O que acontece no nosso corpo pouco antes e logo depois da morte
Cristina Almeida
Colaboração para VivaBem
07/05/2024 04h05
Ninguém gosta de falar sobre a morte, mas este momento marca o instante final de todas as complexas funções do nosso corpo, o que pode ser constatado por meio da ausência total e permanente da respiração e dos batimentos cardíacos e/ou pulso.
Quando esse momento se aproxima, os sistemas do organismo vão reduzindo paulatinamente o seu funcionamento, e isso leva a mudanças específicas. A partir daí, é difícil prever o tempo de duração desse processo de deterioração, que variará de 24 horas até 2 semanas.
Em alguns casos, as alterações acontecem rapidamente e sem muitos sintomas, em outros, elas podem ser mais lentas e causarão maior desconforto.
A expectativa de vida média no Brasil é de 75,5 anos (homens, 72; mulheres 79). Dados do IBGE.
Doenças cardiovasculares, AVC, DPOC (doença pulmonar obstrutiva crônica), câncer e diabetes estão entre as principais causas de morte em todo o mundo.
Homicídios (30,5%), acidentes em transportes (23,5%), quedas (11,3%) e suicídio (10,4%) lideram o ranking das mortes não naturais no Brasil.
Os próximos anos devem ser marcados pelo aumento de óbitos como reflexo do envelhecimento da população.
Os possíveis efeitos
A aproximação da morte é caracterizada por uma série de eventos que culminam com o "desligamento" total das funções orgânicas encarregadas de promover a vida e que são gerenciadas pelo cérebro, respiração, batimentos cardíacos e outros órgãos vitais como os rins e o fígado.
Quando o término da vida se aproxima, podem ser observadas as seguintes mudanças:
Perda do apetite, dificuldade para engolir e tomar medicações
Com as alterações causadas pelo curso da doença que pode estar levando à morte, ou mesmo pelas mudanças metabólicas naturais ao processo do morrer, pode não haver necessidade de se alimentar ou a fome e a sede desaparecem.
Se não houver limitações para engolir e a pessoa desejar comer, nada impede essa prática, desde que seja autorizada pelos profissionais de saúde encarregados pelos seus cuidados.
O uso de alguns medicamentos podem ser suspensos. Quando há dificuldade para engolir, as medicações que ainda se fazem necessárias serão administradas pelas vias intravenosa ou subcutânea, para evitar repetidas injeções.
Mudanças na respiração
A essa altura, o organismo já não necessita de tanto oxigênio e alterações neurológicas entram em ação para mudar o padrão respiratório.
A frequência respiratória —que geralmente é compassada— passa a ter pausas.
A respiração pode se tornar curta, lenta ou ligeiramente rápida.
Outra possibilidade é que a respiração cause um barulho estranho, resultado da concentração de fluídos do peito e da garganta que não conseguem se desprender por meio da tosse. Para aliviar tal condição, mudar a posição da pessoa é uma alternativa, bem como uso de medicamentos específicos para controle da falta de ar.
Cansaço extremo ou fraqueza
Outra característica dos momentos anteriores da morte é que as pessoas tendem a ficar sonolentas. Como o cérebro vai reduzindo seu trabalho, poderão estar presentes períodos de inconsciência curtos ou longos. Quando despertos, esses indivíduos pouco interagem.
Os especialistas consultados afirmam que, apesar do estado geral dessas pessoas, elas são capazes de ouvir e sentir. Portanto, você pode estar por perto, segurar as mãos e dizer palavras de conforto se assim desejar.
Mudanças na cor da pele e na temperatura
Alterações hemodinâmicas levam à queda da pressão e da temperatura corporal.
A pele fica fria, pálida, com aspecto marmorizado. Esses estados podem ser alternados por sensação de calor. Pés e mãos podem se tornar frios ou úmidos.
Confusão ou agitação
Esses sintomas podem ter diferentes causas —desde as mudanças das funções cerebrais, uso de determinados medicamentos, dor, dificuldades para urinar, posição do corpo no leito, entre outras situações.
Apesar do estresse que essas manifestações causam, se a pessoa estiver em um hospital, converse com os profissionais de saúde para que se investigue a origem dessas manifestações.
Imediatamente após a morte...
... são observadas as características abaixo descritas. Saber reconhecê-las é importante, especialmente quando a morte ocorre fora do hospital:
Ausência de movimentos respiratórios.
Ausência de batimentos cardíacos/pulso.
Ausência de resposta a estímulos verbais ou táteis.
Perda do tônus muscular: esse relaxamento imediato da musculatura permitirá por algum tempo a movimentação da pessoa. Horas depois, aparecerá a rigidez (rigor mortis).
Olho ligeiramente aberto: os olhos parecem fixados em um determinado ponto; as pupilas permanecem dilatadas.
A mandíbula relaxa e a boca fica entreaberta.
Queda da temperatura e palidez.
