João Gordo troca o álcool pelo boxe e perde 45 kg: 'Achei que ia morrer'
Desde 1989, João Gordo e o Ratos de Porão gritam a plenos pulmões um de seus clássicos, com uma letra assim: "Viver sempre chapado é melhor do que lutar / Beber até morrer, essa é a solução". "Beber até Morrer", do disco "Brasil", acabou marcando uma página triste com a morte do ex-integrante Jabá, que lidou com o alcoolismo nos seus últimos anos de vida. Mas também se tornou um virar de página para o vocalista do grupo, que completou 60 anos em março.
"Há um ano, eu tava com 169,8 kg, cara. E agora eu tô com 124", comemora João Gordo, em entrevista a VivaBem, ainda suado após correr na esteira e fazer uma sessão de boxe no quintal de sua casa, na zona oeste de São Paulo.
Ver o cantor se exercitando de fato é uma novidade. "Na minha vida inteira, eu só joguei xadrez, videogame, fumei maconha e bebi, tá ligado?". Agora, já são dez meses de dedicação a uma vida sem álcool, com alimentação regrada e atividade física.
A imagem é muito diferente do Rock in Rio de 2022, com um João Gordo voltando a sofrer com a obesidade, de bengala e sem fôlego para cantar. "Eu não tava conseguindo mais andar. Tinha que pegar duas passagens no avião pra mim, porque não tava cabendo".
Esposa de João, Vivi Torrico define aquele cenário - e o próprio show no Rock in Rio - como uma cena "extremamente triste de ver, desesperadora". Curiosamente, um papo com Rafinha Bastos no podcast do comediante virou uma "chavinha" na cabeça do vocalista, assim como mais mortes de amigos muito próximos, como Fernanda Young.
Histórico complicado
A primeira vez que João Gordo achou que ia morrer foi por volta do ano 2000. A fama na banda e na MTV foram acompanhados pelo exagero nas drogas e um peso chegando aos 200 kg. Em 2003, ele realizou uma cirurgia bariátrica e, nos anos seguintes, baixou para 129 kg.
A pandemia foi outro duro golpe, com os palcos fechados e os boletos chegando. "Eu tava bem louco, cara. Doidão, gordão, fumando cigarro, bebendo, fazendo tudo que não podia, cara. E eu tive uma pneumonia".
O vai e vem de internações na UTI de um hospital de São Paulo virou notícia na imprensa. Se nesta fase ele diz que não chegou a temer pela vida, a sequência do sofrimento foi mais dura. Em casa, a alimentação desandou e o peso subiu a 170 kg. O problema estava, também, na cabeça.
"Aí, nesses 170 kg, eu tava fudido, velho. Depressão. Eu tava mal pra caralho. Eu tava triste. Naquele momento eu achava que ia morrer", admite ele. O papo com Rafinha Bastos e a morte de Jabá mexeram com o cantor:
[Foi] Eu chegar ali na frente dele [no caixão], abraçar o Jão, que é o meu companheiro de banda há 42 anos, e falar assim: 'Cara, quem vai primeiro agora? Eu ou você?'. Acho que esse foi o ponto X, que no meu cérebro desgraçado deu um 'puim', e eu acho que acordei um pouco.
Pausa no veganismo?
Os tratamentos começaram na Clinica Paulo Buosi que, segundo Gordo, "trata obesidade como vício em drogas". Depois, ele retornou à endocrinologista Adriana Moretti, com quem já havia passado anteriormente e hoje faz consultas a cada 20 dias.
"Ele tem grandes problemas de saúde há muitos anos, com obesidade, diabetes tipo 2, já fez cirurgia bariátrica para perda de peso e quando chegou em 2022, tinha saído de uma internação com um problema respiratório, com passagem pela UTI. Ele percebeu que a questão de saúde ficou muito grave", avalia Moretti.
"A gente fez um programa de alimentação, uma dieta de baixa caloria, cetogênica, que promove uma perda de peso rápida. E fomos acompanhando com vitaminas, para ele perder peso rapidamente", acrescentou a médica.
Gordo ficou famoso por levar uma alimentação vegana, que inspirou seus programas como apresentador e outros projetos. Moretti diz que tentou "pausar" a dieta do paciente para oferecer mais proteínas.
Essa evolução da alimentação foi interessante, porque ele era vegano, então tinha uma alimentação rica em carboidrato e fraca em proteína, o que gerava um grau de inflamação. Então, ele aceitou comer peixe e ovo. Reduzimos os carboidratos, e essa dieta tem menos de 50 g por dia de carboidratos. Ele melhorou os hábitos, come bastante verdura e teve um equilíbrio do padrão alimentar. Além disso, parar de beber foi uma decisão dele. Como é um gatilho para ele, até para usar droga, tem sido superfavorável.
