O que acontece no seu corpo quando você tira a tireoide
Tireoidectomia é o nome de uma cirurgia indicada para o tratamento de algumas enfermidades que aparecem na tireoide, uma glândula cujas funções acompanham a nossa vida desde o ventre materno até a idade madura.
Com o formato de borboleta, ela está posicionada na parte da frente do pescoço, em uma região muito vascularizada e rodeada por estruturas importantes como a artéria carótida e as cordas vocais. Por isso, operar essa glândula já foi prática arriscada e banida dos manuais médicos do passado.
Pouco tempo depois, o procedimento renderia um Nobel ao cirurgião suíço Theodor Kocher, idealizador da técnica usada até hoje: a depender do tipo da doença identificada, pode-se retirar apenas uma parte (lobo) da tireoide (tireoidectomia parcial) ou toda a glândula (tireoidectomia total).
Exames de ultrassom realizados com finalidade preventiva podem detectar nódulos na tireoide de 19% a 68% das pessoas, com alta frequência entre mulheres e idosos.
A maioria é benigno; cânceres representam 5% dos casos.
Geralmente assintomáticos, os problemas são descobertos em exames de rotina.
Possíveis efeitos no seu corpo
A prática da tireoidectomia se baseia em evidências científicas de alta qualidade, é considerada segura e eficaz e suas complicações são raras, especialmente quando a retirada é parcial.
Veja, a seguir, algumas das suas possíveis consequências:
- Dor
- Hipotireoidismo
- Hipoparatireoidismo
- Mudanças na voz
Uma sensação dolorosa pode incomodar
Imediatamente após a cirurgia, pode ocorrer algum desconforto local, já que se fez um corte nos tecidos que os médicos chamam de ferida cirúrgica. Para que aconteça a restauração local com a cicatrização, ocorre um processo inflamatório natural que causa dor.
Como tal situação é previsível, é possível que você já saia da sala de cirurgia medicado com analgésico para que a dor não incomode tanto. Em alguns dias o incômodo deve ficar sob controle. Caso persista, converse com seu médico.
A tireoide deixa de funcionar de vez
Quando a tireoidectomia é total, a glândula não existirá mais e, portanto, não haverá produção do hormônio tireoidiano, o que caracteriza o hipotireoidismo.
Em uma cirurgia parcial, a parte remanescente da tireoide pode dar conta das suas necessidades hormonais —mas pode ser que essa mudança evolua para o hipotireoidismo.
Em ambos os quadros, haverá necessidade de reposição hormonal. No caso da tireoidectomia total, a medida é para sempre.
Já na parcial, a reposição pode ser temporária ou contínua, a depender da resposta orgânica à intervenção.
A reposição é feita por meio de uma versão sintética [feita em laboratório] do hormônio levotiroxina, naturalmente produzido pelo corpo. Isento de efeitos colaterais, ele é usado para repor o que era antes produzido.
Durante o início da reposição pode haver pequeno aumento de peso e inchaço, consequências que são revertidas com a adequação da dosagem hormonal.
Os níveis de cálcio caem
Atrás da tireoide existem as glândulas paratireoides. Responsáveis pelo metabolismo do cálcio, elas são 4 e distribuídas em duplas de ambos os lados da glândula.
Durante a cirurgia, a região pode ficar "abalada", o que pode alterar temporariamente o funcionamento das paratireoides, levando ao hipoparatireoidismo.
A consequência dessa disfunção é a hipocalcemia, ou seja, a concentração insuficiente de cálcio no sangue, que pode se manifestar por meio de sintomas como dor muscular, cãibra, formigamento nos lábios, dedos , pés, etc.
Mais de 30% dos pacientes que fizerem a retirada total da tireoide vão apresentar o quadro, ao menos transitoriamente.
Para evitar tais desconfortos, faz parte do protocolo da cirurgia a indicação de suplementação de cálcio.
Ninguém reconhece a sua voz, nem você!
