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Trocou válvula cardíaca: 'Com medo da morte, deixei carta para meus filhos'

Alan Batista fez troca da válvula cardíaca por causa de problema congênito Imagem: Arquivo pessoal

Bárbara Therrie

Colaboração para VivaBem

24/05/2024 04h05

Com uma cardiopatia congênita, o engenheiro florestal Alan Batista, 37, sabia que em algum momento teria que trocar a válvula do coração, só não sabia quando. Passadas duas décadas, em 2023 Alan sentiu febre, e seu sogro, que é médico, desconfiou que poderia ser uma infecção.

"Meu cirurgião disse que meu sogro salvou minha vida por ter sido rápido e assertivo". A seguir, Alan compartilha o medo que sentiu de morrer, a carta que escreveu para os filhos pequenos lembrarem dele e conta como foi o procedimento.

"Aos 17 anos, fui fazer o alistamento no tiro de guerra, a enfermeira disse que minha pressão estava alta e que eu poderia ter alguma doença cardíaca. Procurei um cardiologista, fiz alguns exames e descobri que nasci com uma malformação congênita na válvula aórtica: a minha era bicúspide, o correto é tricúspide.

O médico explicou que temos quatro válvulas no coração e que a função delas é garantir que o sangue siga em apenas uma direção evitando refluxo dentro do órgão. Ele disse que quando elas não funcionam corretamente podem causar alguns problemas de saúde e que mesmo eu não tendo sintomas precisaria seguir algumas recomendações.

Uma delas é que não poderia fazer esforço físico, pegar peso e deveria evitar praticar esportes de alto impacto, como futebol.

Um outro cuidado é precisava tomar antibiótico antes de qualquer procedimento dentário, até mesmo antes de fazer uma simples limpeza. Isso porque as bactérias provenientes da boca viajam pela corrente sanguínea e têm uma tendência em se alojar em algum tecido defeituoso, no caso na válvula doente, causando uma doença grave chamada endocardite infecciosa.

O cardiologista explicou que preservaríamos a minha válvula original ao máximo, mas que em algum momento teríamos que fazer a cirurgia para trocá-la por uma prótese biológica ou mecânica. Poderia demorar, 5, 10, 15 anos, não sabíamos ao certo, tudo dependeria do meu estado clínico geral.

A cirurgia seria de grande porte e a ideia de saber que abririam meu peito me gerava ansiedade. Fazia acompanhamento periodicamente e ficava alerta ao sinal de qualquer sintoma.

Passaram-se 20 anos até que em 2023 tive uma febre que durou três dias. Aparentemente, não parecia nada demais, mas meu sogro é cardiologista e como já sabia do meu caso suspeitou que poderia ser uma endocardite.

Alan recebe visita da família completa um mês após a cirurgia cardíaca Imagem: Arquivo pessoal

Ele solicitou uma hemocultura, um exame que identifica a presença de bactérias ou fungos no sangue. Dois dias depois me ligaram do laboratório informando que o resultado parcial já apontava para uma bactéria e o diagnóstico foi confirmado. Meu cirurgião disse que meu sogro salvou minha vida por ter sido rápido e assertivo.

O protocolo inicial era ficar 42 dias internado para tomar altas doses de antibiótico e matar a bactéria. Estava indo tudo bem, mas no sexto dia tive algumas complicações. Minha válvula cardíaca original foi rapidamente destruída pela infecção, simultaneamente atingiu o tecido de condução elétrico do coração, levando a bloqueios do ritmo do coração.

Os médicos explicaram que o quadro se tornou grave, complexo e que eles precisariam trocar a válvula em 24 horas. O que eu mais temia desde os 17 anos estava prestes a acontecer. Meu mundo caiu.

Alan com a esposa e os pais Imagem: Arquivo pessoal

No dia 28 de setembro de 2023, os médicos realizaram a troca da válvula aórtica por uma prótese biológica e fizeram uma plástica da válvula mitral após a retirada do material infectado. Durante o pós-operatório, tive algumas intercorrências, febre, arritmias cardíacas e alergia à medicamentação, mas minha equipe tem muita experiência e me deu todo o suporte.

