Avaliação de creatinas tem bastidor polêmico e até ameaça de 'briga de rua'

Na última semana, uma avaliação de creatinas disponíveis no mercado brasileiro e realizada pela Abenutri (Associação Brasileira de Empresas de Produtos Nutricionais) circulou nas redes sociais. A lista, que foi publicada em 3 de julho de 2023, reprovou 25 marcas. Entre as citadas, dez tiveram 100% de variação, o que significa que poderia haver qualquer coisa no pote, menos o suplemento.

Para estar na "nota de corte" do teste, era preciso que a creatina fosse ao menos 80% pura, então havia uma brecha de 20%.

Desde sua publicação, o teste foi amplamente divulgado, mas por de trás dele repousa uma polêmica que dá indícios logo nos primeiros parágrafos de apresentação do estudo:

Importante salientar que as empresas SUPLEY (fabricante das marcas Probiotica e Max Titanium), INTLAB (das marcas AGE, MonsterFeed, Intlab e Cellucor) e BRG (Integralmédica e Darkness) tiveram seus produtos testados, porém entraram com medidas jurídicas para não divulgação dos resultados.

A Integralmédica, por exemplo, alega perseguição por parte dos responsáveis pela avaliação. "A Abenutri a persegue sistematicamente —e, para tanto, lança mão, dentre outros expedientes, desses estudos", diz a empresa.

Ainda de acordo com a marca, "a falta de seriedade desses rankings já foi reconhecida pelo judiciário paulista em mais de uma oportunidade".

Início da disputa

A Abenutri foi fundada em 2000 com o objetivo de representar o setor de suplementos alimentares junto aos órgãos reguladores, como a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

Segundo Marcelo Bella, presidente da associação, a briga com a Integralmédica é antiga. Ele conta que, em 2007, uma substância medicamentosa e controlada (sibutramina) foi encontrada nos produtos da marca, episódio que despertou a rixa que existe até hoje entre a empresa e Marcelo Bella e Félix Bonfim —escolhido para coordenar os laudos da Abenutri.

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A Integralmédica, entretanto, diz que o caso da sibutramina foi uma "suposta manipulação" e não passa de uma "balela explorada de modo sensacionalista por Félix depois de longos 15 anos".

A troca de acusações sobre o caso é longa e corre judicialmente até hoje. Segundo os autos, "após uma partida de futebol pela série A em 2007, o hoje falecido jogador Alex Alves, na época realizou teste de doping e dias depois foi comprovada a presença em seu organismo da perigosa substância medicamentosa de uso controlado sibutramina, a qual foi relacionada pelo atleta a produto de suplementação alimentar da empresa Integralmédica", diz um trecho do processo.

Ainda de acordo com o documento, os fatos apontam que "a coautora Integralmédica foi acusada (embora posteriormente reconhecido judicialmente o descabimento da acusação) e teve seu funcionamento prejudicado por supostamente utilizar sibutramina em parte dos seus produtos (...). A explanação destes fatos não pode ser considerada ato ilícito, pois são verdadeiros e em momento algum foram impugnados pelas partes".

Ou seja: concluiu-se que não tinha sibutramina, mas também não havia crime em falar sobre o episódio, como fez Félix.

A Integralmédica informa e reforça em comunicado que foi reconhecida a inexistência de utilização de sibutramina em qualquer produto fabricado por ela. A sentença veio apoiada em laudo que apontou: "Os produtos CLA e GF-1 fabricados pela requerente não possuem a substância sibutramina como um de seus ingredientes, de acordo com o afirmado e confirmado por laboratórios e órgãos da vigilância sanitária".

Mais acusações

Marcelo Bella alega que a associação tem respaldo para a realização dos laudos, brigando judicialmente para que possa divulgar as avaliações da Integralmédica e de outras marcas que pediram liminar proibindo a divulgação.

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"Quem é pego na irregularidade não quer que ninguém veja, infelizmente é assim", resumiu em um áudio enviado à reportagem.

Após a publicação da lista, o desentendimento entre as partes gerou discussões para além do âmbito clínico ou judicial, de acordo com a Integralmédica, que enviou uma parte do desdobramento à reportagem: "Em tom grosseiro, chulo e pretensamente ameaçador [típico de quem não tem razão e quer ganhar no grito], Félix ridiculamente desafiou o presidente da Integralmédica para uma briga de rua, além de emprestar ainda mais força ao pedido de indenização".

