'Com falta de ar e cansaço, achei que era da gravidez, mas era um câncer'
Jéssica Nascimento
Colaboração para VivaBem
18/05/2024 04h05
Talita Scupino, 28, viu sua vida virar de cabeça para baixo ao descobrir dois tumores nos ovários, um de 22 cm e outro de 10 cm. Os médicos deram a ela poucas esperanças de engravidar. No entanto, para surpresa de todos, apenas três meses após a cirurgia, Talita descobriu que estava grávida.
A alegria da gravidez, no entanto, logo se transformou em preocupação. Durante a gestação, Talita foi diagnosticada com um novo tumor nos ovários, que media 16 cm. A partir desse momento, ela iniciou uma verdadeira batalha, com internações, sessões de quimioterapia e uma série de medicamentos, tudo com um objetivo em mente: salvar a vida de sua filha. A Universa, ela conta sua história:
"Quando eu tinha 26 anos, descobri dois tumores nos meus ovários. Porém, não precisei retirar os dois ovários, tirei somente o direito, ficando um pedaço do ovário esquerdo. A médica disse que eu só poderia engravidar se fizesse algum tipo de tratamento ou se, por um milagre, conseguisse, pois como só tinha um ovário e ele já tinha sofrido pela cirurgia, seria difícil.
No entanto, não me cuidei, pois ela disse que só engravidaria com o tratamento. Passados três meses da cirurgia, descobri que estava grávida, um susto muito grande. Descobrir a gravidez após uma cirurgia tão recente foi um baque muito forte, mas fiquei feliz, pois sempre quis ser mãe, apesar de ter perdido a esperança pelo que a médica me disse.
"Acreditei que os sintomas eram da gestação, mas era o câncer"
Quando a gestação avançou, comecei a sentir muita falta de ar e cansaço, como era minha primeira gestação, achei que tudo isso era por causa da gravidez. Comecei a passar mal e fui ao médico fazer exames, mas ninguém encontrava o problema. Até que um dia fiz uma ultrassonografia e o médico disse que meu abdome estava com bastante líquido, mas não sabia dizer o motivo nem o que era esse líquido.
Continuei passando mal e cheguei a um ponto em que não conseguia respirar direito. Pedi para me internarem para descobrir o que tinha, pois não aguentava mais. Dormia sentada, estava muito inchada.
Fui internada e encaminhada para o hospital Guilherme Álvaro, em Santos (SP), pois onde moro não tem recursos. Chegando lá, a primeira coisa que fizeram foi tirar uma radiografia do pulmão e perceberam que estava com um derrame pleural bilateral, ou seja, água nos dois pulmões, por isso não respirava direito.
O médico disse que precisávamos investigar. Fiz ressonância, tomografia, raio-X, tudo estando grávida de três meses.
Novo tumor
Cerca de quatro ou cinco dias após minha internação no hospital, saiu o resultado. O médico veio até mim e disse: 'Olha, você está com um tumor no seu ovário esquerdo, ele mede uns 16 centímetros, aproximadamente o tamanho de uma bola de bilhar. Além desse tumor no seu ovário, há um monte de pequenas pipoquinhas, do tamanho de um caroço de feijão, espalhadas pelo seu abdome, na parte inferior, indo em direção ao peritônio, que é uma camada de gordura que protege todos os órgãos'.
Esse câncer já tinha evoluído e passado para o peritônio. Eu perguntei se era benigno ou maligno. Ele respondeu que não podia dizer com certeza e que seria necessário fazer alguns exames. Ele explicou que, se fosse maligno, teria que fazer quimioterapia.
No entanto, estava grávida e ele disse que talvez precisássemos considerar a interrupção da gestação, pois a quimioterapia durante a gravidez poderia causar danos graves ao bebê. Fizemos os exames e confirmamos que era câncer.
Gravidez e quimioterapia
O médico disse que não seria necessário interromper a gestação, mas que seria muito difícil. Assinei os papéis para uma gestação de alto risco e passei a maior parte do tempo no hospital, fazendo quimioterapia e tratando o líquido acumulado na minha barriga, que chegou a cerca de 8 litros. Tive até que usar uma bolsa de colostomia para drenar o líquido.
Emagreci 20 quilos, tive anemia severa e perdi a capacidade de andar, ficando dependente de uma cadeira de rodas. Minha filha parou de crescer porque não estava recebendo nutrientes suficientes. Tive que receber nutrientes por via intravenosa várias vezes.
Meu marido cuidava de mim, dando banho e ajudando nas atividades diárias, pois não tinha força nas pernas. O médico tentou segurar a gestação, mas acabei desenvolvendo pré-eclâmpsia.
Minha pressão chegou a 22 por 12, e os médicos disseram que se eu tivesse demorado mais para ir ao hospital, tanto eu quanto minha filha teríamos morrido. Fui levada para a UTI em estado grave.
Eles me levaram para a UTI e começaram a administrar vários remédios intravenosos para tentar baixar a pressão arterial, que estava muito alta. Felizmente, conseguiram estabilizá-la, mas disseram que não poderiam me dar alta e que eu seria encaminhada para outro hospital para tratar o câncer.
No entanto, não poderiam me liberar até que o bebê nascesse, devido ao meu estado crítico. Fiquei internada cerca de 15 dias no hospital. O médico marcou a cirurgia para retirar o bebê, pois ela havia parado de crescer e seria melhor para ela crescer fora do útero.
