Aos 60, ele corre ultramaratonas e segue dieta low carb: 'Saúde melhorou'

Mesmo praticando corrida regularmente, João Armando Nicotti descobriu que estava com sobrepeso e o nível de triglicérides elevado. Por recomendação médica, ele adotou uma dieta low carb, emagreceu, melhorou o resultado dos exames de sangue e ganhou disposição. Hoje, aos 60 anos, faz ultramaratonas, já correu 110 km em provas e até subiu no pódio. A seguir, João conta sua história:

"Pratiquei natação dos 17 aos 20 anos, mas tive que parar porque os horários da faculdade e do clube não batiam. Nesse período, senti falta de me exercitar e percebi que a corrida era um esporte mais acessível. Poderia correr em qualquer hora e lugar, de acordo com a minha rotina.

No início, treinava cerca de 30 minutos, três vezes por semana, e participava de algumas provas de rua. Em 2012, contratei uma assessoria esportiva com o objetivo de evoluir e logo passei a correr distâncias maiores.

Em média, fazia 10 maratonas por ano entre provas oficiais e treinos de 42 km.

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Imagem: Arquivo pessoal

Tive um episódio de herpes-zóster, fiz exames de sangue e descobri que a taxa de triglicérides estava acima do normal. O infectologista que me tratou me indicou um médico que trabalha com orientação alimentar.

Mesmo sendo maratonista amador, na época estava acima do peso —com 82 kg—, não fazia acompanhamento nutricional e comia muito carboidrato. Procurei o profissional, disse que me sentia lento e queria melhorar a minha performance esportiva e minha saúde com novos hábitos alimentares.

O médico me orientou a seguir uma dieta low carb e esclareceu que, diferentemente do que muita gente pensa, a baixa ingestão de carboidratos é compatível com a prática de esportes de endurance.

Ele me explicou os benefícios para a saúde de uma alimentação mais natural e indicou dois livros sobre o assunto.

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Decidi seguir a dieta low carb e, por decisão minha, tirei o carboidrato completamente do cardápio. Logo senti benefícios em curto, médio e longo prazo na saúde e no esporte. Repeti os exames e as taxas alteradas estavam normais.

Em quatro meses de uma alimentação mais natural, emagreci 12 kg: fui de 82 kg para 70 kg. Minha performance melhorou, reduzi cerca de 30 minutos do meu tempo em maratonas. Minha recuperação pós-treino tornou-se mais rápida, parei de tomar remédios para dor muscular e diminuí consideravelmente o número de lesões

Troféus ganhos após melhorar o rendimento com a diela low carb
Troféus ganhos após melhorar o rendimento com a diela low carb Imagem: Arquivo pessoal

Não como nada durante o percurso

Antes do low carb, eu ingeria muito carboidrato como fonte de energia. Na noite anterior aos treinos e provas comia massas; durante o trajeto comia pães, frutas, gel de carboidrato e isotônico. Esses alimentos pesavam no estômago, ficava sonolento e precisava ir ao banheiro durante a corrida para evacuar, o que prejudicava minha performance.

Após aderir à low carb fiquei um pouco inseguro de não ter energia o suficiente e passar fome nas provas. No início da adaptação, levava alimentos como pedaços de bacon, queijo, salame italiano e batata-doce. Às vezes tomava um gole de coca-cola ou comia um alfajor para dar um gás na reta final.

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Imagem: Arquivo pessoal

Hoje em dia não como mais nada no percurso, só me hidrato com água. Nunca passei mal, nem tive tremedeiras ou fraqueza, pelo contrário, me sinto mais ágil, leve e disposto

Basicamente, minha alimentação consiste em ingerir proteínas, gorduras, verduras, legumes e frutas com baixo índice glicêmico.

Eu me habituei a comer pouco e prefiro sempre alimentos naturais: ovos cozidos, todos os tipos de carne, queijos e castanhas. Também adapto algumas receitas, como usar fatias de abobrinha para fazer macarrão com carne moída.

Uma estratégia para eu não sentir falta do carboidrato é pensar quantas comidas existem no mundo inteiro que eu não conheço e não me fazem falta.

