Muito inchaço e dor até para comer: 'Era quase como se vivesse com caxumba'
Ana Claudia Wicher, 32, passou anos com sintomas que a incomodavam, como inchaço no rosto e dores no corpo, mas nenhum médico conseguia resolver o "mistério". "Fui a uma consulta e ouvi que tinha problemas no canal da saliva e me indicaram a retirada da glândula. A partir daí, desisti de achar respostas", conta a VivaBem.
Ela passou 10 anos controlando seus sintomas com automedicação, mas após a covid-19 tudo piorou e ela precisou, novamente, procurar ajuda. Bem encaminhada, descobriu que tem síndrome de Sjögren e fibromialgia. Seus sintomas são controlados fazendo o uso de cannabis medicinal. À reportagem, ela explicou a jornada de dor e problemas até conseguir cuidar de maneira correta de seu caso.
"Os primeiros sintomas apareceram há 10 anos, logo depois que fui diagnosticada com caxumba. Comecei a ter um inchaço frequente na lateral do rosto e procurei médicos para entender o que tinha. Uma otorrino chegou a me dizer que o canal da minha saliva era muito estreito, formava cálculos e que precisaria operar. Não acreditei.
Fui deixando os anos passarem e controlando, do meu jeito, os inchaços e dores que sentia no rosto. Quando tinha pioras, ficava bem inchado e tinha dor até para comer. Era quase como se vivesse com caxumba.
Em 2022, fui diagnosticada com covid-19 e mesmo após me recuperar da doença meus sintomas pioraram. Então não tive escolha e procurei novamente atendimento médico. Estava tomando corticoides uma semana sim, outra não, e não melhorava. Fui a um novo otorrino, que recomendou que eu procurasse um médico especialista em cabeça e pescoço.
Isso me chamou a atenção. Percebi ali que não era algo simples e que realmente precisava investigar o que estava me causando aqueles sintomas. Sou de São José do Rio Preto, no interior, e então fui para São Paulo capital para fazer exames específicos e entender o que estava sentindo. O diagnóstico: síndrome de Sjögren.
Com o resultado deste exame em mãos, fui encaminhada para um reumatologista. Precisaria fazer diversos outros procedimentos para confirmar o diagnóstico. Depois de 10 anos, o que tinha ganhou um nome e poderia tratar. Foi um alívio.
A síndrome de Sjögren é uma doença autoimune e que não tem cura, mas é possível controlar. O primeiro tratamento que me indicaram era com o uso de hidróxido de cloroquina. Ouvi de médicos que era a única medicação que conseguiria controlar meus sintomas. Mas demorei para decidir tomá-la —pelo menos uns cinco meses.
Fiz uso do medicamento por seis meses, mas tinha medo de efeitos colaterais. Estava começando a apresentar alterações no fígado, por exemplo. Logo ouvi falar da cannabis medicinal e fui procurar mais para ver se o tratamento se encaixaria no meu caso.
Passei a usar a cannabis medicinal junto com a cloroquina, e aos poucos, fui fazendo o desmame do medicamento. A médica me falou que a cannabis é anti-inflamatória e poderia me ajudar, já que a doença autoimune ataca o sistema imunológico.
Para completar, tenho fibromialgia, então a cannabis ajudaria com o quadro de dor. Também fui diagnosticada após a covid. Trabalho sozinha, e, às vezes, chegava no escritório e deitava no chão de tanta dor no corpo.
O reumatologista também falou que seria bom para minha saúde fazer caminhadas e meditação, o que me fez bem. Mas a cannabis melhorou minha qualidade de vida. Desde que comecei a tomar, minhas inflamações no pescoço praticamente sumiram.
Não tive medo de usar o CBD (canabidiol). Minha médica me passou segurança e pesquisei bastante sobre a medicação. Digo que as pessoas precisam estar abertas a propostas de tratamento."
