O que os terapeutas fazem quando se sentem ansiosos e solitários?
Quando estamos ansiosos ou bate aquela solidão, muitos de nós recorremos aos terapeutas. Psicólogos e psiquiatras costumam ser um ponto de apoio nos momentos de crise. Mas você já parou para pensar que eles também têm suas próprias inquietações? Para onde eles correm quando se sentem assim?
"O psicólogo é uma pessoa como qualquer outra. Existe até uma janela mais vulnerável por lidarmos com a dor do outro o tempo todo. Então é importante entender que isso também faz parte do processo de viver e que em algum momento da vida nos sentiremos mais sozinhos", explica a neuropsicóloga Ana Cláudia Oliveira, mestre pela Universidade de Los Pueblos, na Espanha, e coordenadora do Instituto Desenvolver, no Amazonas.
Além do processo de terapia, que já é um hábito para muitos profissionais da saúde mental, existem pequenas atitudes que podem ajudar em períodos difíceis. Conversamos com psicólogos e psiquiatras para entender o que eles fazem quando se sentem mais solitários ou até ansiosos.
Assistir a vídeos engraçados no YouTube
Tomar um banho relaxante, encontrar uma playlist com suas músicas favoritas ou apenas dar play em uma nova série. Essas são algumas maneiras de esvaziar a mente. A psicóloga Mônica Machado encontrou esse "escape" na risada, ao assistir a vídeos engraçados na internet.
"Gosto de buscar coisas divertidas, que no dia a dia talvez eu não fosse rir, porque isso me ajuda a sair daquele estado de tensão, daquela realidade. Eu gosto muito de assistir aos vídeos do Casimiro. Às vezes minha filha até brinca que eu rio sozinha, mas na verdade tem alguém ali me fazendo rir", diz a psicóloga, especializada em psicanálise e saúde mental pelo Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Albert Einstein.
"Além disso, ouvir música também é muito importante, porque acabamos desligando. Começamos a nos concentrar na letra, na melodia, e isso acaba tirando a gente daquele lugar de terapeuta, de escuta", completa.
Conversar com colegas de profissão
Entre os profissionais entrevistados, essa parece ser uma das formas mais efetivas de espantar a solidão. Conversar com colegas de área para trocar experiências, ampliar os conhecimentos técnicos, assim como discutir suas próprias dores.
Toda vez que eu me sinto sozinha no meu trabalho, eu busco entrar em contato com alguma colega da área para discutir casos, dividir as angústias e alegrias da prática clínica, além de escutar o outro, suas angústias. Isso gera empatia e conexão. Juliana Santos Lemos, psicóloga clínica, especialista em psicopatologia e terapia cognitivo-comportamental pela PUC-RS
"É bom trocar essa experiência, ver que o outro também está passando pela mesma situação, também está sofrendo e pode ajudá-lo. Acho que essa troca é fundamental", completa Danielle Admoni, pesquisadora e supervisora na residência de Psiquiatria da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
Sair com família e amigos
A solidão pode vir acompanhada de uma sensação de não pertencimento e isolamento. Por isso, os profissionais afirmam que as relações sociais são essenciais no combate à solidão e também para que nos sintamos incluídos em círculos mais íntimos.
Quando a gente se encontra com a família, nos sentimos incluídos, existe um sentimento de pertencimento e temos um valor agregado ao social. Isso faz muita diferença para o nosso bem-estar. Yuri Busin, psicólogo mestre e doutor em neurociência do comportamento pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e pós-graduado em terapia cognitivo-comportamental pela PUC-RS
Para a psiquiatra Danielle Admoni, essas interações também são importantes para entender que há vida além do trabalho. "A minha profissão é uma parte da minha vida, mas eu tenho casamento, filhos, cachorro, uma família, além de amigos, colegas de trabalho e residentes. Então é importante a gente ter uma vida diversificada, não viver somente em função do trabalho", diz.
