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Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


'Chegam em choque': como são os 'primeiros socorros psicológicos' no RS

Pessoas resgatadas em Canoas; vítimas recebem atendimento psicológico Imagem: Amanda Perobelli/ REUTERS

De VivaBem, em São Paulo

07/05/2024 08h47Atualizada em 07/05/2024 09h59

As pessoas estão atônitas. As que só agora foram resgatadas chegam em choque, desidratadas e em desespero, quase perderam a esperança de serem socorridas. É um cenário desolador.

O relato é da psicóloga Marina Pombo, que tem atravessado Porto Alegre para atendimentos nos últimos dias. Ela é uma dos mais de 5 mil psicólogos em atuação no Rio Grande do Sul após o desastre das enchentes que atingiu 364 municípios, afetou mais de 870 mil pessoas e deixou 83 mortos.

De pessoas com parentes desaparecidos a quem teve que deixar animais de estimação para trás: são diferentes os níveis de sofrimento em uma tragédia como a do Rio Grande do Sul.

Nas primeiras horas do desastre, narra a psicóloga, os profissionais trabalham com os primeiros socorros psicológicos. "Não é uma abordagem interpretativa, não é fazer a pessoa pensar no desastre ou refletir sobre. A pessoa está em choque, então os primeiros cuidados psicológicos fazem parte de uma linha psicossocial, de escuta e acolhimento, recolher informações para direcionar suas necessidades básicas."

Em uma escuta, por exemplo, uma pessoa me disse que estava há dias sem beber água, então fomos providenciar isso para ela. Outro rapaz estava desolado por ter deixado seu cachorro, então fomos buscar informações com organizações de acolhimento de animais para ter notícias. É ouvir a dor do outro, sem desmoronar junto.

Nas situações de calamidade e emergência pública, o trabalho dos profissionais em saúde mental é muito diferente das consultas individuais em consultórios reservados, explica a psicóloga.

Essa ideia da psicologia como a pessoa que trabalha no consultório é muito pequena. Isso é apenas uma parte. Há muitos profissionais que trabalham em centros de população de rua, por exemplo.
Marina Pombo

'Perceber o que querem falar'

Luciana Fossi, psicóloga do Caps de Dois Irmãos, tem atendido pessoas desabrigadas do município vizinho, São Leopoldo. "Primeiro elas passaram por um local onde puderam receber roupas e kits de higiene, tomar banho e receber uma avaliação de equipe de enfermagem. Tive um contato em um segundo momento, quando elas chegaram ao alojamento definitivo, sem o primeiro choque da situação."

É um momento em que o profissional precisa ter sensibilidade de perceber o que elas querem falar ou se querem se reservar, não pode ser mais uma conversa para que elas repitam sua história e seus dados, já esgotadas de falar.
Luciana Fossi

Cada pessoa expressa o sofrimento psíquico de maneira única, diz Luciana. "Tem vítimas que não conseguem falar sobre e outras que querem desabafar. Essa situação de estresse agudo, perdas e traumas pode gerar reações diversas, seja de tristeza e sintomas depressivos; negação, como não conseguir falar do tema; ou choque, quando é nítido que a pessoa está desorganizada e chocada com o que ela percebeu que viveu."

O importante é não patologizar [transformar em doença] nenhuma dessas reações. É uma reação psicológica diante de uma catástrofe que não pode ser considerada doença psiquiátrica: são reações esperadas.
Luciana Fossi

Poder público recruta psicólogos voluntários

O governo estadual fez um formulário de cadastro de psicólogos voluntários, que tem recebido cerca de 900 inscrições por dia. A partir desse cadastro, o governo informou que os profissionais têm sido chamados gradualmente para atuar. Paralelamente a isso, grupos da sociedade civil se organizam para atender a demanda também. Equipes de saúde mental da Secretaria Estadual de Saúde do governo do Rio Grande do Sul têm atuado em articulação com o Conselho Regional de Psicologia (CRP).

Os voluntários devem atuar apenas com o poder público, diz o psicólogo Diego Gonçalo, coordenador do grupo de trabalho em psicologia em emergência e desastres do CRP. "A saúde mental nessa situação não se detém apenas na escuta, como temos essa fantasia de um psicológico com uma única pessoa no consultório", explica ele.

É um trabalho em emergência que precisa ser coordenado em equipe e com o poder público. Nossa atuação é para orientar as psicólogas que desejarem se voluntariar nesse momento de crise.
Diego Gonçalo, psicólogo

O CRP também vai ter uma programação de webinários para orientar a categoria em como prestar os primeiros cuidados psicológicos em calamidades públicas. "O site da SES está recebendo muita demanda e voluntários. São principalmente recém graduados sem experiência em situação de emergências e desastres. Psicólogos só podem atuar quando estão preparados tecnicamente, teoricamente e pessoalmente para a situação", explica.

Não é apenas ir e fazer escuta terapêutica. Nossa atuação é coordenada com órgãos públicos para ser articulada com a comunidade, com o território, com os profissionais de diversas áreas da saúde coletiva.
Diego Gonçalo

Os profissionais da saúde mental atuam desde as primeiras horas, na prevenção de adoecimento e para lidar com lutos e desaparecimentos, por exemplo. O trabalho também envolve preparar a população atingida para sua reorganização. "É uma zona de guerra, uma zona quente. A psicologia em emergência e desastre precisa trabalhar a longo prazo para reconstruir o funcionamento das comunidades. O trabalho voluntário precisa ser coordenado para andar na mesma direção."

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