Dada o posicionamento da tireoide, durante o processo cirúrgico os nervos laríngeos —os das cordas vocais— podem ser lesionados.
Quando a lesão é no nervo laríngeo recorrente, o resultado é rouquidão ou voz soprosa, isto é, a voz é acompanhada pelo ar não vocalizado porque as cordas vocais paralisaram.
Em geral, a situação é temporária, mas pode ser permanente em 1% dos casos.
Caso a lesão acometa o nervo laríngeo superior, o tom da voz muda de 0% a 58% das situações, mas tende a voltar ao normal.
Vai de total ou parcial?
O endocrinologista é o especialista treinado para diagnosticar distúrbios e doenças da tireoide.
Muitas vezes, porém, quem descobre algum problema na glândula entre as mulheres é o ginecologista. Isso porque, durante o check-up anual, o especialista pode incluir o ultrassom da tireoide e o exame que avalia suas funções, o TSH.
Uma vez que se observe alguma alteração, a pessoa é encaminhada para o endocrinologista ou diretamente para o cirurgião de cabeça e pescoço. O que define se a tireoidectomia será total ou parcial são as condições e o funcionamento da tireoide. Confira:
Parcial
Nódulo autônomo benigno: a glândula funciona e produz hormônio. Um exemplo é a doença de Plummer.
Nódulo maligno de baixo risco: apenas um lado da tireoide foi acometido e do outro lado não há nada.
Bócio compressivo: caracterizado pelo aumento da tireoide —dificuldade para engolir ou respirar.
Total (casos mais graves)
Bócio difuso tóxico (doença de Graves): quando não há resposta ao tratamento medicamentoso, a intervenção é indicada.
Bócio multinodular tóxico: situação em que aparecem vários nódulos que produzem ou não hormônio tireoidiano e podem levar ao quadro de hipertireoidismo.
Bócio atóxico: quando ele é compressivo ou mergulhante e acomete ambos os lados.
Câncer de tireoide ou carcinomas de alto risco.
Em pacientes com metástase (tumores disseminados), além da retirada completa da glândula, deve ser feito o esvaziamento dos linfonodos do pescoço, conhecido como tratamento das cadeias ganglionares do pescoço.
Contraindicações
Elas são poucas e se referem a situações relacionadas ao evento cirúrgico em si: doença grave ou descompensada do coração ou presença de doenças crônicas que aumentem o risco da cirurgia.
Nesses casos e a depender do tipo da doença (quadros benignos), uma alternativa é fazer uso de técnica não invasiva (sem cortes), como a ablação por radiofrequência.
Ela prevê o uso de uma agulha que é guiada por ultrassom até o nódulo. O nódulo é atacado em vários ângulos por meio do calor emitido pelo aparelho.
Todo cuidado é pouco
Para além dos exames já realizados na ocasião do diagnóstico, serão solicitados exames pré-operatórios para avaliar as condições gerais de saúde do paciente, como presença de anemia, glicemia, função renal, coagulação sanguínea, bem como o TSH.
O ultrassom pode ser repetido e a laringoscopia também pode entrar na lista para avaliar as condições das cordas vocais.
Na sala cirúrgica
A cirurgia é considerada de médio a grande porte, a depender de ser ela parcial ou total, e mais ou menos complexa. Conforme essas características, a intervenção pode durar por cerca de 1, 3 horas e até 5 horas.
Esclarecer todas as suas dúvidas antes de ir para o hospital colabora para que, no dia da internação, você esteja tranquilo e confiante com as práticas que serão realizadas. Confira o passo a passo delas:
- Raramente a internação se dá no dia anterior à cirurgia. Em geral, você será orientado a chegar cerca de 1 a 2 horas antes do procedimento em jejum.
- Após a internação, ocorre o encaminhamento para o setor de pré-anestésico: você troca de roupa, a enfermagem providencia o acesso para a medicação e faz perguntas sobre histórico de alergias, uso atual de medicamentos.
