Ela voltou a correr após 'chip' no cérebro: 'Não segurava xícara'
A aposentada Alessandra Meneghini, de 51 anos, acreditava que o diagnóstico de doença de Parkinson há nove anos pudesse ser um erro médico. Depois de digerir a notícia, foram anos de tratamento até a doença avançar de repente em 2022.
Após implantar um dispositivo no cérebro, a moradora de Joinville (SC) viu sua vida passar por mais uma reviravolta: ela retomou os movimentos, voltou a correr e agora aguarda a festa de 15 anos da filha Thaís.
A VivaBem, ela conta sua história:
'Corria curvada'
"Em 2014, por causa de um diagnóstico de depressão, comecei a correr na rua. Treinava muito, e comecei a perder os movimentos dos membros superiores: já não corria mais com postura de atleta, mas curvada. Cinco quilômetros era muito sofrimento. Meu treinador falou que poderia ser excesso de treino.
Resolvi parar porque estava me frustrando. Mas, em casa, começaram a aparecer outros sintomas: já não conseguia mais escovar os dentes, mexer a comida na panela... Tudo o que exigia uma coordenação motora fina eu não conseguia mais fazer.
Até que não consegui lavar meu cabelo e pedi para minha filha, que tinha cinco anos, me ajudar. Sentei no chão e falei: 'filha, vamos brincar de tomar banho, lava o cabelo da mamãe'. Aquilo, para mim, foi demais. Resolvi procurar um médico.
'Achei que diagnóstico era erro médico'
Foram oito meses de muitos exames para descartar todas as possibilidades antes do diagnóstico de Parkinson. Tudo o que eu sabia era que era uma doença de pessoas mais velhas e que tremiam.
Por um momento, passou pela minha cabeça que o médico tivesse se equivocado. Afinal, eu tinha 42 anos e não tremia. Fui para casa pensando que era um erro médico, mas comecei a estudar o diagnóstico e descobri que o tremor é apenas um dos sintomas, e que nem todo mundo tem.
Tive meu momento de luto, mas entendi que o Parkinson não veio para definir o fim da minha vida. Fiz a escolha de viver e focar nos meus objetivos.
Eu só pensava em ficar bem porque queria ver minha filha fazer 15 anos, levar meu filho ao altar um dia, conhecer o mundo com meu marido. Daqui a dois meses, minha filha faz 15 anos e vou realizar esse sonho.
'Precisei até de cuidadora'
No primeiro momento, meu tratamento foi só medicamentoso. O exercício físico voltou com tudo, como um aliado, até que chegou um momento em que ele já não dava mais conta. Acredito que os exercícios seguraram a evolução da doença, mas depois o Parkinson me derrubou.
Hoje tudo isso faz parte do meu passado, mas tive momentos de não conseguir levantar uma xícara de café, um copo de água. Em maio de 2022, a doença evoluiu muito rápido, do dia para a noite, e precisei até de cuidadora.
Foi quando minha neurologista disse que a minha hora tinha chegado: implantar o DBS [estimulação cerebral profunda]. Fiquei muito feliz, mas fui estudar os prós e contras. Na consulta com a neurocirurgiã, ela me perguntou o que eu esperava do dispositivo.
Eu disse: 'Quero acordar à noite e ir ao banheiro sem precisar de ajuda'.
Operei no dia 3 de fevereiro de 2023: o dia da cirurgia foi o do meu renascimento. Lembro de acordar, tocar minhas pernas e perguntar onde estava a minha dor.
Naquele dia, tomei bastante água antes de dormir e foi a coisa mais maravilhosa da minha vida: acordei, fui ao banheiro e voltei caminhando.
'Fiquei acordada durante a cirurgia'
Durante o implante cerebral, fiquei acordada respondendo aos estímulos do médico e dos outros profissionais. Eles pediam para eu mexer a mão, falar. Lembro de sentir um calor muito forte na cabeça e avisá-los.
Na hora de implantar o gerador, que fica no peito, me deram sedativo para dormir. No dia seguinte, um sábado, tive alta e fui para casa.
Da rotina, vida normal. Hoje dirijo, cozinho, cuido de mim, da minha família. Voltei a me maquiar, saio com minhas amigas, tomo café na hora que eu quiser. A vida seguiu. Voltei a correr e, apesar de ainda não estar no treino de 18 quilômetros, sei que vou chegar lá.
'Propósito de vida'
Transformei o Parkinson em um propósito de vida. Hoje tenho uma associação na minha cidade, a equipe de voluntários atende 80 pessoas com a doença e proporciona esperança e motivação.
A gente devolve o convívio social para quem antes ficava em casa e tenta minimizar o sofrimento delas, leva informação para a sociedade e desmistifica a doença."
O que é o Parkinson
Distúrbio do movimento. A doença de Parkinson é um distúrbio do movimento que afeta mais de dez milhões de pessoas em todo o mundo e surge da degeneração das células produtoras de dopamina na substância negra, uma região cerebral crucial para o controle motor.
Quais os sintomas clássicos? Lentidão nos movimentos, rigidez muscular, tremores e instabilidade postural. Segundo a neurologista do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP Sara Casagrande, a causa exata do Parkinson ainda é desconhecida.
Estudos indicam que fatores ambientais, envelhecimento e predisposição genética desempenham papéis importantes no desenvolvimento da doença, especialmente em casos de Parkinson de início precoce, antes dos 50 anos.
Sara Casagrande, neurologista
Parkinson tem cura? Não há cura, mas existem tratamentos para controlar os sintomas e melhorar a qualidade de vida. Em geral, esses tratamentos incluem o uso de remédios aliado a atividade física, fisioterapia e fonoaudiologia.
O que é o DBS
Terapia complementar. O DBS (sigla em inglês para Estimulação Cerebral Profunda) é um tratamento para casos mais graves do Parkinson. É indicado geralmente após cinco anos de doença.
A cirurgia de DBS é mais eficaz quando realizada antes de os medicamentos perderem eficácia e pode reduzir significativamente a necessidade de medicamentos, melhorando a qualidade de vida do paciente.
Sara Casagrande, neurologista
Disponível no SUS. O DBS está disponível no SUS desde 2017 e no rol da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) desde 2010 como opção terapêutica. O caminho que o paciente percorre inclui o diagnóstico por um neurologista, avaliação para indicação do DBS, autorização pelo sistema de saúde e realização da cirurgia por uma equipe especializada.
'Marca-passo cerebral'. A cirurgia de DBS envolve a implantação de eletrodos na região dos núcleos da base, no interior do cérebro. Segundo a neurologista, esses eletrodos são conectados a um gerador que emite estímulos elétricos, os quais modificam e controlam a atividade dos neurônios próximos, ajudando a aliviar os sintomas. "Funciona como um 'marca-passo cerebral' que regula a atividade neuronal."
Paciente acordado durante a cirurgia. Durante a implantação do DBS, parte da cirurgia é realizada com o paciente acordado para permitir a avaliação dos efeitos dos estímulos elétricos no controle dos sintomas.
Melhora é instantânea? "A melhora dos sintomas com o DBS pode variar de paciente para paciente. Alguns relatam melhorias significativas logo após a ativação do dispositivo, enquanto outros experimentam uma melhora gradual ao longo do tempo."
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