Chikungunya tem subnotificação e já mata mais que dengue; como diferenciar?

Enquanto o Brasil enfrenta uma epidemia de dengue sem precedentes, a chikungunya, outra arbovirose com sintomas muito semelhantes, pode estar passando despercebida.

Foi o que sugeriu uma carta científica publicada no periódico The Lancet, no dia 30 de abril, feita por três pesquisadores brasileiros.

O texto apresenta dados do estado de Minas Gerais para ilustrar a disparidade entre os casos notificados oficialmente e os casos reais estimados, sugerindo que o chikungunya é subestimado e que os diagnósticos têm sido ofuscados pelo foco na dengue.

"Descrevemos uma subnotificação em relação ao número absoluto de casos. Percebemos que, em diversas epidemias, a contagem não tem sido precisa. Isso ocorre, em parte, devido à confusão com a dengue, o que leva a uma investigação inadequada", descreve André Ribas, um dos autores da carta.

Os autores sugerem que essa subnotificação pode estar ocorrendo em outras regiões do Brasil e da América do Sul.

O Ministério da Saúde divulgou, nesta terça-feira (14), que pelo menos 102 pessoas morreram após serem infectadas pelo vírus Chikungunya no Brasil em 2024. Há ainda 106 óbitos em investigação. A secretária de Vigilância em Saúde e Ambiente da pasta, Ethel Maciel, alertou à Agência Brasil que a doença registra, neste momento, maior letalidade mesmo quando comparada à dengue.

"Temos 182.873 casos prováveis de chikungunya. Bastantes casos. Temos 102 óbitos confirmados e 106 em investigação. Uma letalidade de 0,06 [para cada 100 mil habitantes]. É importante falar isso porque há uma tendência de se dizer que a chikungunya tem uma letalidade menor que a da dengue e não é isso que os dados estão mostrando neste momento", disse.

A letalidade da dengue no Brasil, de acordo com o boletim mais recente, é de 0,05 óbito para cada 100 mil habitantes.

Sintomas são parecidos

"A subnotificação de casos de chikungunya, como mostrado pelos dados de Minas Gerais, sublinha a necessidade de sensibilização e capacitação contínua dos profissionais de saúde para reconhecer e diferenciar essas infecções", avalia Camila Ahrens, infectologista do Hospital São Marcelino Champagnat, que não tem relação com a pesquisa publicada no The Lancet.

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Ahrens diz que ambos os vírus causam febre, dor de cabeça, dores musculares e articulares.

O quadro de chikungunya, no entanto, é mais associado a dores intensas e prolongadas nas articulações, que podem persistir por semanas ou meses, e menos frequentemente causam hemorragias, um sintoma mais comum na dengue.

Já a dengue, explica a médica, quando evolui para formas mais graves, causa sangramentos, vazamento de fluidos e quedas na pressão arterial.

"Essa falta de distinção entre as doenças gera um problema. Não é exclusivo do Brasil; outros países das Américas também enfrentaram desafios semelhantes", complementa Ribas, que é médico epidemiologista e professor da Faculdade São Leopoldo Mandic de Campinas.

Além disso, explica, poucos médicos estão familiarizados com as formas graves de chikungunya — algo que ele atribui, em parte, à falta de destaque nos documentos de saúde pública internacionais.

"Isso resulta em uma subestimação também do número de óbitos. Nosso trabalho, publicado na Lancet, focou precisamente nessa questão, e usamos o exemplo de Minas Gerais como ilustração."

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Como Minas Gerais jogou luz aos casos de chikungunya

Minas Gerais adotou o método de PCR triplex, um exame que, conforme explica o epidemiologista, detecta partículas virais com grande precisão e reduz os falsos positivos.

Outra vantagem do teste é a possibilidade de detecção de múltiplos vírus em um único exame.

"Se um médico suspeita de dengue e solicita esse exame de PCR, ele abrange automaticamente a detecção de dengue, chikungunya e zika, independentemente do vírus que o médico teoricamente acredita ser o causador", diz Ribas.

Analisando os resultados dos PCR triplex feitos no estado, os cientistas descobriram que a proporção de resultados positivos para chikungunya era significativamente maior do que para dengue, ao contrário do que indicavam os dados oficiais.

