Alzheimer: genética pode ser grande vilã, com sinais no cérebro aos 55 anos
Um novo estudo indica que a genética pode ser uma das causas do Alzheimer, e não apenas um fator de risco. Os resultados publicados no periódico Nature Medicine apontam que determinada variante genética estaria ligada a 20% dos casos da doença.
Os resultados do estudo
Pesquisadores afirmam que ter duas cópias de uma variante genética chamada APOE4 indica alto risco de desenvolver o quadro de demência. "Não é a primeira ligação genética, mas é o primeiro grande estudo que afirma de forma convincente que ter duas cópias do gene realmente aumenta a probabilidade de ter a doença", disse a pesquisadora Reisa Sperling, neurologista do Mass General Brigham (EUA) e uma das autoras da pesquisa, em entrevista ao Harvard Gazette.
Isso abre espaço para o diagnóstico precoce e a busca por terapias preventivas, capazes de deter perdas da doença antes mesmo de os sintomas se tornarem evidentes, segundo os autores. Para fazer a pesquisa, os cientistas analisaram bancos de dados de mais de 500 pessoas com duas cópias do gene APOE4.
Embora as causas do Alzheimer não sejam conhecidas, sabe-se que há forte relação genética, tida até então como um fator de risco na maioria dos casos —ou seja, sem a certeza de que a pessoa desenvolverá a doença. O estudo mostra que o risco de pessoas com a mutação apresentarem marcadores biológicos (indícios da doença observados em exames) varia entre 75 e 95%. "Para mim, isso sugere que é geneticamente determinado", diz Sperling.
Os resultados apontam que 95% das pessoas estudadas com duas cópias do gene APOE4 apresentaram os marcadores biológicos do Alzheimer aos 55 anos. Considera-se um marcador do Alzheimer o acúmulo de placas da proteína beta-amiloide no cérebro (nele, a proteína se acumula com células mortas, formando depósitos entre os neurônios conhecidos como placas senis).
Aos 65 anos, surgiram sintomas da doença, como perda de memória e mais declínios de cognição —os sinais surgiram 10 anos antes do comum, observa o estudo.
A pesquisa diz que 2% a 3% da população mundial tem dois pares da APOE4. Esses casos corresponderiam à fatia de 15% a 20% dos diagnósticos de Alzheimer, segundo o estudo, o que impactaria uma parcela significativa de pacientes.
Pessoas desenvolveram os primeiros sinais em idades variáveis, o que também sugere a interferência do ambiente no curso da doença. "Fatores ambientais ou de estilo de vida podem tornar os cérebros das pessoas mais resilientes ou mais vulneráveis. Essa pesquisa apoia ambas as ideias de que a genética é um dos principais impulsionadores da doença de Alzheimer, mas você pode modular o risco de apresentar sintomas [com o estilo de vida]", diz Sperling.
É necessário ampliar a base de etnias estudadas. A pesquisa usou dados de ascendência europeia, predominantemente —e a porcentagem de pessoas com a mutação varia em outras populações, diz Sperling.
O que muda
Esses resultados não alteram os protocolos da doença. A expectativa é consolidar as descobertas com mais estudos para avançar no diagnóstico precoce e em intervenções capazes de antecipar a perda cognitiva —memória, atenção, linguagem e orientação.
Também não devem gerar pânico (ou uma onda de busca por testes). "Neste momento, não recomendo que as pessoas que não apresentam sintomas façam testes genéticos ou testes de biomarcadores sanguíneos", orientou Sperling ao Harvard Gazette.
Não há previsão de novos tratamento e orientações. Isso só é possível após um processo de anos, quando estudos atestarem a eficácia e a segurança das intervenções para a população.
Espero que esta pesquisa não tenha o efeito de apenas assustar. Em vez disso, diga: 'Estas são pistas importantes para que possamos tratar as pessoas mais cedo e, com esperança, prevenir a demência.'
Reisa Sperling, em entrevista ao Harvard Gazette
Quais os fatores de risco conhecidos do Alzheimer?
Idade: é o principal fator de risco. A partir dos 65 anos, o risco dobra a cada cinco anos. Casos de Alzheimer familiar (quando vários integrantes da mesma família possuem a doença) têm início precoce, bem antes dos 50 anos.
Sexo: o diagnóstico é mais frequente entre as mulheres, provavelmente porque elas vivem mais.
Genética: alguns genes estão envolvidos no risco de Alzheimer, mas a hipótese mais aceita hoje é de que a causa é multifatorial.
Escolaridade: indivíduos com menor nível de escolaridade ou que têm poucos estímulos mentais tendem a apresentar os sintomas da doença mais cedo.
Doenças crônicas e estilo de vida: pressão alta, obesidade, sedentarismo, dieta insalubre, tabagismo, colesterol alto e diabetes —os mesmos fatores associados a infarto e derrame — elevam o risco de Alzheimer e outros tipos de demência.
Traumatismos: alguns estudos (mas não todos) indicam uma relação entre o histórico de traumas no crânio e encéfalo e o risco mais alto de Alzheimer.
*Com informações de reportagem publicada em 24/01/24.
Deixe seu comentário