Presidente da Abenutri é dono de marca de suplementos

Marcelo Bella é presidente da Black Skull, marca de suplementos alimentares apresentados como "hardcore" —com foco em atletas de alta performance. Durante a pandemia de covid-19, Bella fez doações de produtos ao Bope (Batalhão de Operações Policiais Especiais) e lives dando opiniões sobre o isolamento social.

Sua relação com uma marca concorrente direta da Integralmédica é outro ponto questionado pela empresa.

Marcelo Bella fez doações ao Bope durante a pandemia de covid-19.
Marcelo Bella fez doações ao Bope durante a pandemia de covid-19. Imagem: Black Skull / Divulgação / DINO
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"O fato de eu ser empresário do setor, com 41 anos de experiência, assemelha-se a outros presidentes de entidades de classe de outros setores", diz Macelo. "Na associação do Agro, há um agricultor, na de veículos, um executivo de montadora, e assim por diante. Não há possibilidade de termos um médico na associação de seguros ou um especialista em seguros na associação de médicos", responde.

Marcelo Bella é presidente da Abenutri e CEO da Black Skull
Marcelo Bella é presidente da Abenutri e CEO da Black Skull Imagem: Reprodução/redes sociais.

"Minha empresa é parte de todas que tiveram seus produtos testados. Quem escolhe as marcas e os produtos a serem testados é a nossa coordenação do 'Programa de Automonitoramento', baseada naqueles mais vendidos no mercado e que têm maior oferta nas plataformas de marketplace, onde há maior número de fraudes. Até agora testamos mais de 300 produtos com um investimento de cerca de R$ 500 mil", finalizou.

Como funciona o teste e ranking das creatinas?

Foram dois critérios distintos usados:

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  1. O primeiro, laboratorial, avaliou a composição dos produtos.
  2. O segundo avaliou a rotulagem.

O processo, segundo Marcelo Bella, envolve:

Verificar os produtos mais vendidos na internet e em marketplace;

Comprar esses produtos com nota fiscal para rastreamento da origem;

Fotografar todos os produtos e suas rotulagens;

Encaminhar os produtos para laboratórios e universidades conveniadas com a Abenutri;

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Após análises de rotulagem e de conteúdo dos produtos, comunicar as empresas com os resultados, tendo 15 dias para responder;

Após o prazo de 15 dias, encaminhar os resultados e seus documentos comprobatórios para as autoridades competentes, incluindo a Anvisa, e divulgá-los ao público.

O que apontou o ranking

"Os critérios de análise laboratorial são aqueles definidos pela Anvisa e previstos na regulação brasileira, que prevê uma diferença de quantidades totais de nutrientes, de até mais ou menos 20% em relação ao declarado pela empresa na rotulagem do produto", explica o presidente da Abenutri. Produtos que ultrapassam essas diferenças são considerados reprovados.

"Já a análise da rotulagem é com base na regulação da Anvisa. Quando a empresa comunica em sua rotulagem informações que não estão previstas nesta regulação, como alegações sem comprovação científica ou omissões de informações consideradas obrigatórias, é considerada propaganda enganosa e, portanto, o produto é reprovado", continua.

No total foram 90 produtos avaliados, de 60 marcas diferentes. Segundo Marcelo Bella, a partir do momento que os produtos foram escolhidos, todas as empresas responsáveis pela produção ou importação foram comunicadas sobre a participação no "Programa de Automonitoramento do Mercado de Suplementação Alimentar".

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Apenas seis produtos foram aprovados em todos os critérios

61 produtos foram considerados reprovados

Destes, 36 foram reprovados apenas pela avaliação de rotulagem

Outros 25 produtos foram reprovados em ambos os critérios

Apenas seis produtos foram considerados aprovados em ambos os critérios

Vale lembrar que mais produtos foram avaliados, mas a Abenutri está proibida judicialmente de divulgar os resultados das marcas já citadas: SUPLEY, INTLAB e BRG.

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Ranking não tem ligação com Anvisa

Conversamos com a Anvisa sobre a legalidade dos laudos divulgados pela Abenutri. O órgão afirmou que, como agência reguladora, Anvisa não estabelece ranking de produtos de quaisquer categorias por ela reguladas.

"Este tipo de ranqueamento, pode, por exemplo, não englobar 100% do segmento de mercado estudado, o que limitaria o alcance das conclusões. Portanto, o ranking divulgado é de responsabilidade exclusiva da Abenutri", disse a agência em resposta por e-mail.