"Disseram que minha filha não sobreviveria"
Enquanto meu marido foi buscar mais roupas em casa, fiz uma cardiotocografia. Houve uma alteração e cinco médicos entraram, mas era apenas para verificar os batimentos cardíacos da minha filha. No entanto, eles logo disseram que eu precisava ir para a cirurgia imediatamente, pois minha filha estava em sofrimento fetal devido ao cordão umbilical estar praticamente fechado, o que a impedia de receber oxigênio. Se eu não fosse para a cirurgia, ela não sobreviveria.
Fiquei assustada, pois não tinha feito nenhum preparo para a cirurgia, mas eles explicaram que apenas tirariam o bebê, pois ainda não estava em condições para uma cirurgia dupla.
Minha filha nasceu com 32 semanas, pesando 1,325 kg e medindo 40 centímetros. Decidiram retirar o câncer após o parto, o que resultou em uma cicatriz um pouco acima do umbigo, pois o câncer já estava nessa região.
Foram removidos cerca de 66 tumores durante a cirurgia. Após alguns dias, tive dificuldade para comer e vomitava tudo o que tentava ingerir, então fui submetida a um raio-X que revelou que meu intestino estava paralisado devido à cirurgia longa.
Tive que usar uma sonda no nariz e ficar três dias sem comer, apenas com soro na veia, para limpar meu sistema. Após receber medicação para o intestino voltar a funcionar, minha saúde melhorou, embora tenha enfrentado alguns problemas digestivos temporários. Felizmente, estou bem agora.
"Vivemos um milagre"
Durante todo esse processo, não pude amamentar devido à quimioterapia. Desde o nascimento, minha filha recebe leite e fórmula. Sempre desejei amamentar, pois considero esse vínculo muito especial entre mãe e filho. Infelizmente, não foi possível, mas agradeço a Deus por ela estar saudável e bem.
Após alguns meses de internação, voltamos para a nossa casa. Minha filha ganhou o nome de Vittória, por ser uma verdadeira guerreira. No dia 14 de abril, ela completou um ano. O melhor e mais louco ano da nossa vida.
Hoje, ela é saudável, perfeita, não tem nenhuma sequela. Já eu, estou em remissão total do câncer. Somos um verdadeiro milagre."
Teratoma de ovário
O que é? Os teratomas são tumores raros dos ovários. Existem dois tipos principais: os maduros, que são benignos, e os imaturos, que têm potencial maligno, que representam cerca de 2% a 3% dos casos. Esses tumores se originam das células que produzem os óvulos nas mulheres. Estudos estão sendo feitos para entender melhor esses tumores, mas ainda não há uma causa definida.
Como se manifestam? Os teratomas maduros geralmente aparecem como cistos ovarianos e não têm um comportamento agressivo. Já os teratomas malignos crescem mais rapidamente e podem se disseminar mais facilmente pelo abdome. O diagnóstico final de benignidade ou malignidade é feito pelo patologista após a remoção da lesão.
Os teratomas, tanto benignos quanto malignos, geralmente ocorrem em mulheres jovens, enquanto os carcinomas ovarianos, outro tipo de câncer de ovário, ocorrem em mulheres mais velhas, após a menopausa.
Quais são os sintomas? O diagnóstico desses tumores é desafiador porque eles geralmente não apresentam sintomas claros no início da doença. Podem causar dor e aumento do volume, mas muitas vezes só são detectados quando já estão em estágio avançado.
O mesmo ocorre com os carcinomas ovarianos, que se disseminam rapidamente mesmo quando as lesões são pequenas. O diagnóstico precoce é fundamental para um tratamento eficaz, e exames mais detalhados, como a ressonância magnética abdominal, podem ser necessários para identificar essas lesões precocemente.
Teratoma x gravidez
Se o teratoma imaturo é diagnosticado em uma fase da gestação em que o feto já pode sobreviver fora do útero com uma remoção precoce, geralmente é realizada uma cesariana para permitir a sobrevivência do bebê, mesmo que ele seja prematuro. Isso também permite a remoção do tumor, aumentando as chances de cura da mãe.
Por outro lado, se o diagnóstico é feito muito cedo na gestação, quando o feto ainda não tem condições de sobreviver fora do útero, é necessário discutir com a equipe médica e a paciente os riscos de manter a gestação com um teratoma imaturo que cresce rapidamente e pode colocar em risco a vida da mãe.
A quimioterapia usada para tratar teratomas imaturos geralmente inclui três drogas principais: bleomicina, etoposide e cisplatina. Essas drogas não são seguras para o feto se usadas durante a gravidez e é recomendado evitar seu uso, especialmente até a 12ª semana de gestação, devido ao risco de malformações.
Em alguns casos, pode-se considerar o uso de outras drogas menos comuns para tentar tratar o teratoma, mas cada caso deve ser avaliado individualmente pela equipe médica, considerando os riscos e benefícios para a mãe e o feto.
É importante destacar que a maioria dos estudos sobre o uso dessas drogas em gestantes foi feita em animais, não em humanos, e há uma maior permeabilidade da placenta até a 12ª semana, o que aumenta o risco de absorção pelo feto.
Após a 12ª semana, ainda é recomendado evitar essas drogas, mas a decisão deve ser individualizada e discutida com a família e a equipe de saúde.
Fonte: Alessandra Morelle, oncologista do Grupo Oncoclínicas.