Remédio chegou de barco: força-tarefa atende pacientes crônicos no RS
O estado de calamidade no Rio Grande do Sul tem afetado pessoas com doenças crônicas que não poderiam estar em abrigos ou estão com dificuldades para acessar o tratamento. A solução vem de uma força-tarefa que mobiliza voluntários e profissionais de saúde.
Lisane Weizenmann, 47, tem síndrome mielodisplásica, doença que afeta as células do sangue. Ela mora no interior de Arroio do Meio e faz tratamento com um remédio que vem de um hospital da cidade vizinha, Lajeado. Mas as duas pontes que interligam os municípios caíram com a força das águas do Rio Forqueta.
"Para que meu medicamento chegasse, foi preciso ajuda do posto de saúde da minha cidade. Um dos funcionários se deslocou até Lajeado fazendo a travessia de barco", contou ao UOL.
A entrega do medicamento ainda foi difícil, pois, a princípio, não havia caixa de isopor com gelo para armazená-lo.
No fim, deu certo. Conseguiram o armazenamento adequado e o profissional de saúde retornou a Arroio do Meio de barco.
"O remédio foi entregue nas minhas mãos na quinta-feira de manhã e hoje (sexta-feira, dia 10) eu fiz a aplicação. Sem essa medicação, minha medula não resiste e me deixa anêmica."
Situação semelhante vive Thiago Antonio da Silva, 34. Morador de Gravataí, ele faz uso contínuo de um medicamento para tratar leucemia mielóide crônica, um tipo de câncer sanguíneo. O município fica a 30 km de Porto Alegre, onde pega a medicação todo mês. Mas a capital gaúcha está inundada.
"Com as enchentes, o acesso a Porto Alegre está somente por outra cidade, mas o ônibus não está indo e o trânsito está muito caótico", relata.
Ele tem uma reserva do remédio para duas semanas e prevê uma entrega, por meio da Abrale (Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia), para esta terça-feira (14).
Mobilização
Na semana passada, instituições de apoio a pessoas com câncer se uniram para mapear as necessidades desse público no RS. O Instituto Camaleão, de Porto Alegre, lançou um formulário com esse propósito e, em uma semana, já coletou mais de 600 respostas.
A organização se juntou ao IGCC (Instituto de Governança e Controle do Câncer), à Abrale e ao movimento TJCC (Todos Juntos Contra o Câncer) para formar a ação Força Onco RS.
"Montamos um grupo de voluntários, que está compilando as respostas por hospital e encaminhando diretamente para uma pessoa dos centros de tratamento", diz Flavia Maoli, fundadora do Instituto Camaleão.
Quem não consegue sair de casa para fazer o tratamento ou buscar remédio pode tentar contato direto com o centro de tratamento, mas ela orienta preencher o formulário também (link aqui).
"Como conseguimos conectar diretamente com as equipes de oncologia dos hospitais, já estamos recebendo retorno das instituições e dos pacientes de que responder ao formulário está ajudando a agilizar o contato", afirma Maoli.
Entre as principais demandas dos pacientes estão:
- Falta de medicamento;
- Necessidade de sair do abrigo, por risco de agravamento;
- Dúvidas sobre como remarcar consultas;
- Pessoas que podem receber alta, mas não têm para onde ir.
Luana Lima, coordenadora do TJCC, explica que nos abrigos há pessoas com condições de saúde variadas. Quem fez transplante ou está em tratamento de câncer tem a imunidade baixa e não poderia estar junto delas, sob risco de agravar um quadro delicado.
"Uma pessoa com leucemia crônica, por exemplo, que não está em uso de medicamento, pode evoluir para necessidade de transplante", diz Lima.
Maoli diz que a força-tarefa já conseguiu abrigo para alguns pacientes e resolver algumas das demandas de medicamentos e alimentação. "É um trabalho que está contando com muitos voluntários engajados. Estamos tentando otimizar ao máximo pela urgência dos pacientes."
Em meio às dificuldades de agora, Lima já prevê o desafio futuro. "As pessoas estão sem acesso à internet, sem telefone. Daqui a pouco, vai ter um número maior de pacientes que necessitam de atendimento, que estavam esperando diagnóstico, que estavam na fila de consulta, que tiveram agravamento por serem atingidos pela enchente. Precisamos agora fortalecer a rede para atender essa situação futura."
Desafio nas clínicas de diálise
A ABCDT (Associação Brasileira de Centros de Diálise e Transplantes) contabiliza cerca de 4 mil pacientes com doença renal crônica nas regiões atingidas por enchentes.
São pessoas que precisam fazer diálise ao menos três vezes por semana em clínicas especializadas. Mas devido às cheias, ou não conseguem se deslocar até o centro de saúde ou o espaço médico não tem condições de atender pela falta de insumos.
Assim, uma mobilização junto à Defesa Civil, Corpo de Bombeiros, Forças Armadas e empresas conseguiram prover as clínicas com itens específicos. Também foi possível resgatar pacientes por helicóptero para que fossem tratados em outras cidades.
Mas ainda faltam recursos gerais, como luvas, esparadrapos e soro fisiológico. "Com a indústria, tentamos entregas direcionadas de acordo com a urgência, ou seja, quem está sem material para hoje ou amanhã", diz Leonardo Barberes, nefrologista e vice-presidente da ABCDT.
O médico também relata o desafio financeiro. "Gestores estaduais e municipais precisam priorizar o pagamento das clínicas que ainda não receberam." Segundo ele, algumas clínicas têm atendido um número maior de pacientes de outras cidades, o que aumenta o custo operacional.
Doação de remédios
A Colabore com o Futuro, em parceria com ONGs, conversou com parlamentares para solicitar leitos e encaminhamento de remédios aos pacientes, já com demanda atendida.
A atuação de organizações da sociedade civil também resultou em um fluxo para doação de medicamentos.
Quem pode doar medicamentos? ONGs, laboratórios farmacêuticos, distribuidoras de medicamentos e municípios. Não serão aceitas doações de pessoas físicas.
Como doar? Doadores devem enviar por e-mail quais itens têm para doação, com a quantidade, apresentação, lote e validade (que deverá ser superior a três meses). E-mail: doacoes-medicamentos@saude.rs.gov.br
Deixe seu comentário