Incontinência fecal: falta de controle da evacuação tem tratamento
Alexandre Raith
Colaboração para VivaBem
03/05/2024 04h05
Quem nunca deixou escapar um pum involuntariamente? Às vezes, a liberação dos gases intestinais resulta, também, na eliminação de fezes líquidas. Apesar de inconveniente, é normal sujar a roupa íntima em uma situação excepcional. Porém, pode ser constatada incontinência fecal nos casos de desarranjos frequentes, sem que a pessoa consiga segurar a evacuação.
A perda involuntária ou a incapacidade de controlar a eliminação de gases ou fezes de consistência líquida, pastosa ou sólida, de forma intermitente ou crônica, pode levar à:
depressão
insegurança
baixa autoestima
e até a problemas nas relações sociais e sexuais, devido à vergonha do odor ou pelo temor de que não chegará a tempo no banheiro
Além disso, o distúrbio motiva outros incômodos, como coceira anal, infecções do trato urinário, incontinência urinária, prolapso retal e hemorroida.
Nestes casos, é recomendado consultar o coloproctologista, que irá avaliar a gravidade do quadro, os sintomas e o tratamento adequado, que pode ser desde mudanças nos hábitos alimentares e uso de remédios até fisioterapia e cirurgia.
Portanto, procure um especialista para evitar constrangimentos e garantir qualidade de vida.
Como ocorre?
A incontinência fecal ocorre, na maioria das vezes, devido a uma incapacidade de controlar os esfíncteres do ânus —anel muscular controlado pelo sistema nervoso autônomo que pode ser contraído ou relaxado.
Hélio Antônio Silva, diretor de Comunicação da SBCP (Sociedade Brasileira de Coloproctologia), explica que o assoalho pélvico é composto por diversos músculos e pelos esfíncteres anais interno e externo, que formam uma estrutura que suporta os órgãos pélvicos e ajuda a controlar a evacuação.
O problema está justamente quando há perda do suporte muscular necessário para o controle adequado da função anal.
"O músculo puborretal, em particular, envolve o reto e se contrai formando uma angulação, ajudando a manter o conteúdo fecal no reto. Durante a defecação, ele relaxa e permite a passagem das fezes. Quando essa musculatura está enfraquecida ou danificada, pode ocorrer incontinência fecal", diz Silva.
Um universo de causas
As origens da incontinência fecal são inúmeras, desde enfraquecimento dos músculos do reto ou do ânus, alterações na fisiologia anorretal e doenças metabólicas até lesões obstétricas durante o parto, uso indiscriminado de laxantes e sexo anal.
O enfraquecimento da musculatura do períneo acontece nos casos de parto vaginal traumático, lesões do assoalho pélvico e cirurgias nesta região, pois comprometem a função dos músculos, afirma o coloproctologista da SBCP.
Nas anomalias congênitas, como malformações anorretais, a incontinência fecal ocorre desde o nascimento por causa de defeitos na anatomia.
Alterações na estrutura muscular do assoalho pélvico surgem também no envelhecimento e em quadros de hérnia de disco na região lombar, devido à compressão dos nervos que controlam os músculos.
Já a retirada do reto para tratamento de câncer colorretal pode resultar na remoção parcial ou total do músculo puborretal, o que prejudica o controle do esfíncter anal, e a remoção da próstata pode danificar os nervos e a estrutura muscular.
As mulheres têm um risco em potencial. O uso de fórceps ou a episiotomia são capazes de aumentar a pressão intra-abdominal durante o parto e, assim, distender os músculos do assoalho pélvico. "Estudos demonstram que até 30% das que passam por parto vaginal apresentam incontinência fecal leve a grave. A episiotomia aumenta o risco em duas a três vezes", comenta Silva.
Guilherme Zupo, coloproctologista da BP - A Beneficência Portuguesa de São Paulo, lembra que inflamações intestinais também causam falta de controle da evacuação, como doença de Crohn e retocolite ulcerativa. Ele cita ainda a retite (inflamação da mucosa do reto ou do ânus) como fator de risco para a dificuldade de reter as fezes.
