Como falar com as crianças sobre a tragédia do RS? Mariana Ferrão dá dicas
Falar sobre uma adversidade com as crianças, especialmente algo tão sensível quanto as enchentes no Rio Grande do Sul, nem sempre é fácil. O "Mari vs Mari" ouviu especialistas para saber qual seria o melhor jeito de abordar o assunto com crianças que estão acompanhando a situação de longe, de forma adequada à sua idade e nível de compreensão.
No episódio, a jornalista e palestrante em saúde mental Mariana Ferrão compartilha dicas de três especialistas: Debora Tseng Chou, psiquiatra que pesquisa ecoansiedade em crianças; Lua Barros, escritora e psicopedagoga; e Márcia Tosin, psicóloga especialista em comportamento infantil. Veja abaixo:
1. Nem sempre o melhor caminho é falar sobre o assunto
"Para quem está longe e principalmente para crianças menores de 7 anos, a imagem de uma enchente, de uma cidade tomada pela água, não é algo que faça sentido. Ela não tem essa imagem na cabeça e não tem de onde puxar essa imagem", explica a escritora e psicopedagoga Lua Barros.
Para a especialista, diferente de assuntos como racismo ou pobreza, "que são questões estruturais que eventualmente atravessam o mundo da criança", uma enchente não é uma questão estrutural. Trata-se de um evento de uma magnitude com a qual o nosso cérebro não está acostumado e, muitas vezes, não tem ferramentas para entender —sobretudo no caso das crianças.
Às vezes, a gente fica numa angústia ou numa ideia de que a gente precisa conversar sobre tudo com as crianças, e a gente precisa, na verdade, muitas vezes, preservar essas crianças do que são essas questões que elas ainda não têm cognição para entender. Lua Barros
2. Estimular a solidariedade
No caso das crianças maiores que já tiveram contato com o assunto através da escola ou da internet, por exemplo, as especialistas afirmam que o diálogo precisa ser "honesto e suave".
"A gente precisa dar a informação para as crianças para que elas saibam o que está acontecendo, mas também para que elas compreendam qual é a parte delas nesse todo, porque, se a gente joga uma informação muito grande para as crianças e não trabalha isso com elas, a situação vira um enorme gerador de angústias", alerta Barros.
A recomendação é manter um ar de esperança e falar com os pequenos sobre as iniciativas de solidariedade que estão acontecendo na sua cidade em favor das vítimas. Convidar as crianças a separar roupas e brinquedos para doação, na medida do possível, é um caminho.
Psiquiatra e autora de um estudo sobre ecoansiedade em crianças, Debora Tseng Chou afirma que uma comunicação focada no coletivo ajuda a diminuir a ansiedade e causa menos sentimento de impotência nos pequenos.
"Criar a ideia de que como sociedade, podemos seguir, e focar em ações coletivas está associado a melhores desfechos em saúde mental", diz ela.
Se a gente apontar as mudanças climáticas como apocalipse, por exemplo, isso tende a gerar desespero. Mas, ao contrário, se a gente foca em soluções criativas, em ações coletivas, no que pode ser feito hoje, isso tende a gerar mais engajamento e um engajamento mais duradouro do que só promover uma conexão pelo desespero. Debora Tseng Chou
3. Explicar a situação de acordo com as dúvidas da criança
Crianças acima de 4 anos já conseguem perceber o sofrimento do outro, diz a psicóloga especialista em comportamento infantil Márcia Tosin.
Ela sugere explicar a situação na medida da dúvida dos pequenos. Um bom jeito de fazer isso é perguntando o que a criança sabe sobre o assunto: "O que você sabe sobre isso? Você ouviu falar?".
"E ela pode falar 'ah, eu vi um cavalo sendo resgatado da água, ele estava se afogando', por exemplo, e pode se questionar 'por que o cavalo estava dentro da água?' ou 'por que encheu de água daquele jeito?'. Aí você vai, numa linguagem apropriada, explicando que é um evento que acontece eventualmente, mas que, quando acontece, tem um impacto muito grande, afetando a vida de várias pessoas", sugere Tosin.
4. Criar clima de segurança por meio da rotina
"Às vezes, os pais se preocupam em como falar sobre esse assunto, mas o mais importante em tempos difíceis é a manutenção de rotinas, tanto para as crianças gaúchas quanto as que estão acompanhando a situação de longe", afirma Tosin.
A psicóloga afirma que a rotina é o maior preditor de saúde mental da infância. "Rotina no sentido de ter horário para acordar, dormir, estudar. A rotina traz sensação de segurança".
Pode parecer estranho, mas a rotina faz com que a criança assimile melhor as situações. Porque, em situações difíceis, a criança fica com a impressão de que o mundo não é seguro. Como a gente vai mostrar para ela que o mundo é seguro? Através da previsibilidade. Márcia Tosin
Com vídeos novos às quartas, "Mari vs Mari" é um quadro do perfil do Instagram de VivaBem (@vivabem_uol), em que a jornalista Mariana Ferrão tem debates internos e compartilha relatos pessoais e estratégias para cuidar da saúde mental.
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