Correr em jejum é ruim para a saúde ou está liberado? Quem pode fazer?
Um tanto polêmica entre praticantes de exercícios, nutricionistas e médicos, a possibilidade de fazer exercícios de estômago vazio desperta dúvidas e curiosidades em muita gente: afinal, pode correr em jejum?
A resposta é sim, mas depende de uma adaptação. Apesar de a recomendação geral, especialmente para iniciantes, ser a de sempre comer algo cerca de 30 a 60 minutos antes da atividade física para evitar problemas como mal-estar e tontura, treinar sem se alimentar é seguro para pessoas acostumadas com o jejum.
Inclusive, para quem é adepto à prática, especialistas acreditam não haver perda de desempenho e pode até existir vantagens —os atletas africanos, melhores maratonistas do planeta, estão aí para mostrar isso.
O exemplo dos africanos
Vamos começar com um olhar sobre corredores que são referência em provas de longa distância (como maratonas): os africanos.
A maioria deles realiza a primeira corrida da manhã com o estômago vazio ou apenas depois de beber um chá (o que não quebra o jejum). Por isso, eles são uma referência sobre o sistema de adaptação do corpo à prática em jejum.
"Quenianos já relataram em textos, entrevistas e documentários o hábito de sempre correr em jejum", afirma Danilo Balu, bacharel em esporte e em nutrição pela USP (Universidade de São Paulo), que já foi quatro vezes para a Etiópia treinar com os atletas do país.
"Quando estive na África, os etíopes faziam todas as sessões (matutinas) em jejum. Sem exceção. Nem mesmo na corrida de rua anual mais importante do país eles se alimentaram antes da competição. Se os melhores do mundo fazem isso, podemos acreditar que é porque há benefícios", diz Balu, autor dos livros "O nutricionista clandestino" e "Em defesa do jejum".
Entre as vantagens, é possível citar o menor risco de ter desconfortos gastrointestinais na corrida e o melhor aproveitamento da gordura corporal como combustível durante o exercício. Em provas longas como a maratona (42,195 km), isso pode fazer com que o atleta economize a energia vinda dos carboidratos e tenha um melhor desempenho.
Por que algumas pessoas passam mal ao treinar em jejum?
Pode soar repetitivo, mas é importante entender que os atletas que realizam atividade física sem comer nada antes são extremamente adaptados ao exercício em jejum.
Fazer atividade sem se alimentar é uma prática milenar. Afinal, em seus primórdios, quando estava de barriga vazia, o ser humano precisava "correr" atrás de sua caça para conseguir o que comer.
Mas isso mudou. Hoje, a oferta de alimentos é abundante, principalmente os ricos em açúcar e gordura, o que gerou uma nova adaptação no corpo de muitas pessoas: fazer exercício sempre em "estado alimentado".
Portanto, muitas pessoas não se sentem bem ao treinar em jejum simplesmente porque o organismo não está mais acostumado com isso.
Nós somos representantes vivos e sobreviventes de exemplares que saíam caminhando e correndo em jejum para arranjar ou fazer a própria comida. Porém, a sociedade atual de abundância nos oferece a possibilidade de comermos assim que acordamos
Danilo Balu, bacharel em esporte e nutrição
Balu explica que, por razões bioquímicas e fisiológicas, a energia que obtemos ao comer antes do treino inibe temporariamente em muitos de nós uma via metabólica que nos possibilita fazer atividade física em jejum.
Quando comemos, a produção de hormônios como a insulina sinaliza para o organismo que ele deve priorizar o uso de carboidratos como combustível, em vez da gordura (um estoque de energia).
Como adaptar o corpo?
O processo para acostumar o organismo a treinar em jejum e usar a gordura como combustível de forma mais eficiente deve ser lento e gradual —como basicamente tudo na corrida.
Balu sugere ir, pouco a pouco, comendo cada vez menos antes das sessões matutinas até sentir que não precisa mais se alimentar para fazer exercícios.
No momento em que for começar a correr em jejum, é recomendando reduzir a carga de treino, fazendo por alguns dias exercícios leves e mais curtos.
Para correr em jejum, algumas dicas importantes incluem:
- No começo, faça apenas algumas sessões da semana em jejum, preferencialmente as mais leves
- Invista em caminhadas rápidas para ver como se sente
- Não faça treinos muito longos em jejum no início
- Hidrate-se bem. Jejum não é ficar sem beber água
- Se tiver mal-estar, tontura ou enjoo, pare o treino
Quem não deve fazer o treino em jejum?
O treino em jejum não é indicado para sedentários que querem começar a treinar e não estão acostumados a ficar longas horas sem comer. Isso porque a pessoa obrigaria o organismo a duas adaptações de uma só vez (o exercício e o jejum), exigindo demais do corpo.
A prática também não é recomendada para quem tem sobrepeso ou obesidade. "Essas pessoas têm um nível alto de insulina mesmo em jejum, o que prejudica o uso da gordura como combustível", explica a nutróloga Liliane Oppermann.
Nessa situação, o corredor vai começar o exercício e rapidamente esgotar o "carboidrato" que tem na corrente sanguínea, nos músculos e no fígado. Aí, pode ter uma hipoglicemia (baixo nível de açúcar no sangue) e passar mal.
Treino em jejum não emagrece mais
Muitas pessoas começam a correr em jejum por acreditar que a prática é melhor para perder peso. Isso é um grande erro.
Sim, nós falamos que ao fazer exercício sem se alimentar o corpo usa a gordura de forma mais eficiente, o que já foi demonstrado em uma revisão de estudos da Unicamp e uma pesquisa da Universidade de Nottingham Trent, entre outras pesquisas.
Mas outros estudos já concluíram que fazer jejum não mais eficiente para perder peso do que outras dietas. Para um emagrecimento saudável e duradouro, o mais importante é o que você come durante o dia —comida saudável—, não o período que fica sem se alimentar.
Correr em jejum "queima" massa muscular?
Segundo Balu, a ideia de perda de massa muscular em praticantes de atividade física que treinam em jejum é um mito.
"Por exemplo, um estudo controlado feito por seis meses comparando dieta com uma única refeição ao dia, ou seja, jejuns diários de 24 horas, não encontrou evidências de perda muscular quando comparado a uma dieta com três refeições ao dia", explica.
De acordo com Balu, outro estudo, em pessoas jejuando em dias alternados (ou seja, comiam em um dia e no outro não comiam nada), feito por mais de dois meses não resultou em perda de massa muscular (mas houve perda de gordura). "Já outra pesquisa submetendo as pessoas por dois meses também em dias alternados só que com jejuns ainda mais longos (36 horas!) encontrou não haver perda de massa muscular", acrescenta.
Fontes: Danilo Balu, bacharel em esporte pela EEFE (Escola de Educação Física e Esporte) e em nutrição pela FSP (Faculdade de Saúde Pública), ambas na USP (Universidade de São Paulo). Corre desde 1990 e é autor dos livros "O Nutricionista Clandestino", "O Treinador Clandestino!", "Em Defesa do Jejum" e "Correndo com os Etíopes"; Letícia Mendes, graduada em nutrição pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, pós-graduada em nutrição esportiva funcional pela VP Consultoria e Universidade Cruzeiro do Sul e em fitoterapia funcional pela Santa Casa de Misericórdia de São Paulo; Liliane Oppermann, nutróloga com título de especialista há 15 anos pela Abran (Associação Brasileira de Nutrologia), é pós-graduada em prática ortomolecular e medicina Integrativa pela Fapes e em psiquiatria pelo Albert Einstein .
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