Desgaste emocional e luto: como foi o meu processo de congelar óvulos
Baixa reserva ovariana. Aos 35 anos, o meu desejo de gerar um filho no futuro foi frustrado por esse possível diagnóstico há quase um ano. A condição pode ter impactado o meu processo de congelamento de óvulos: de seis coletados, apenas três alcançaram a maturidade suficiente para serem congelados.
Para aumentar as chances de uma gravidez via fertilização in vitro, os médicos recomendam, se for possível, que entre 12 e 15 óvulos sejam preservados.
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"Não é que de 10 óvulos, a gente vai ter 10 embriões para 10 tentativas. A conta é mais ou menos assim: a cada quatro óvulos, a gente tem um embrião para uma tentativa de fertilização", explica a ginecologista e obstetra Melissa Cavagnoli, que trabalha com reprodução humana há 15 anos e é diretora da clínica Hope.
A resposta aos estímulos hormonais variam de pessoa para pessoa. Nem mesmo os sintomas físicos que podem surgir são unanimidade. O que é mais concreto é que tudo leva em torno de 15 dias a partir do início das medicações. Confira a seguir detalhes de como foi o meu processo e perguntas e respostas dadas por especialistas.
Quando a reserva ovariana começa a diminuir?
A partir dos 35 anos a quantidade e qualidade dos óvulos têm uma queda acentuada e o ovário inicia o seu processo de envelhecimento, explica o médico Alvaro Pigatto Ceschin, presidente da SBRA (Associação Brasileira de Reprodução Assistida), que atua há 30 anos nessa área. As chances de gravidez também registram declínio a partir dessa idade.
O número total de óvulos é definido durante a nossa gestação. A cada menstruação esse número diminui. Não há nada que se possa fazer para produzir um novo durante a vida. "É que nem uma poupança de dinheiro. Se você gasta e não economiza, não repõe, você vai à falência. A falência ovariana é a menopausa, que ocorre mais ou menos depois dos 50 anos", resume Cavagnoli.
Como saber se a reserva ovariana é baixa ou alta?
Por dois exames principais:
- Hormônio anti-mülleriano: via exame de sangue (alguns convênios médicos não o cobrem). Ele indica a taxa de fertilidade. Quanto menor for o índice, menos óvulos são produzidos.
- Ultrassom: para análise da quantidade de folículos (simplificando, a casa dos óvulos) em um determinado período do ciclo menstrual.
Os resultados combinados indicam possíveis condições de fertilidade. A partir disso, os médicos definem estratégias dentro das técnicas de reprodução assistida. Foi no resultado do primeiro exame que fui informada de que o meu índice se encontrava num ponto de atenção. Em um ano e meio, o fiz duas vezes. Nesse período, o resultado apontou uma queda, sinalizando o que os médicos entendem como natural a partir dos 35 anos.
"Por isso é importante que a mulher verifique a saúde e a reserva ovariana antes mesmo de decidir se deseja ou não ter filhos. Isso pode ser feito com 25, 30 anos, em qualquer idade. Entender o gráfico de normalidade a partir dos dois exames é o recomendado", ressalta Ceschin.
Quando se tem o diagnóstico de reserva ovariana abaixo do esperado antes dos 35 ou se a pessoa apresenta alguma condição de saúde que interfira no ciclo reprodutivo, há uma orientação médica formal para o congelamento de óvulos, acrescenta o médico: "Há uma tendência de os ovos acabarem antes do tempo."
A ginecologista e obstetra dá um exemplo prático:
- O anti-mulleriano registrou 0,8 ng/mL e o ultrassom exibe cinco, seis folículos: indica uma reserva ovariana menor, mais enxuta.
- O exame registrou 5 ng/mL e o ultrassom mostrou 26 folículos: demonstra uma reserva bastante alta.
"Bato muito na tecla de que aos 30 anos de idade a gente precisa fazer a avaliação da reserva, mesmo que a pessoa nem tenha decidido ainda engravidar ou não. Se você tiver essa reserva baixa e as condições forem possíveis, ou você já se programa para tentar engravidar logo ou você se planeja para coletar os seus óvulos. Se você tiver uma reserva ótima, talvez você possa adiar a sua decisão", completa a médica.
Dá para engravidar com menos óvulos?
Sim, ressalta Cavagnoli. O que impacta é a probabilidade, as chances diminuem, mas não são descartadas.
