'Tinha palpitações e suava frio': ele narra saga para deixar de fumar
Parar de fumar não é fácil. Aliás, as recaídas fazem parte do tratamento contra o tabagismo, uma doença crônica gerada pela dependência da nicotina.
O gerente de operações Flávio Rodrigues, 36, tentou parar de fumar três vezes. Ele começou aos 16 e, desde então, teve idas e vindas no tratamento da dependência.
Inclusive, os altos e baixos de todo o processo servem de combustível para Flávio nunca mais voltar a colocar um cigarro na boca — já são mais de nove meses sem fumar.
Toda a dificuldade no tratamento me estimulou muito a nunca mais voltar a fumar porque não quero passar por isso de novo.
"Qualquer coisinha me irritava"
"Ao todo foram três tentativas: uma aos 27 anos, quando fiquei seis meses sem fumar; uma aos 34, na qual foi mais um ano e, agora, que estou nove meses sem fumar.
Da primeira vez, usei uma medicação chamada Bup [nome comercial para cloridrato de bupropiona ou só bupropiona] e não foi fácil. Fiquei muito triste e depressivo, além disso, descobri que era hipertenso. Mas não consegui parar de fumar nessa época.
Depois, tentei mais uma medicação com o médico, que não é mais fabricada aqui, o que realmente me ajudou a parar com mais facilidade. Mas, de novo, acabei voltando a fumar.
Ano passado, voltei com o acompanhamento de um psiquiatra e cardiologista especialista em tabagismo para retornar com o tratamento.
Eu já sofro de ansiedade generalizada, então, comecei a me sentir ainda mais ansioso. Voltei a tomar o Bup com a dose máxima e o adesivo de nicotina. Consegui ficar umas duas semanas sem fumar.
Mas, tinha palpitações, suava frio, me sentia muito mal mesmo, sem contar as crises de ansiedade.
Para trabalhar, era muito difícil. Qualquer coisinha me irritava, estava muito à flor da pele. E também não estava conseguindo parar de fumar.
Aí, comentei com o médico que achava melhor reduzir a dose do remédio porque estava insuportável aguentar."
Tratamento envolve de 5 a 7 tentativas
A decisão de parar de fumar envolve recaídas e pode envolver de cinco a sete tentativas, segundo o pneumologista Paulo Corrêa, da SBPT (Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia).
O paciente vai vivenciar os altos e baixos da síndrome de abstinência e o processo será melhor com uma ajuda especializada, que pode ser um cardiologista, pneumologista e psiquiatra. Paulo Corrêa, pneumologista
O cloridrato de bupropiona (ou só bupropiona) é um medicamento da classe dos antidepressivos usado para tratar principalmente a depressão e a dependência à nicotina (mas não é o único). A substância atua nos níveis de dopamina e noradrenalina no cérebro, aumentando a sensação de bem-estar, além de ajudar no bloqueio do efeito da nicotina.
O especialista reforça que o tratamento é sempre elaborado de forma individual, levando em conta diversos fatores, como outros transtornos psiquiátricos e hábitos de vida da pessoa.
Existem regras gerais que envolvem os medicamentos, o manejo de fissuras, prevenção de recaídas, mas tudo isso é feito de acordo com o paciente dá conta naquele momento ou não. Paulo Corrêa, pneumologista
A ideia, segundo Corrêa, é entender a motivação do paciente, que é variável, e organizar um plano adequado para ele, incluindo técnicas de resistência e reajuste de estratégias para parar de fumar.
"Luta é diária, mas vale o esforço"
"Neste período, consegui parar de fumar. Me sentia ótimo! Estava usando outro medicamento para ansiedade, tomando com a bupropiona em conjunto, tudo com acompanhamento médico. Esse combo de remédios me deixou muito disposto e com energia.
Com ajuda da psiquiatra e do cardiologista, resolvemos ir reduzindo o Bup, só que fiquei deprimido. Com isso, tivemos que trocar a medicação psiquiátrica por causa dessa questão. Fizemos alguns testes e resolvemos optar por um outro que começou a me fazer bem.
O processo todo de tomar e parar o BUP no tratamento do tabagismo foi muito difícil. Me gerou ansiedade e depois até um início de quadro depressivo.
Mas isso me estimulou a nunca mais voltar a fumar, porque não quero passar por isso de novo.
Parar de fumar é uma luta diária, mas a vontade reduz a cada dia e a disposição que você sente ao parar de fumar vale demais o esforço.
Tratamento não envolve só medicação
Quando uma pessoa que fuma já tem alguma comorbidade psiquiátrica, há um risco maior de não ter sucesso no tratamento, explica o pneumologista.
Por isso, na conversa com o paciente, é ainda mais importante entendê-lo, pensar em estratégias de parada ou interrupção — abruptamente ou gradualmente —, para reduzir a fissura, como pastilhas e gomas de nicotina. Paulo Corrêa, pneumologista
Além das medicações, o médico cita outras medidas que podem ajudar neste processo difícil, como atividade física, uma dieta saudável e, claro, apoio da família e amigos.
O apoio social é muito importante, mesmo que ele não seja pelos grupos de apoio, mas a própria presença de uma ou mais pessoa na consulta já pode ajudar. Entender o processo do paciente é fundamental. Paulo Corrêa, pneumologista
Tratamento pode ser feito pelo SUS
Para isso, o paciente pode procurar ajuda na UBS (Unidade Básica de Saúde) mais próxima da casa dele. O tratamento inclui avaliação clínica, abordagem mínima ou intensiva, individual ou em grupo e, se necessário, terapia medicamentosa com a abordagem intensiva.
Mesmo em queda, o número de mortes relacionadas com o tabaco deverão permanecer elevadas nos próximos anos, segundo a OMS.
As estatísticas mostram que fumar mata mais de 8 milhões de pessoas todos os anos, incluindo cerca de 1,3 milhão de não fumantes expostos ao fumo passivo.
Segundo material do Ministério da Saúde, os efeitos ao parar de fumar são:
Após 20 minutos: pressão sanguínea e a pulsação voltam ao normal.
Após 2 horas: não há mais nicotina circulando no sangue.
Após 8 horas: nível de oxigênio no sangue se normaliza.
Após 12 a 24 horas: pulmões já funcionam melhor.
Após 2 dias: olfato já percebe melhor os cheiros e o paladar já degusta melhor a comida.
Após 3 semanas: respiração se torna mais fácil e a circulação melhora.
Após 1 ano: o risco de morte por infarto do miocárdio é reduzido à metade.