Sou um low carb radical, sei que muita gente vai me criticar dizendo que sou maluco e que deveria comer carboidrato, mas me sinto saudável. Prefiro gastar dinheiro comprando comida de verdade, como carne, do que ficar doente e gastar com remédio

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Já corri 110 km em quase 12 horas

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Imagem: Arquivo pessoal

Após cinco anos participando de maratonas, os percursos de 42 km perderam o sentido, pois não me desafiavam mais. Fui em busca de algo novo e, aos 50 anos, comecei a fazer ultramaratonas, cujas provas variam entre 50 km, 80 km, 100 km, 160 km e até corridas de 24 horas.

Já participei de 10 ao total, a quilometragem mais extensa que atingi foi 110 km em quase 12 horas. Em uma das provas, fiquei em 2º lugar na categoria geral. Atualmente treino seis vezes por semana, cerca de quatro horas por dia, dependendo do tipo de competição que vou fazer.

Tenho 60 anos, não tenho mais a explosão e a força física de um jovem, mas tenho resistência, persistência, paciência, disciplina e quero correr até os 80 anos ou mais. 70% da corrida para mim é cabeça.

Quero envelhecer com qualidade de vida, para isso tenho três pilares: correr, comer bem e ler boa literatura

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É possível praticar atividade física sem carboidratos?

Médico responsável pelo ultramaratonista, José Carlos Souto diz que, embora o carboidrato possa ser aliado de pessoas que praticam atividade física devido à função de fornecer energia (calorias), à sua rápida digestão e à eficiência em repor o glicogênio, ele não é a única fonte disponível.

Souto admite que a glicose é essencial para a contração dos músculos, mas ressalta que ela não precisa necessariamente ser oriunda da dieta.

"Alguns profissionais podem alegar que com pouco carboidrato na dieta, o corpo utilizaria os aminoácidos dos músculos para produzir glicose, por um mecanismo chamado de gliconeogênese, levando à perda de massa magra. No entanto, em uma dieta low carb isso não ocorre justamente por se tratar de uma alimentação rica em proteínas, ou seja, o corpo utiliza as proteínas da dieta, e não a dos músculos, para sintetizar a glicose de que necessita", defende o médico.

Segundo Souto, que é autor do livro "Uma dieta além da moda: uma abordagem científica para a perda de peso e a manutenção da saúde", o corpo humano é como um carro bicombustível, que pode rodar tanto com gasolina quanto com etanol.

De forma análoga, nosso organismo pode usar tanto a glicose quanto a gordura como fonte de energia —vale ressaltar que cada grama de glicose contém 4 calorias contra 9 calorias por grama no caso da gordura.

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Quando há redução na quantidade de glicose disponível, o corpo passa a usar a gordura como sua fonte primária de energia, que pode vir da dieta e da própria gordura corporal (que existe para ser uma reserva energética).

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Imagem: iStock

Organismo precisa se adaptar

A nutricionista Letícia Moreira diz que para um atleta ser capaz de correr sem carboidratos é necessário passar por um processo de adaptação metabólica, em que o corpo aprende a aproveitar melhor a energia de outras fontes, principalmente das gorduras e das proteínas. As principais adaptações são:

Aumento da produção de cetonas: quando os níveis de carboidratos estão baixos, o fígado começa a converter gorduras em cetonas, que se tornam a principal fonte de energia para o cérebro e os músculos. Esse estado é conhecido como cetose e ocorre em dietas cetogênicas (pobres em carboidratos).

Preservação do glicogênio: o glicogênio é a forma armazenada de carboidratos nos músculos e no fígado. Durante a adaptação metabólica, o corpo aprende a preservar o glicogênio estocado, usando-o apenas quando necessário, como no caso de atividades de alta intensidade.

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Aumento da metabolização de ácidos graxos: o corpo se torna mais eficiente em usar ácidos graxos livres como fonte de energia durante o exercício físico, para preservar seus estoques de glicogênio.

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Segundo Moreira, a adaptabilidade ao uso de gorduras como combustível varia de pessoa para pessoa. Algumas podem se tornar altamente eficientes em utilizá-las como fonte de energia, enquanto outras podem ter dificuldades.

"Nesses casos é indicado consultar um profissional de saúde ou nutricionista especializado em dietas low carb para garantir que as necessidades energéticas sejam atendidas adequadamente durante a prática de atividades físicas", pondera ela, que atua com dietas low carb, cetogênica e carnívora e é co-fundadora da Primal Endurance.