Ainda não fiz outros ciclos de estimulação ovariana para tentar atingir a média de 15 óvulos congelados, pois não foi financeiramente viável (é preciso pagar por tudo novamente para cada ciclo de estimulação ovariana) e pelo desgaste emocional, que envolve lidar com um quase luto antecipatório pelo que pode novamente resultar em poucos óvulos.
E não nego que existiu uma frustração com o resultado. Investi minhas fichas —e poupança de anos de trabalho— nessa primeira vez acreditando que seria suficiente. Não me arrependo e faria tudo novamente, mas foi preciso seguir e recalcular a rota no objetivo de uma possível maternidade no futuro —que segue em pausa, após um ano do processo.
Como é congelar os óvulos
1. Exames. Depois de uma bateria de análises de sangue e de imagens, os médicos avaliam se a pessoa está apta a iniciar. A partir do uso dos medicamentos, o processo de estimulação ovariana e coleta dos óvulos dura em torno de 15 dias.
2. Medicações. Autorizado o processo, as medicações são definidas para estimular os ovários. O objetivo é que mais folículos se desenvolvam dentro do mesmo ciclo menstrual.
Utilizei remédios via oral e injeções de hormônios aplicadas por mim. Como algumas precisam ser mantidas em ambiente refrigerado (como geladeira) e exigem higienização adequada, se for possível, é melhor calcular um horário que você esteja todos os dias em casa —eu optei por 23h.
3. Acompanhamento. A cada dois ou três dias é preciso voltar ao consultório para monitorar o crescimento dos folículos via ultrassom. É recomendado reduzir o ritmo de atividades físicas de impacto, manter alimentação equilibrada, dormir bem e tomar o mínimo possível de bebida alcoólica, explica Cavagnoli.
No 14º dia do tratamento, a médica que me acompanhou optou por manter algumas das medicações por mais dois dias para ver se mais folículos ficavam maiores para a coleta. Foi então que precisei pagar por mais um medicamento injetável —bem caro e que não estava nos meus planos financeiros. Por isso é válido se planejar também para ter um dinheiro extra se as suas condições permitirem —algumas clínicas parcelam parte do tratamento.
Como só precisei tomar uma dose de um injetável, descobri que a clínica tinha um espaço para doação de medicamentos, e que o meu poderia ser utilizado por mulheres doadoras de óvulos (elas costumam ter descontos no procedimento todo).
3. Coleta. Foi mais tranquilo do que imaginei. É feita com anestesia geral, com a paciente sedada. É preciso levar um acompanhante e estar em jejum. Não durou mais do que 20 minutos, fui informada antes de ter alta.
A recuperação foi bem tranquila. Após um dia de afastamento médico, descansei no final de semana. Na segunda-feira retornei às atividades do trabalho presencialmente.
"É importante dizer que os hormônios não se acumulam no corpo por muito tempo. Ele começa a cair e quando você menstrua, já não terá mais no seu corpo", afirma Cavagnoli.
4. Resultado. Após análise laboratorial, é informado o número final de óvulos maduros aptos ao congelamento, que pode ser mantido por tempo indeterminado. Se a pessoa quiser transferir os óvulos e/ou embriões de clínica e de cidade, é possível.
Existe também a possibilidade de doação de óvulos congelados até os 37 anos, acrescenta o presidente da SBRA.
Sintomas e riscos
As reações do corpo podem ser parecidas com a de uma TPM (tensão pré-menstrual) mais prolongada, explica Cavagnoli. Mas é importante reforçar que a pessoa pode ou não sentir algo. Eu, por exemplo, tive alguns episódios de dor de cabeça, mas não tive dores nas mamas —que pode ocorrer.
Quanto ao humor, fiquei mais sensível ao choro, mas não a raiva. Na região do útero, mais para o final dos 15 dias, comecei a notar uma sensibilidade maior, principalmente ao caminhar. Leves pontadinhas, algumas vezes no ovário direito, outras no ovário esquerdo.
A região do abdome pode ficar um pouco maior devido ao aumento do ovário, acrescenta a ginecologista. Entre os riscos observados, estão:
- Hiperestimulação ovariana, que pode resultar em ovários aumentados e desconforto abdominal. Segundo Cavagnoli, mulheres com uma reserva de óvulos muito grande podem apresentar esse risco. "A gente tem níveis mais leves a moderados, e consegue controlar com repouso e medicação para dor, se for preciso. É um risco, mas um risco que costuma ser bem controlado."
- Trombose, apesar de ser baixo. Por isso os médicos devem solicitar exames para todas as trombofilias antes de começar o tratamento, completa o presidente da SBRA. Eles indicam o risco aumentado de a pessoa desenvolver trombose.