O que acontece no seu corpo quando você tem um AVC
Tempo é cérebro. Esta frase é citada por neurologistas do mundo inteiro para alertar a população sobre uma particularidade do AVC (acidente vascular cerebral): a probabilidade da total recuperação desse evento se reduz a cada minuto passado sem avaliação e tratamento.
Caracterizado por uma interrupção repentina do fluxo sanguíneo ou a ruptura de um vaso no cérebro, o AVC é considerado uma emergência médica.
O tempo vale ouro nesse quadro porque as células locais podem morrer por falta de oxigênio e nutrientes.
Alguns tecidos podem até resistir, mas a velocidade das lesões pode vencê-los e, aí, os danos podem ser permanentes.
A cada 3 segundos ocorre um AVC em todo o mundo, o que corresponde a cerca de 12 milhões de eventos a cada ano.
1 em cada 4 pessoas pode ter um AVC no curso de sua vida —50% a mais do que 20 anos atrás.
No passado, o AVC acometia mais os idosos. Hoje, mais de 60% dos eventos acometem pessoas com menos de 70 anos.
Homens, afrodescendentes e asiáticos são mais propensos a ter um AVC.
Rapidez no socorro é essencial, mas apenas 20% das pessoas procuram o hospital.
Possíveis efeitos
Como o seu cérebro possui uma rede de vasos sanguíneos, o bloqueio ou ruptura deles resultará em manifestações associadas às funções comandadas por cada região afetada.
Os sintomas mais frequentes dessas alterações —que podem ser transitórios ou permanentes— são:
Fraqueza ou formigamento na face, no braço ou na perna, principalmente de um lado do corpo.
Alterações na fala, visão, equilíbrio ou coordenação.
Tontura.
Dor de cabeça súbita e intensa, náusea, vômito e pressão muito alta (AVC hemorrágico).
Quando não tratado em tempo, o AVC pode ter consequências que poderão ser mais ou menos intensas, durar menos ou mais tempo e até ser permanentes, a depender da sua gravidade. Confira alguns deles:
- Problemas musculares
- Alterações cognitivas e na memória
- Mudanças na fala ou compreensão dela
- Depressão
Práticas simples do dia a dia ficam mais difíceis
Fraqueza ou paralisia muscular são efeitos comuns do AVC, e podem acometer regiões como a face, um dos membros superiores ou inferiores ou mesmo apenas um lado do rosto ou do corpo.
Essas consequências sinalizam que a parte do cérebro afetada pelo AVC foi aquela que controla a motricidade voluntária, ou seja, uma via chamada trato córtico-espinhal, que se inicia no córtex e desce até a medula espinhal.
A consequência é que práticas simples como andar, vestir-se, comer e ir ao banheiro podem ser prejudicadas.
Outro efeito comum é a dificuldade para engolir (disfagia).
Pensar, aprender e lembrar passam a ser desafios
Problemas com o raciocínio, atenção, aprendizado, julgamento e memória podem aparecer.
Um AVC pode levar a um distúrbio neurológico caracterizado pela dificuldade de localizar algo que esteja próximo ou de responder a estímulos realizados no lado oposto da lesão cerebral (cortical). Esse quadro é chamado pelos médicos de síndrome da negligência.
Outro possível resultado da perda de tecido cerebral é o comprometimento cognitivo vascular que, no seu extremo, se relaciona à demência, mas pode alterar funções como lembrar de tomar remédios, vestir-se, gerenciar as finanças, etc.
A comunicação sofre prejuízos
Problemas na fala, na escrita e na leitura, além de compreensão da linguagem, são consequências de lesões no hemisfério esquerdo do cérebro. A depender da gravidade do AVC, tais habilidades podem desaparecer completamente (afasia).
A dificuldade para falar acontece porque as alterações musculares levam à fraqueza ou à falta de coordenação dos músculos da fala, especialmente quando as lesões estão presentes em ambos os lados do cérebro. Tais situações também estão associadas à dificuldade para engolir.
As emoções mudam e o humor também
Dados do Instituto Nacional de Distúrbios Neurológicos e AVC revelam que após um evento desses podem ocorrer alterações nas emoções, inclusive quadros de depressão, o que poderia atrapalhar a recuperação.
Uma recente revisão de estudos não só confirma esse dado, mas acrescenta que, embora sejam necessárias mais pesquisas para entender esse mecanismo, existe significante e potencial associação entre depressão e AVC, e pacientes e médicos devem estar atentos a isso. Artigo publicado pelo Cureous Journal of Medical Science.
Os AVCs mais frequentes
Os principais tipos de AVC são classificados como isquêmico e hemorrágico.
Isquêmico: responsável por 85% dos casos, ele decorre da obstrução de uma artéria que impede a passagem de oxigênio para as células cerebrais. Esse quadro pode ter como causa um trombo (um "coágulo") formado dentro do coração ou de um vaso sanguíneo, ou um êmbolo, ou seja, um trombo que se desloca de onde foi formado através da circulação sanguínea, e provoca obstrução em outro local.
Hemorrágico: decorre de um rompimento de um vaso do cérebro que provoca hemorragia, que pode ocorrer no tecido cerebral ou na superfície entre o cérebro e a meninge. Menos comum (15% dos casos), ele pode levar a óbito com maior frequência.