A Anvisa reforça que estudos feitos pelo próprio mercado são importantes e sinalizam parâmetros de automonitoramento, podendo até mesmo servir para subsidiar futuros estudos e investigações da agência. No entanto, destaca que esses estudos, feitos no âmbito do automonitoramento do mercado, não podem ser usados para fins fiscais.

"A ação fiscal é norteada por critérios pré-definidos, previstos em legislação e que dizem respeito à forma de coleta e testagem, quantidade de amostras coletadas, prova e contraprova, uso de metodologias e laboratórios públicos oficiais etc.", diz a Anvisa, que ressalta que não avaliou a metodologia e os critérios utilizados pela entidade nos estudos divulgados.

A fiscalização de alimentos no Brasil é feita, principalmente, de forma descentralizada, pelas vigilâncias estaduais e municipais. A identificação de um problema por uma vigilância sanitária local pode desencadear uma suspensão nacional, por exemplo. As infrações sanitárias estão sujeitas às penalidades descritas na Lei 6.437/77.

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Confira o ranking da Abenutri

O ranking faz uma série de avaliações, entre elas, a concentração de creatina no produto. Confira abaixo a variação do suplemento em cada marca. (lembrando que variações superiores a 20% foi considerado como critério para a reprovação).

Marcas reprovadas

Body Action creatine double force - 23%;
Vitamax Nutrition creatine booster - 23,6%%.
Adaptogen hd cret - 24,3%;
Absolut Nutrition creatina Flavor - 32,3%;
Muscle full creatina - 32,7%;
Absolut Nutrition creatina 100% pure - 37,1%;
Pro Healthy creatine micronized - 43,3%;
Body action web creatine dual power - 46,2%;
Healthy time creatina powder - 53%;
Body Nutry creatina - 54,5%;
R74 Pro healthy creatine - 55,7%;
Nitro max max creatina - 59%;
Body Nutry suplementos - 86,7%;
Natures Now Researches creatine energy now atp - 96,8%.

Marcas 100% reprovadas (sem nada de creatina na composição):

Healthy labs creatina gourmet;
Ravenna sports creatina micronized;
Impure nutrition creatina;
Nft Nutrition creatina 100% pura;
Sun food creatine pure;
Dymatrix nutrition creatina monohidrate;
Iron tech sports nutrition creatina monohidratada;
Red bolic creatine monster maca palatinose zma;
Airomax creatine;
Dark dragon crea delite.

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Marcas aprovadas

Master way suplementos creatina - 0,0% (em fase 5)
Elemento puro creadop creapure - 0,30%;
Euro nutry creatine powder 100% - 1,20%;
Dark lab creatine - 1,90%;
Adaptogen creatine - 2,10%;
Pura vida creatina premium - 2,10%;
Equaliv creatina creapure pr - 2,99%;
Soldiers nutrition creatina - 3,10%;
Atlhetica nutrition 100% creatine flavour - 3,67%;
Growth sup monohidratada creatine - 3,70%;
Bruthal sports creatina - 3,90%;
Iridium labs atlas creatina - 4,30%;
Nutrata creatin up - 4,30%;
Hero creatina - 9,40%;
Black skull creator - 4,35%;
Black skull creatine - 4,45%;
Espartanos creatina 100% pure - 4,60%;
Nutrex research creatine drive - 4,90%;
New millen creatine atp - 5,20%;
Leader nutrition hi-creatina micronized - 5,30%;
Under labz creatine under cret - 5,40%;
Adaptogen creatine super - 6%;
Wise health creatine monohydrate - 7,70%;
Smart fit supps creatina - 8,40%;
Strongest supplements - 8,40%
Top way creatina - 9,30%;
Black skull creatine turbo - 10%;
Shark pro energy creatina - 10,33%;
Ast sports micronized creatine - 10,70%;
Underlabz-nitra fuze creatine fuze - 10,90%;
New millen creatina atp - 11%;
Universal creatine - 11,70%;
Fisio nutri strong creatine pure - 12,20%;
Synthe size creatina powder - 12,50%;
Evolution nut creatine one pure - 13,40%;
Nutrata creatina 100% - 13,50%;
Profit lab creatine monohydrate - 13,60%;
Vitafor creatine - 13,80%;
Evorox nutrition evo creatine - 15,10%;
Muke creatina shot diário - 17,87%;
Canibal inc. creatina plus - 18,60%.

