'Descobri que tenho dois úteros e dois canais vaginais'; como é possível?

A estudante Marta Souza, 18, descobriu que tem dois úteros e dois canais vaginais após realizar alguns exames.

Fiquei surpresa após realizar uma ressonância magnética e descobrir que meu caso é raro. Tenho dois úteros —conhecido como útero didelfo— e dois canais vaginais.

A jovem, de Samambaia (DF), diz que nunca sofreu consequências por esta condição e não tinha nenhum tipo de dor fora do normal que a tenha alertado. Ela soube após fazer exames de rotina —inicialmente, o primeiro exame acusou que ela tinha útero bicorno (em que o útero está dividido ao meio por uma membrana). Ao investigar mais, foi detectada a condição de útero didelfo.

"Minha cólica realmente é incômoda, mas nunca vomitei por isso como outras pessoas que conheço. Logo, imagino que esteja dentro da normalidade. Mesma coisa sobre o meu fluxo menstrual."

Ter filhos não é uma preocupação no momento e talvez nem vá a ser no futuro, mas quero ter a opção disponível. Fiquei surpresa [ao descobrir], mas como até então nunca sofri consequências por esta condição, não fiquei tão preocupada, além da questão da gestação.

Entre as complicações relacionadas à condição, estão: não poder usar DIU e nem OB (absorvente interno). "Muitas mulheres sofrem mais cólicas e têm um fluxo maior, embora não seja o meu caso. E também a questão da gravidez: posso engravidar, mas seria uma gravidez de risco."

Como isso ocorre

A condição tem relação com a formação do embrião, durante a gestação, explica a ginecologista Raquel Magalhães, da Clínica Unica.

Quando somos apenas um embrião em desenvolvimento no útero materno apresentamos estruturas rudimentares chamadas de Ductos de Muller. Esses ductos darão origem ao útero, tubas uterinas e à porção mais profunda da vagina. Por razões desconhecidas, em alguns bebês ocorre uma falha na fusão [das estruturas, originando dois úteros e dois canais vaginais].
Raquel Magalhães, ginecologista da Clínica Unica

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Não se sabe ao certo por qual motivo há essa falha em alguns bebês. Em geral, são embriões geneticamente normais.

Sinais e sintomas

O diagnóstico de malformações reprodutivas femininas geralmente ocorre quando sintomas específicos surgem. Por exemplo, a ausência de menstruação pode indicar a não formação de algum órgão reprodutivo, enquanto problemas estruturais no útero podem levar a dificuldades para engravidar ou abortos recorrentes.

Nos casos em que a mulher tem duas vaginas completas, podem não ter nenhum sintoma. As queixas costumam aparecer naquelas em que uma das vaginas tem obstrução completa ou parcial. As queixas mais comuns são de cólicas menstruais de forte intensidade e dor na relação sexual. Muitas mulheres com malformações leves podem não apresentar sintomas.

Diagnóstico

O diagnóstico é feito por meio de exames físicos detalhados e exames de imagem avançados, como ultrassonografia 3D ou ressonância magnética da pelve, podendo ser complementado por uma laparoscopia em caso de dúvida.

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Não há medidas preventivas para a ocorrência de malformações müllerianas. No entanto, é importante estar atenta ao próprio corpo para identificar sinais de desconforto, dor ou dificuldade para engravidar e buscar orientação médica caso necessário.

É comum que a malformação uterina esteja associada a anomalias de outros órgãos, principalmente do trato geniturinário (relativa aos órgãos genitais e urinários). "No caso dela, a deformidade da vagina não permite usar OB e coletor menstrual. E como são duas cavidades uterinas também não é possível inserir DIU", diz a especialista.

Capacidade de gestar

Mulheres com essa condição têm a mesma taxa de fertilidade da população em geral, mas podem ter maiores taxas de perdas gestacionais. Além disso, as gestações são de alto risco.

Como há redução do tamanho da cavidade uterina, há maior risco de abortamentos, partos prematuros, restrição de crescimento fetal e apresentações fetais anômalas, aumentando riscos de parto cesáreo.
Renato Fraietta, especialista em reprodução humana na CPMR-Clínica Paulista de Medicina Reprodutiva e coordenador do setor integrado de reprodução humana da Unifesp

O acompanhamento de pré-natal deve ser rigoroso e realizado em serviços de alto risco com profissionais habilitados. Em alguns casos, pode ser indicada a cirurgia de cerclagem, para fechar o colo do útero e diminuir as chances de perda precoce e, nesse caso, é indicado maior repouso.

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O parto pode ser normal nos casos em que a mulher tem duas vaginas. Mas, como é muito comum que o feto esteja em uma posição não esperada, a cesárea é indicada na maioria das vezes.

Em casos de comprometimento severo do útero, pode ser recomendada a prática de útero de substituição, quando é realizada a fertilização in vitro com material genético dos pais e os embriões são transferidos para o útero de outra mulher que possa gestar.
Renato Fraietta

Mulheres com útero didelfo podem ter uma vida normal. Em alguns casos, pode ser indicado tratamento cirúrgico para desbloquear o canal vaginal e aliviar o desconforto para aquelas mulheres que têm sintomas.

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