Um AVC que é transitório
Pode acontecer de o fluxo sanguíneo reduzir-se transitoriamente. O quadro não resulta em AVC, mas pode provocar o que os médicos chamam de AIT (acidente isquêmico transitório).
Pacientes que sofrem um AIT têm maior probabilidade de ter um AVC nos dias seguintes. Por isso, o conselho dos especialistas consultados é jamais ignorar sinais relacionados a essa doença, mesmo que eles pareçam suaves. O melhor decisão é sempre buscar por uma avaliação médica com urgência.
Conheça os riscos relacionados
Algumas condições de saúde e situações relacionadas ao estilo de vida aumentam o risco de ter um AVC. Confira a lista dos 10 fatores mais comuns no mundo, por ordem de importância:
- Hipertensão
- Regime alimentar não saudável
- IMC (Índice de Massa Corporal) alto
- Altas taxas de glicemia
- Poluição
- Tabagismo
- Colesterol alto
- Disfunção renal
- Consumo excessivo de álcool
- Sedentarismo
Idade avançada, doenças do coração, uso de drogas ilícitas, uso de determinados medicamentos (como anticoagulantes, antiplaquetários, etc.) também estão associados.
Para prevenir, trabalho conjunto
Em 90% dos casos o AVC poderia ter sido evitado. De acordo com a Organização Mundial do AVC, para além das medidas essenciais de manter a pressão no limite de 12 por 8, evitar o sobrepeso e o tagabismo, as estratégias para reduzir e prevenir os números dessa doença dependem também de políticas públicas dirigidas a toda comunidade:
Encorajamento de estilo de vida saudável.
Redução do tabagismo e do consumo de sal, açúcar, álcool, gorduras.
Acesso a alimentos saudáveis e áreas para a prática de atividades físicas.
Habitações e cidades saudáveis.
Melhores condições econômicas e redução da pobreza.
Redução das desigualdades.
Redução da poluição do ar.
Acesso a medicamentos.
Campanhas periódicas de conscientização dos fatores de risco e educação para a saúde.
Acelera!
Como o AVC é uma emergência médica, é preciso correr para o hospital para avaliação, diagnóstico e tratamento. A medida ajuda a preservar a vida do paciente e pode evitar sequelas indesejáveis.
Quando há um trombo obstruindo o vaso (isquêmico), o tratamento prevê o uso de medicamentos (preferencialmente até 4h30 a contar dos primeiros sintomas) ou realizar procedimento [a depender do caso] (em até 24h) para liberar a passagem de sangue.
No AVC hemorrágico, o atendimento deve ser igualmente imediato. A redução da pressão é medida essencial para conter o sangramento, reduzir o risco de óbito, além de sequelas.
Passada a fase aguda, se houver sequelas, a reabilitação poderá será indicada.
Dicas de socorro
Ao observar em si ou em outra pessoa comportamentos estranhos como fala enrolada e fraqueza súbita, coloque em prática as seguintes medidas:
Faça um teste que consiste em pedir para que a pessoa levante os dois braços, como se ela fosse dar um abraço. Se o quadro é de AVC, um dos braços ficará caído.
Observe a fala: peça que a pessoa repita uma frase e veja se há alguma mudança na forma de falar. Por fim, solicite que ela dê um sorriso —a pessoa deve ser capaz de movimentar os dois lados de boca de forma igual.
Chame o SAMU, caso as providências acima demonstrem que algo não vai bem.
Evite esperar que algum desses sintomas suspeitos passe ou melhore.
Pefira ir para um hospital equipado para colocar em prática os procedimentos que o pronto antendimento do AVC requer, como a tomografia computadorizada, por exemplo.
Evite procurar por UBS ou UPA. Como eles não têm tomografia, haveria atraso, e não se pode perder tempo.
Seja rápido tanto quanto possível no socorro. Para a maioria dos quadros de AVC, receber tratamento até 4h30 após o começo dos sintomas garante a reversão do problema e recuperação total.
Fontes: Felipe Antonio Rischini, médico clínico geral do HC-Bauru (Hospital das Clínicas de Bauru) da USP, com titulação em medicina de emergência pela Abramede (Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica); Maramélia Miranda Alves, neurologista especializada em neurologia vascular, presidente da SBAVC (Sociedade Brasileira de AVC e integrante do Grupo de Doenças Cerebrovasculares da disciplina de neurologia da EPM-Unifesp (Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo); Pedro Antônio Pereira, neurologista responsável pelo Ambulatório de AVC do Hupes-UFBA (Hospital Universitário Professor Edgard Santos da Universidade Federal da Bahia), que integra a rede Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares), membro da ABN (Academia Brasileira de Neurologia). Revisão médica: Pedro Antônio Pereira.
Referências: Ministério da Saúde; World Stroke Organization; Global Stroke Fact Sheet (2022); Tadi P, Lui F. Acute Stroke. [Atualizado em 2023 Aug 17]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2024 Jan-. Disponível em https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK535369/;
Khan AI et. al. Effect of Major Depressive Disorder on Stroke Risk and Mortality: A Systematic Review. Cureus. 2023 Jun 15. Disponível em https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/37456466/.
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