Os dados também mostram, adiciona Ribas, que cidades paulistas de Barretos e, este ano, São José do Rio Preto registraram cenários semelhantes.

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"Isso evidencia um padrão preocupante. Nos mostra que a verdadeira extensão do problema é desconhecida. Nosso questionamento, expresso na carta, é sobre a extensão do problema da chikungunya no Brasil em comparação com a dengue. Queremos entender qual é a proporção entre essas doenças nesta epidemia atual."

Até o momento, explica o médico, não se sabe qual a dimensão real de casos de chikungunya no Brasil atualmente.

Os perigos de tratar chikungunya como dengue

Antes do surgimento da chikungunya nas Américas, a ênfase estava exclusivamente na dengue, e a distinção entre as doenças não era uma preocupação.

Até 2013, a dengue era a única arbovirose transmitida por mosquitos do gênero Aedes no Hemisfério Ocidental.

Mas no fim de 2013, casos de chikungunya começaram a infectar populações nas Américas, causando epidemias de grandes proporções — com altas taxas de mortalidade em várias regiões — em 2014 e 2015.

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Mas mesmo após as ondas de novos casos, especialistas apontam que a dificuldade de diagnóstico correto permanece.

A médica Camila Ahrens alerta que há riscos em tratar chikungunya como dengue. "Especialmente em casos graves. O tratamento da dengue grave envolve hidratação agressiva, que pode ser prejudicial em casos de chikungunya que desenvolvem complicações como choque cardiogênico ou encefalite", diz.

Além disso, segundo a médica, a falta de diagnóstico preciso pode impedir o tratamento direcionado para alívio dos sintomas articulares prolongados característicos da chikungunya.

Do ponto de vista dos vírus, dengue e chikungunya são completamente diferentes, explica o virologista Flávio Fonseca, professor no CTVacinas (centro de pesquisas em biotecnologia) e do Departamento de Microbiologia da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).

"A única coisa que eles têm em comum é o fato de que eles são transmitidos principalmente pelo Aedes aegypti, e secundariamente pelo Aedes albopictus. Dengue e chikungunya pertencem a famílias virais completamente diferentes, mas evoluíram numa convergência de forma que aproveitam o mesmo vetor e acabam causando sintomas muito semelhantes."

Em 2019, um grupo de cientistas do qual Flávio fez parte publicou um estudo que mostrava um cenário parecido: os casos de dengue — e na época também de zika vírus — mascaravam os diagnósticos de casos de chikungunya.

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"Em momentos como o atual, é muito difícil diagnosticar chikungunya porque a doença predominante é a dengue, e quando o teste dá negativo para quadro, não se faz a busca adequada por um segundo patógeno, que pode estar causando os sintomas."

Chikungunya é considerado 'mais mortal' do que dengue

"Embora a dengue possa ser fatal, especialmente nas formas hemorrágicas e de choque, a mortalidade geral é relativamente baixa se comparada com a da chikungunya, que pode causar complicações graves como encefalite e choque cardiogênico. Embora sejam manifestações mais raras, são muito graves e podem levar a uma taxa de mortalidade significativa", aponta Ahrens.

"A proporção de óbitos por chikungunya é cerca de 20 vezes maior do que os óbitos por dengue em algumas regiões", complementa Ribas.

A infectologista Camila Ahrens reforça testes laboratoriais bem empregado durante os surtos — e manter outros patógenos que não a dengue em mente — são passos cruciais para diferenciar as doenças e levar a um manejo clínico mais eficaz e direcionado.

Assim como a dengue, a chikungunya não tem um tratamento específico, e o suporte foca em aliviar os sintomas.

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"Ainda há muito a ser compreendido sobre a doença para direcionar adequadamente os esforços de pesquisa e desenvolvimento de vacinas. Reconhecer a gravidade da chikungunya é crucial para priorizar os investimentos em pesquisas laboratoriais e no desenvolvimento de vacinas", conclui André Ribas.

Errata:

o conteúdo foi alterado

  • Diferentemente do informado, dengue e chikungunya são transmitidos principalmente pelo Aedes aegypti, e secundariamente pelo Aedes albopictus. A informação foi corrigida.

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