Me curei da endocardite, faço acompanhamento e vou ter que trocar a válvula daqui a 15 anos.

Desde o dia em que fui internado, fiquei com medo de morrer e comecei a escrever uma carta para os meus dois filhos, a Júlia, de 1 ano e 9 meses, e o Daniel, que fez 5 anos no dia da minha cirurgia, para que eles soubessem e lembrassem do pai deles.

Escrever me ajudou a passar os 54 dias que fiquei no hospital, a refletir sobre os meus sentimentos e a vida. Uma dessas reflexões foi sobre a minha vizinha de quarto que estava se recuperando de um procedimento que vou ter que fazer no futuro, um implante transcateter de válvula aórtica, quando sofreu uma parada cardíaca e faleceu no dia que receberia alta.

Alan em casa com o filho Imagem: Arquivo pessoal

Nessas horas a gente percebe como a proximidade como a morte nos tira dos pensamentos terrenos e materiais. As contas para pagar, o carro, o apartamento, as angústias, as preocupações, nada disso importa.

Nesses momentos só pensava como deveria ter aproveitado mais meu tempo com a minha esposa, meus filhos, minha família, meus amigos, como deveria ter viajado mais e me preocupado menos.

Só tenho a agradecer a Deus por ter me dado uma segunda chance, pelo cuidado da minha equipe e por ser amado de várias maneiras e por diferentes pessoas."

Como funciona a troca da válvula cardíaca

Existem quatro válvulas no coração humano:

as válvulas mitral e válvulas tricúspide, localizadas entre os átrios e os ventrículos;

e as válvulas aórtica e válvulas pulmonar, localizadas na saída dos ventrículos.

A função das válvulas cardíacas é garantir que o sangue siga apenas em uma direção, controlando o fluxo e evitando o refluxo sanguíneo dentro do coração.

A troca está indicada quando as válvulas cardíacas não funcionam corretamente. Os sintomas costumam ser fadiga, falta de ar, dor no peito e inchaço nas pernas.

No caso do Alan, que teve endocardite, trata-se de uma infecção que ocorre principalmente nas válvulas do coração. Ela também pode ocorrer nos dispositivos protéticos que estão implantados no coração, como válvulas protéticas, marca-passos, desfibriladores implantáveis ou em algumas doenças cardíacas congênitas.

Geralmente a cirurgia é realizada em pacientes que apresentam grandes problemas anatômicos nas válvulas cardíacas, como estreitamento (estenose) ou vazamento (insuficiência).

Em situações específicas, pacientes assintomáticos também necessitam de cirurgia da valva cardíaca. A escolha entre plástica (reparo) ou troca da válvula depende da doença de base e do estado do tecido valvar.

O cirurgião cardíaco faz uma abertura no peito para acessar o coração. As válvulas danificadas são visualizadas e removidas. Quando há impossibilidade de serem reparadas, são substituídas por próteses artificiais. O procedimento é feito sob anestesia geral e leva de 6 a 8 horas para ser concluído.

Existem dois tipos principais de próteses:

As biológicas (chamadas de biopróteses) são desenvolvidas através de tecido animal (porcina e pericárdio bovino), não requerem o uso de anticoagulantes, mas têm um tempo limitado de durabilidade, cerca de 15 anos.

As próteses mecânicas são desenvolvidas com carbono pirolítico, um material de grande durabilidade (geralmente até o final da vida do paciente), mas requerem o uso de anticoagulantes para evitar a formação de coágulos sanguíneos dentro do coração. Nesta situação, o indivíduo deve fazer um controle clínico e laboratorial mais frequente.

A escolha deve ser individualizada e sempre que possível compartilhada entre médico e paciente. O profissional de saúde deve ter experiência na área e a indicação depende de vários fatores, como idade, profissão, hábitos, saúde geral, preferências pessoais e riscos associados.?

Fonte: Flavio Tarasoutchi, diretor da unidade de valvopatia do Incor (Instituto do Coração) do HC-FMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), professor livre-docente e colaborador de cardiologia da FMUSP.

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