O que outras marcas dizem

Em nota, o Grupo Supley diz que optou pela medida judicial porque "o plano de monitoramento da Abenutri não segue os padrões estabelecidos pelos órgãos competentes" e "o laboratório da Universidade Evangélica de Goiás não é credenciado pela Reblas (Rede Brasileira de Laboratórios Analíticos em Saúde) habilitados pela Anvisa. O Grupo ainda afirma que a associação "usa metodologias que não são reconhecidas para o ramo alimentar e de suplementos" e acrescenta que o documento da pesquisa é "assinado por um comerciante de suplementos que não tem formação técnica para tal".

Em nota, Absolut Nutrition afirma que realizou Ação de Recall voluntária "por precaução e em respeito aos consumidores, homologou fornecedores e implementou importação de matéria-prima, intensificou testes laboratoriais e solicitou novo teste para Abenutri".

Por meio de nota, a Growth Supplements afirma que "Os itens nos quais o suplemento foi reprovado referem-se à inadequações na formatação de informações na embalagem, presentes na segunda parte do relatório e enfatiza que os aspectos de qualidade e pureza do produto foram aprovados, conforme consta na primeira parte da análise, e informa que todas as mudanças necessárias para a adequação da formatação da sua embalagem já foram providenciadas."

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A Melius Nutrition informa que suspendeu a venda até que fosse averiguado quais problemas poderiam ter ocorrido na produção do referido produto. "Posteriormente mandamos uma contraprova do lote para análise de creatina a fim de poder tratar o caso da melhor forma possível, pra que não houvesse prejuízos ao consumidor. O resultado não mostra a mesma inconsistência

A DUX Nutrition informa que "a creatina da marca, especificamente, é examinada e aprovada pelo Centro de Qualidade Analítica CQA, um laboratório que, formalmente, atesta sua conformidade com a Resolução RDC 423/2018, que estabelece os requisitos sanitários dos suplementos alimentares e com as Instruções normativas IN 76/2020 e IN 102/2021 que a alteram e com a Resolução RDC 429/2020. Estas resoluções são as referências para a composição, qualidade, pureza e rotulagem de suplementos nutricionais no Brasil.

A Equaliv, marca pertencente ao Grupo Althaia, destaca que as embalagens da linha de produtos da Equaliv já estão de acordo com a nova regulamentação da RDC 429/2020 e a IN 75/2020, em vigor desde 08/10/2022.

A SHARK Informa que "neste determinado lote houve um apontamento de erro em rotulagem, o mesmo já foi corrigido e comunicado para Abenutri.

A Strongest afirma em nota: "Ficamos muito felizes por, em menos de um ano de atividade da nossa empresa, já termos nossos produtos testados e aprovados pela Abenutri, porém um pouco surpresos com o resultado de 8,4% de variação, pois apesar de ainda estar dentro dos padrões aceitos pela Anvisa e a frente de muitas outras grandes marcas, temos laudo executado pelo mesmo laboratório atestando 99,31% de pureza da creatina". Empresa afirma ter feito também correções no rótulo.

Em nota, a Vitafor afirma que "os produtos Vitafor sempre foram aprovados em todos os testes já realizados no mercado, em razão do compromisso com a qualidade e eficácia que são princípios da empresa. Entendemos que esse trabalho de monitoramento deve ser realizado por entidade pública e imparcial como INMETRO e ANVISA , evitando assim erros analíticos e respeito ao princípio legal de acordo com a legislação pertinente". "Ressaltamos que nosso produto CREATINE encontra-se 100% aprovado e atende todos os pré-requisitos que norteiam os regulamentos estabelecidos, ainda cabe-nos esclarecer que a empresa contratou laboratório externo e imparcial, devidamente credenciado pelo Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, para analisar amostras do produto em questão".

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Em nota, a Fitoway afirma que solicitou à Abenutri que refizesse a análise do produto. "Uma vez que não concordamos com o resultado. Entendendo que o próprio laboratório que realiza as análises dos produtos informa que pode existir uma variação de 5 a 8% nos resultados (e fomos reprovados por 0,17%), entendemos que essa mínima variação existente pode estar contribuindo para reprovar um produto que sabidamente encontra-se dentro dos padrões de qualidade preconizados pela ANVISA".

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