou covid. Essa foi uma das grandes notícias falsas divulgadas durante a pandemia da covid-19. E, neste momento, quando arrefece a pandemia, começam a surgir algumas informações sobre a sua ação contra outras viroses respiratórias e até contra a dengue. Mas é uma informação que não tem nenhum embasamento científico e é refutada por estudos consistentes. Portanto, não há recomendação de seu uso para essas situações.
Carlos Magno Fortaleza
Ministério da Saúde diz que não há eficácia
O Ministério da Saúde voltou a ressaltar que, em relação à ivermectina, "não há nenhuma eficácia comprovada sobre o medicamento para o tratamento de viroses, incluindo a covid-19". No Sistema Único de Saúde (SUS), a ivermectina só é prescrita para infecções parasitárias.
Já a Unimed Recife afirmou que "a ivermectina não faz parte do protocolo em casos de síndromes gripais". Mas é respeitada a autonomia de cada profissional, "segundo determina o Conselho Federal de Medicina (CFM)".
Dentro do seu consultório o médico é autoridade e o receituário é um ato legal do médico, resguardados por critérios éticos e científicos, respeitando o sigilo médico relacionado a cada paciente.
Unimed Recife
A Unimed Recife disse ainda que, segundo o relato da médica, "todo receituário emitido por ela é cuidadosamente explicado, digitalizado e claro, orientando o retorno à unidade em casos de dúvidas ou persistência da sintomatologia, sendo disponibilizado, na maioria das consultas, o telefone celular da mesma e do seu consultório para eventuais necessidades".
Já o CFM disse que é uma instância de julgamento em grau de recurso. "Assim, para manter sua isenção na análise de eventuais processos, não tece comentários sobre casos concretos. Denúncias envolvendo médicos podem ser encaminhadas ao Conselho Regional de Medicina do estado para análise e outros desdobramentos", disse a nota do CFM.
O Conselho de Medicina de Pernambuco disse que eventuais queixas ou denúncias relativas à prática médica podem ser feitas pelo site do Cremepe ou, presencialmente, na sede da autarquia. "Quanto às questões ou dúvidas de ordens técnicas, sugere-se que sejam levadas junto à sociedade científica da área em questão, no caso em tela, Infectologia ou Pneumologia."
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