Dieta low carb melhora a performance esportiva?

Apesar de o ultramaratonista João Armando Nicotti ter uma significante melhora esportiva quando adotou alimentação low carb, não foi exatamente a dieta que o fez correr melhor. Acontece que ele perdeu peso e, quanto mais leve o atleta, mais fácil fica correr —veja os africanos, melhores maratonistas, como são magros.

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Na avaliação de Souto, pessoas com sobrepeso ou obesidade e indivíduos com problemas metabólicos como diabetes podem se beneficiar da dieta low carb graças a essa perda de peso, tendo uma melhora da composição corporal e da saúde como um todo.

"Como médico, meu foco não é primariamente performance e, sim, a saúde. E, para isso, eu preciso combater o mito de que não é possível praticar esportes de alto nível sem o consumo de grande quantidade de carboidratos. Atletas competitivos que disputam provas de ultraendurance com dieta cetogênica sublinham a realidade de que amadores com problemas metabólicos ou excesso de peso podem seguir uma estratégia low carb e fazerem atividade física. É simplesmente errado dizer a essas pessoas que, se quiserem praticar esportes como a corrida, deverão abandonar a low carb que, comprovadamente, melhora as suas condições de saúde", afirma.

De acordo com a nutricionista Letícia Moreira, o desempenho esportivo ocorre por uma série de fatores e não apenas a questão alimentar. "Em um primeiro momento o atleta que faz uma dieta baixa de carboidratos pode sentir uma diminuição da performance devido à adaptação metabólica, porém uma vez adaptado ela é restabelecida."

10 dicas para aderir à low carb:

Seja paciente: mudar para uma dieta low carb e praticar atividade física pode levar tempo. Lembre-se de que o corpo precisa de um período de adaptação à restrição de carboidratos até que passe a utilizar a gordura como fonte de energia de forma eficiente.

Certifique-se de consumir quantidades adequadas de proteínas para suportar a recuperação muscular, preservar a massa magra e ajudar na hipertrofia.

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Antes do treino ou prova, opte por alimentos ricos em proteínas e gorduras saudáveis para fornecer energia, como ovos, carnes, peixes, frango, queijos, nozes, abacate.

Experimente diferentes abordagens e veja o que funciona melhor para você: por exemplo, algumas pessoas preferem fazer exercícios em jejum, enquanto outras preferem consumir uma refeição pré-treino.

Beba água regularmente durante o treino/prova para manter-se hidratado.

Em dietas de baixo carboidrato, a perda urinária de eletrólitos tais como sódio, potássio e magnésio, soma-se à perda de sais que já ocorre naturalmente pelo suor. Considere a reposição de eletrólitos, especialmente em atividades físicas intensas ou prolongadas.

Uma estratégia para eliminar parte dos alimentos ultraprocessados da dieta é retirar todo o açúcar adicionado e os farináceos (trigo, aveia, centeio, cevada e seus derivados como pão, massa, biscoito, mesmo os integrais).

Pessoas com diabetes que usam insulina ou drogas da família das sulfonilureias ou das glifozinas precisam de acompanhamento médico para adotar uma dieta low carb.

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Toda a estratégia alimentar que produz perda de peso só funciona enquanto for mantida. Neste sentido, sugere-se que low carb seja visto como um estilo de vida, não como uma intervenção passageira, visto que a obesidade e sobrepeso são condições crônicas e retornarão quando você abandoar a dieta (seja ela low carb ou não).

Se você é magro, fisicamente ativo e metabolicamente saudável e está satisfeito, não há necessidade de adotar uma dieta de baixo carboidrato, mas opte por consumir alimentos naturais.

Fique atento ao consumo exagerado de carboidratos

Ingerir carboidrato em excesso, principalmente industrializados, pode ser prejudicial à saúde e favorecer o ganho de peso e obesidade; aumentar os níveis de triglicerídeos, reduzir os níveis de HDL (colesterol bom), elevando o risco de doenças cardíacas; gerar resistência à insulina (o hormônio responsável pela regulação do açúcar no sangue) e isso pode levar ao desenvolvimento de diabetes tipo 2, contribuindo para a inflamação crônica no corpo.

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