Em relação às doenças metabólicas, "uma complicação comum e séria da diabetes mellitus é a neuropatia, que é o dano causado em nervos devido ao alto nível de glicose no sangue ao longo do tempo. Quando os nervos pélvicos são acometidos, a incontinência fecal é uma das possíveis manifestações clínicas", comenta Zupo.
Existem outras causas menos evidentes. O costume de tomar laxante ao longo da vida pode causar incontinência fecal. O uso excessivo e indiscriminado leva à perda da sensibilidade retal, distensão do reto e desequilíbrio da flora intestinal. Outros medicamentos, como antipsicóticos, antidepressivos e anticonvulsivantes influenciam nas alterações motoras e de sensibilidade na pelve, quando ingeridos sem controle médico.
Já as alergias e intolerâncias a certos alimentos provocam diarreia crônica e, portanto, alterações na motilidade intestinal, irritação da mucosa retal e desequilíbrio da flora intestinal.
O sexo anal também pode provocar lesões nos músculos do assoalho pélvico e nos esfíncteres anais. Mas não se prive de tal prazer. Isso acontece apenas se praticado de forma vigorosa ou sem lubrificação adequada.
Perca a vergonha e faça o diagnóstico
Especialistas afirmam que grande parte das pessoas que sofrem de incontinência fecal não procura o médico por vergonha. A consulta acontece, na maioria das vezes, quando o quadro está avançado e o dia a dia, repleto de constrangimentos.
O diagnóstico se inicia com o exame físico proctológico. A inspeção perianal verifica alterações na região do ânus e do reto, além da presença de lesões e hemorroidas.
Outro recurso é a ultrassonografia endorretal, que permite avaliar um possível prolapso retal, o posicionamento dos órgãos pélvicos e a espessura dos músculos. A ressonância do assoalho pélvico, no entanto, é mais assertiva para confirmar se existe uma lesão muscular, diz Paulo Frederico Costa, coloproctologista do Hospital Português (BA).
Ele acrescenta que o exame essencial na avaliação do distúrbio é a manometria anorretal. "É feito em consultório com a introdução de uma sonda, para verificar a pressão da musculatura dos esfíncteres interno e externo. Também conseguimos averiguar se há uma assimetria, ou seja, se há perda de força de um lado ou de outro dos esfíncteres", afirma Costa.
Já a eletroneuromiografia verifica como os músculos reagem em repouso e na contração, com a introdução de agulhas que fazem a eletroestimulação dos nervos da região sacral.
Qual é o tratamento?
Os tratamentos indicados dependem da frequência, do volume e da consistência da evacuação, ou seja, da gravidade do distúrbio.
Primordial para evitar qualquer problema de saúde, a mudança dos hábitos alimentares é o primeiro recurso. A desejada regulação do trânsito intestinal depende do aumento do consumo de fibras e líquidos e a diminuição de gorduras, açúcares e álcool.
Para acompanhar, os especialistas recomendam a ingestão de medicamentos que melhoram a consistência das fezes e reduzem a perda involuntária.
A fisioterapia pélvica é indispensável para o tratamento, dizem os especialistas, com a realização dos exercícios de biofeedback. Trata-se de uma técnica de conscientização e relaxamento que ajuda a controlar a contração muscular, fortalecer os músculos da pelve e regular o desequilíbrio das funções fisiológicas.
Já a eletroestimulação consiste na colocação de eletrodos na superfície do períneo ou dentro do canal anal. Os condutores servem para recuperar a função muscular do assoalho pélvico e, assim, aumentar resistência de contração.
Se todos os tratamentos anteriores não derem resultado, recorre-se a intervenções cirúrgicas. Entre as alternativas estão a reparação dos músculos comprometidos e das lesões no esfíncter anal, a implantação de um esfíncter artificial ou a neuromodulação sacral. Este último método consiste na introdução de um aparelho que estimula, com impulsos elétricos, o nervo sacral que controla os movimentos intestinais relacionados à função anal.