- A partir daí, você segue para a sala de cirurgia.
- Dá-se início à anestesia, que é sempre geral.
- O paciente é posicionado de forma a facilitar o acesso cirúrgico, com a cabeça virada para trás (hiperextensão cervical).
- Os olhos são protegidos, confere-se o local da cirurgia, demarca-se o local do corte.
- A área é desinfetada e dá-se início ao ato operatório com a abertura da região.
- O corte é horizontal, acompanha as linhas naturais da pele (para qualidade estética) e, em geral, tem cerca de 4 a 6 cm. Na maioria das vezes, a cicatriz é imperceptível.
- Como a região é muito vascularizada, o sangramento é controlado para que se tenha acesso à tireoide e se proteja as estruturas ao seu redor.
- Após a retirada da glândula, verifica-se a integridade dos nervos para garantir que tudo está em seu lugar.
- O médico inicia o fechamento da ferida operatória. Na maioria das vezes, os pontos são internos e absorvidos posteriormente.
- O paciente é removido para a sala de recuperação pós anestésica para observação. Uma vez acordado, ele já está apto para comer e beber.
- Após a remoção para o quarto, a alta se dá no mesmo dia ou em até 48h.
Parada forçada
Na primeira semana após a cirurgia você será orientado a não fazer esforço físico. A medida previne sangramento e inchaço.
Após 15 dias já é possível voltar ao trabalho, fazer caminhadas leves, mas os treinos/exercícios físicos só serão liberados após 30 dias. Depois, vida que segue.
Quando a extensão da cirurgia é maior (esvaziamento cervical), o tempo de recuperação pode ser mais longo, podendo variar entre 30, 60 e até 90 dias.
Endócrino, o retorno
É importante que o endocrinologista esclareça ao paciente que após o tratamento cirúrgico existe a possibilidade do aparecimento do hipotireoidismo, independente do tipo da cirurgia realizado (total ou parcial).
Trata-se de uma condição tireoidiana crônica, isto é, dura por toda a vida.
O seu acompanhamento deve ser feito com um endocrinologista.
O tratamento tem esquemas que devem ser respeitados e podem ser desafiadores para gestantes, crianças, idosos, especialmente os que moram sozinhos: a medicação deve ser usada em jejum e sem outro remédio junto ou alimento, só com água. Há ainda necessidade de esperar 30 minutos para fazer a primeira refeição.
A boa notícia é que, se houver dificuldade de manter essa rotina, você pode falar com seu médico para que ele idealize outra estratégia que melhor se adapte ao seu dia a dia.
Fontes: Luiz Carlos Conti de Freitas, professor do Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da FMRP-USP (Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP), e chefe do Ambulatório de Tireoide e Paratireoide de mesma instituição; Raquel Ajub Moyses, cirurgiã de cabeça e pescoço, é responsável pelo Laboratório de Investigação Médica em Cirurgia de Cabeça e Pescoço na FMUSP (Faculdade de Medicina da USP), doutora em clínica cirúrgica pela mesma instituição e mestre em saúde pública pela Universidade de Harvard; Rosalia do Prado Padovani, médica endocrinologista, doutora em endocrinologia pela Unifesp, médica assistente do Serviço de Endocrinologia da Santa Casa de São Paulo, professora instrutora da mesma instituição. É ainda diretora da SBEM-SP (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia Regional São Paulo); e Uirá Cury, médico cirurgião de cabeça e pescoço do HUAC-UFCG (Hospital Universitário Alcides Carneiro da Universidade Federal de Campina Grande), que integra a rede Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares). Revisão técnica: Luiz Carlos Conti de Freitas e Raquel Ajub Moyses.
Referências: Ministério da Saúde; SBEM (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia), Associação Americana da Tireoide; Biello A, Kinberg EC, Wirtz ED. Thyroidectomy. [Atualizado em 2022 Nov 14]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2024 Jan-. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK563279/.
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