As extremidades do corpo podem mudar de cor, tornando-se arroxeados (a depender da causa da morte, essa característica não estará presente).
Os tipos de óbito
Para fins médico-legais, a morte é classificada de acordo com a suas causas naturais, não naturais e cerebral (encefálica). Confira suas características:
Natural: a causa de origem é uma doença ou situações médicas dela decorrentes.
Não natural: também chamada de causa externa, ela decorre de lesões provocadas por violência (homicídio, suicídio, acidente, morte suspeita).
Cerebral ou encefálica: é a perda permanente da capacidade para realizar todas as funções vitais, inclusive respirar. Nesses quadros, o coração pode até bater. Para declarar a morte encefálica, porém, o médico deverá colocar em prática algumas medidas como o exames para avaliar movimentos, resposta a estímulos dolorosos, etc.
Outros procedimentos, como, por exemplo, a observação das atividades elétricas cerebrais (eletroencefalograma), podem ser realizados para atestar a morte cerebral.
Morrer dói?
A maioria dos especialistas consultados afirma que sim. Caso se trate de uma doença como o câncer, independente do órgão afetado, geralmente o incômodo acompanha o processo. Já quem tenha doença renal crônica poderá não tê-lo, mas terá outros como a falta de ar decorrente da sobrecarga de líquidos que não podem ser filtrados.
No entanto, o sofrimento psicossocial e existencial estará presente, exceto quando o quadro de saúde prive a pessoa de sua capacidade cognitiva. E essas dores estão além da ação de medicamentos analgésicos.
Cabe ao profissional que assiste à pessoa nessas condições saber diferenciar se a dor física decorre do estágio da própria doença ou se ele é uma nova manifestação.
No ranking da qualidade de morte, o Brasil se encontra na 42ª posição, entre os 80 países avaliados. O primeiro lugar ficou com o Reino Unido.
Cuidados paliativos
Eles são definidos como uma abordagem voltada para a melhoria da qualidade de vida de pessoas de todas as idades e suas famílias que estejam enfrentando alguma enfermidade grave, aguda ou crônica que ameace a vida, e cujo desfecho esperado é a morte. Esta não precisa ser imediata, mas decorrerá do curso natural da doença.
Em geral, um time de profissionais da saúde trabalha junto para prevenir e aliviar o sofrimento causado pela doença e por outras dimensões relacionadas: psicológica, social, espiritual.
Outro objetivo dos cuidados paliativos é conferir dignidade à vida, em todas as suas fases (não só no final dela como se acredita), respeitando valores e preferências de tratamento do paciente e sua família, tais como o desejo de morrer —em casa ou no hospital, com todos os procedimentos que esse ambiente envolve, por exemplo.
O Ministério da Saúde recentemente aprovou a Política Nacional de Cuidados Paliativos no SUS (Res. nº 729, de 7 de dezembro de 2023), mas alguns serviços públicos já oferecem esse tipo de atendimento.
A ANCP possui um atlas com todos eles, que você pode consultar aqui:
https://paliativo.org.br/onde-encontrar-cuidados-paliativos-no-brasil/.
Para quem assiste alguém que está enfermo de uma doença ameaçadora capaz de determinar o final da vida, as emoções podem se alternar entre uma profunda tristeza, ansiedade, medo e até alívio, especialmente quando o óbito ocorre. Ter o apoio de uma equipe para acolher seus sentimentos pode ajudar a reduzir esses desconfortos.
Fontes: Natan Chehter, clínico geral e geriatra membro da SBGG (Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia) e do Hospital Estadual Mário Covas, em Santo André (SP); Vanise Barros Rodrigues da Motta, anestesiologista e paliativista (adulto, pediátrico e perinatal), integra o corpo clínico do HU-UFMA (Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão), que integra a rede da Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares); Viviane Bernardes de Oliveira Chaiben, médica intensivista, chefe do Serviço de Terapia Intensiva do Complexo Grupo Marista, em Curitiba, e professora da Escola de Medicina e Ciências da Vida da PUC-PR, coordenadora da residência de medicina intensiva do Hospital Universitário Cajuru. Revisão médica: Vanise Barros Rodrigues da Motta.
Referências:
Ministério da Saúde
Ministério da Justiça e Segurança
OMS (Organização Mundial da Saúde)
SBGG (Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerentologia)
ANCP (Academia Nacional de Cuidados Paliativos)
IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística)
Teoli D, Schoo C, Kalish VB. Palliative Care. [Atualizado em 2023 Fev 6]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2024 Jan-. Disponível em https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK537113/
Oates JR, Maani CV. Death and Dying. [Atualizado em 2022 Nov 29]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2024 Jan-. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK536978/
Swiss Academy Of Medical Sciences. Medical-ethical guidelines: Management of dying and death. Swiss Med Wkly. 2018 Nov 30;148:w14664. doi: 10.4414/smw.2018.14664. PMID: 30499582. Disponível em https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/30499582/.