Apesar de liberado, João Gordo não conseguiu aderir ao peixe e ovo de Adriana, por não gostar dos alimentos. Assim, eles apostam na dieta pronokal. O método prioriza o uso de substitutos alimentares proteicos em forma de sachês para compor a dieta cetogênica.
Para ela, a "grande sacada" é ter uma vida regrada, ainda mais no caso do cantor, que precisa estar medicado corretamente para as diabetes. "Ele está mais vaidoso, até sorri mais. Então, você vê que está feliz nessa fase."
Entre os remédios tomados por João Gordo estão o Xigduo, para diabetes tipo 2, e o Ozempic, indicado para a mesma doença e para obesidade - mas contraindicado para questões estéticas.
Suando no esporte de Popó
João Gordo sabe que ainda não pode desafiar Popó, como fez Kleber Bambam, mas seu condicionamento físico já é o melhor que teve em sua vida sedentária. Ele treina diariamente com o preparador físico Paulo Manzini, que introduziu o boxe para o vocalista.
"Peguei o João com condicionamento físico zero. Foi um processo paulatino. Ele fazia caminhadas intercaladas e hoje até consegue correr. Não é o melhor para ele, porque tem problemas no joelho, mas ele gosta de fazer corridas curtas. E usamos o boxe pra aumentar o gasto calórico, que é algo que ele tem prazer de fazer", explica Manzini.
A reportagem acompanhou um treino do vocalista, que suou a camisa ouvindo clássicos do punk, durante cerca de 30 minutos. Primeiro veio um aquecimento na esteira, seguido por exercícios com halteres e depois a porrada comendo no boxe.
"A gente varia o volume e a intensidade. Hoje, ele fez um treino de boxe, que é curto, mas muito intenso. E vamos variando isso", diz Manzini, que ainda adapta os treinos de acordo com a agenda de shows do Ratos de Porão - outro tipo de exercício físico pesado do aluno.
"O treino é curto, mas intenso. O que me interessa é que ele volte todo dia e que o treino leve ele a um estágio de desconforto, mas um desconforto que gere adaptações e que fique mais fácil da próxima vez."
O futuro
Vivi Torrico diz que a diferença, desta vez, é a persistência. Parte disso veio na base da conversa, e a outra, a da bebida, na bronca. "A questão de parar de beber foi fundamental, na base da bronca e de exemplos, como o do Andreas Kisser [guitarrista do Sepultura], o João viu que era possível. Os maiores vilões são o álcool e o cigarro."
Ele era muito inconstante nos cuidados com a saúde. Mas, com tantos amigos que ele perdeu, com as dores que sentiu, ele decidiu se dar mais uma chance. Estamos juntos há 20 anos, conheço essa luta contra a obesidade. A gente já conversou milhões de vezes, fizemos todo tipo de tratamento. Mas foi um start na cabeça dele, foi ele mesmo. É diferente sentir dor por ser uma pessoa sedentária e sentir dor após um treino de boxe.
Vivi Torrico
João Gordo reconhece isso junto à família e no trabalho. "O boxe não é para bater nos outros. A melhor coisa é com o microfone na mão".
Eu já aprontei pra caralho, e tô vivo. Por sorte, cara. Não foi Deus, não. Por Deus, eu já tinha morrido faz tempo já, cara. E esse projeto é entrar nos 60 anos com qualidade de vida e ficando o mais tempo possível aqui, junto com os meus filhos e minha família, saca? Porque se eu ficasse doidão, gordão, bebendo pra caralho, não ia durar muito. Isso é fato. Se eu sobrevivi até agora, dá pra esticar mais um pouquinho. Eu ainda tenho muita coisa pra fazer.
João Gordo
Isso inclui os palcos. Com seu inglês mediano, recentemente o vocalista deu a entender ao organizador de um festival que o Ratos de Porão faria sua última turnê este ano, e a "notícia" se espalhou. Prestes a ir para a Europa para a série de shows, ele esclarece que não há nada disso. Pelo contrário:
Só vai ser a última quando eu ou o Jão [guitarrista] morrermos. Se eu morrer primeiro, ele não vai continuar com o Ratos. E se ele morrer primeiro, eu não vou continuar com o Ratos. É um lance meio que morrer cantando, ou morrer tocando. É tipo o Lemmy [líder do Motorhead]: morrer em cima do palco*.
*Nota da edição: Lemmy Kilmister não morreu no palco, mas ficou conhecido por seguir tocando até duas semanas antes de partir, aos 70 anos, de câncer.
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