"Às vezes eu saio do trabalho desgastada e preciso contar até dez para não xingar todo mundo, mas me faz muito bem chegar em casa, conversar com a minha família, fazer lição de casa com meus filhos, conversar com meu marido, brincar com meu cachorro, pensar em outras questões que não são minhas", conta a médica.
Tentar algo novo
Quando falamos em tentar algo novo, não quer dizer necessariamente pular de paraquedas ou buscar atividades mais radicais. Pode ser apenas tomar pequenas atitudes do dia a dia que te desafiem. Por exemplo, se você é uma pessoa que só vai a determinados lugares se tiver companhia, experimente ir ao cinema ou a um restaurante sozinho.
"Novos desafios trazem um pouco de adrenalina ao transitarmos e aprendermos coisas novas. Algo que faça você enfrentar o medo. Um medo de evoluir, de se desafiar. Isso traz para a gente uma construção da nossa própria potência, que a gente pode confiar mais em nós mesmos", diz Busin.
Além desses exemplos mais simples, a neuropsicóloga Ana Cláudia Oliveira também traz como experiência positiva aprender algo novo mesmo que dentro da sua área.
O trabalho do psicólogo em si é muito solitário devido ao código de ética, a questão do sigilo e da preservação do paciente. Então você se permitir a fazer uma outra formação, uma pós ou um curso rápido é interessante, porque você interage com outras pessoas, está imerso ali naquela temática, vai descobrindo novas técnicas e ativa a sua criatividade. Ana Cláudia Oliveira, neuropsicóloga mestre pela Universidade de Los Pueblos, na Espanha, e coordenadora do Instituto Desenvolver, no Amazonas
Momento de solitude e autocuidado
Diferente da solidão, a solitude é estar só, mas conseguir desfrutar da própria companhia. Para a psicóloga Mônica Machado, é importante ter esse momento após um dia de atendimento ouvindo diferentes histórias.
O profissional da saúde mental trabalha com a escuta, ele absorve tudo, por isso é importante ter um momento de meditação, algo que faça a pessoa sair daquela concentração, daquele raciocínio clínico que ficou o dia inteiro. Por isso, podemos colocar uma música, sair para fazer uma caminhada, o importante é deixar a mente esvaziar para podermos trazer as nossas próprias histórias. Mônica Machado, psicóloga especializada em psicanálise e saúde mental pelo Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Albert Einstein
"É importante aplicar as técnicas que a gente acaba orientando o paciente, trazer uma conexão corpo e mente, fazer exercícios de respiração e trabalhar esse autocuidado. Nós precisamos estar com a mente plena e ter boa escuta no momento do atendimento, então é importante trabalhar essas técnicas para não nos perdermos nos nossos próprios problemas", complementa Ana Cláudia Oliveira.
Fazer exercícios físicos
O exercício físico, além de liberar neurotransmissores como a dopamina e a serotonina, que trazem uma sensação de bem-estar, também promovem satisfação pessoal. "Existem os aspectos comportamentais no esporte, que é ver sua evolução, os bons resultados após manter a disciplina, e isso é muito positivo", diz Yuri Busin.
A atividade física me salvou na pandemia. Quando estou querendo explodir, gosto de fazer uma caminhada. Coloco um fone de ouvido e vou embora, de preferência em um lugar verde. Em São Paulo não é fácil, mas sempre que possível faço isso, porque é algo que me ajuda a distrair. Danielle Admoni, pesquisadora e supervisora na residência de Psiquiatria da Unifesp
A psiquiatra ainda ressalta a importância de ter uma vida equilibrada. "A gente não pode viver só do trabalho, só do casamento ou só da maternidade, tem que ser um pouquinho de cada coisa. E aí quando um desses aspectos da nossa vida não está legal, a gente se equilibra no outro e vai levando. Acho importante isso, entendermos que não fazemos só uma coisa na vida, o ser humano não é assim", diz.
Deixe seu comentário