A cannabis medicinal no Brasil
O uso de cannabis medicinal no Brasil ainda está em expansão. A Anvisa autorizou o uso do CBD como medicamento em 2015, por meio de importação, e em 2019 permitiu que ela fosse vendida nas farmácias nacionais. Mas por conta da oferta baixa, o preço ainda é alto.
"Digo para os pacientes que temos um sistema no corpo chamado endocanabinoide, que atua nos receptores que existem em grande concentração no sistema nervoso e imunológico. Quando usamos a cannabis, ela ativa esses mecanismos e o corpo começa a dar respostas", explica o neurologista Rubens Wajnsztejn, presidente da Associação Pan-Americana de Medicina Canabinoide.
O corpo consegue entender para onde precisar encaminhar o CBD. Por isso, ao chegar no sistema endocanabinoide, o princípio ativo já começa a regular as funções vitais que precisavam de ajuda. "Neste tipo de medicina você regula o sistema para que ele consiga atender as outras demandas do corpo", diz Wajnsztejn.
O especialista explica que o medicamento é indicado principalmente para doenças que têm interferência no sistema nervoso e imunológico. "Talvez, a maior evidência sobre uso de cannabis está relacionada a casos de dores crônicas, ansiedade e insônia, ligados ao sistema nervoso. Depois vêm algumas como esclerose múltipla e fibromialgia, ligados ao imunológico", diz Wajnsztejn.
"Acredito que a medicina com cannabis está avançando no Brasil sim", diz a especialista em cannabis Mariana Maciel, fundadora da empresa Thronus Medical, que fabrica produtos com CBD. Ela mora no Canadá e diz que a legislação lá e a do Brasil têm algumas diferenças.
"Por aqui, ainda não é possível fazer a compra de forma medicinal, em farmácias, porque não há uma legislação específica para vê-lo como medicamento. No Brasil, há uma autorização sanitária específica que precisa ser seguida", explica Maciel.
Doenças autoimunes x cannabis
Ana Claudia trata duas doenças com o uso da cannabis: a fibromialgia e a Síndrome de Sjögren.
O reumatologista Felipe Rocha Loures, membro da Comissão Científica de Dor, Fibromialgia e outras Síndromes de Partes Moles da SBR (Sociedade Brasileira de Reumatologia), explica que a fibromialgia é uma doença crônica de dor generalizada.
"Além disso, ela pode causar fadiga, distúrbios do sono e alterações emocionais, como ansiedade e depressão. Ainda é possível perceber alterações associadas à memória e desenvolvimento da síndrome do intestinoiIrritável", diz.
Segundo Loures, pacientes que já esgotaram os tratamentos tradicionais e fazem uso de cannabis podem, sim, apresentar melhoras nos sintomas. "Traz bons resultados. Percebo, na parte clínica, que cerca de 70% a 80% dos pacientes que usam têm pouquíssimos efeitos colaterais", diz. Esses efeitos podem ser tontura e sonolência, que passam alguns dias após o uso.
Sobre a síndrome de Sjögren, o reumatologista André Franco, que atua no ambulatório especializado na síndrome do Hospital das Clínicas da FMUSP, em São Paulo (SP), diz que a doença é muito comum em mulheres —90% dos casos— e que os sintomas como, como secura da boca, olhos e vagina, costumam aparecer entre 40 a 60 anos.
"Algumas pessoas usam colírio, achando que é secura, ou tomam muita água, achando que é normal. Em muitos casos elas nem procuram atendimento médico", explica Franco. Além disso, a síndrome pode causar inflamação na glândula parótida, que é responsável pela produção de saliva. Por isso Ana Claudia estava sempre com o rosto inchado.
"Podemos utilizar o tratamento com cannabis. Se o paciente melhorar, ótimo. Mas é importante lembrar que não temos estudos de boa qualidade —duplo cego, placebo e randomizado—, que comprove sua eficácia. Nem para fibromialgia e nem para essas síndromes", alerta Franco.
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