Família precisa arrecadar R$ 34 mi para tratar 2 filhos com doença rara
Artur, de 4 anos, quer brincar como os amiguinhos da sua idade. Esses dias ele foi a uma festa de aniversário e tentou seguir o ritmo dos colegas, o resultado foi: no restante do dia não conseguia colocar os pés no chão, chorava e gritava de dor.
"A gente explica que ele tem que brincar sem fazer muito esforço e precisa fazer pausas para descansar", diz a mãe do menino, Graciele Ramos Morcelli, 41, líder de aprendizagem. A família mora em Bauru, no interior de São Paulo.
A dificuldade de Artur tem explicação, ele tem uma doença genética chamada distrofia muscular de Duchenne, também conhecida pela sigla DMD, que afeta todos os músculos do corpo devido a um defeito genético no cromossomo X que impede a produção de uma proteína denominada distrofina.
Seu irmão Raul, de 2 anos, também tem. Mais abaixo a mãe conta como foi essa segunda descoberta.
A distrofina é essencial para o funcionamento do músculo. A falta dela causa um enfraquecimento progressivo de toda a musculatura do corpo, o que faz com que a criança tenha maior dificuldade em atingir marcos importantes do desenvolvimento, como ficar de pé, caminhar, subir escadas, correr e levantar do chão. Luis Fernando Grossklauss, neurologista infantil especializado em doenças neuromusculares que atua no ambulatório neuromuscular infantil da Unifesp
Uma outra característica é a pseudo-hipertrofia de panturrilha, isto é, uma batata da perna grande e dura como a dos jogadores de futebol, mas na verdade a panturrilha não é forte, pelo contrário, o tecido muscular é substituído pelo tecido conjuntivo que é duro e fraco.
Fisioterapeuta disse que caso de Artur era preguiça
Com atraso motor desde bebê, Artur passou com alguns especialistas e uma fisioterapeuta chegou a dizer o que o caso dele era preguiça.
Na escola, Artur se isolava e observava os amiguinhos brincando e correndo, o que gerou preocupação das professoras. Ao iniciar uma investigação com uma neuropediatra e fazer alguns exames específicos, ele foi diagnosticado com distrofia muscular de Duchenne aos 3 anos de idade, em 2023. "Eu e meu marido ficamos arrasados, mas logo a tristeza deu lugar para 'temos que fazer algo'", relembra Graciele.
Murilo tinha mais músculos que as outras crianças
Mãe de Murilo, a auxiliar administrativo Tamys Mayara da Costa, 29, moradora de Campinas, também no interior de São Paulo, notou que o filho tinha a panturrilha, as coxas e as costas mais musculosas do que as outras crianças. Aos 2 anos, o menino começou a se cansar facilmente, sofrer quedas frequentes e a ter dificuldade para subir escadas, mas o diagnóstico da DMD veio após Murilo ter uma convulsão e fazer alguns exames.
Como não descobrimos o que ele tinha, a médica solicitou um exame genético, em que foi constatada a distrofia muscular de Duchenne. Perdi o chão, não conseguia respirar. Eu e meu marido entramos em desespero por não saber praticamente nada sobre a doença, apenas que ela é rara e que poderia levar a vida do nosso filho. O amor por ele nos fez levantar a cabeça. Tamys Mayara da Costa, mãe de Murilo
Como é o diagnóstico de Duchenne?
Etapas do diagnóstico. De acordo com o neurologista infantil Grossklauss, o diagnóstico da DMD pode ser investigado a partir de um exame de sangue chamado CK, que serve como uma triagem e pode ser realizado em qualquer laboratório.
Quando vem alterado, a chance de ser distrofia é altíssima. Na distrofia muscular, o CK está de 10 a 30 vezes aumentado em relação ao normal, o que indica que o músculo está sendo destruído. No entanto, o que sela o diagnóstico é o teste genético MPLA, um exame complexo e caro que analisa o gene e indica se dentro dele existe alguma mutação que impeça de formar a proteína distrofina.
Uma vez diagnosticado, o tratamento é realizado de forma paliativa com corticoides, que diminui a inflamação do músculo e alonga a fibra muscular, porém é um medicamento que a longo prazo tem muitos efeitos colaterais.
Além da musculatura, a doença afeta o coração, o músculo respiratório e evolui com a perda da capacidade de andar aos 11 anos, o uso de respirador aos 20 e óbito aos 30.
Tem remédio?
Atualmente, existe uma medicação que promete retardar a evolução da distrofia muscular de Duchenne, é a terapia gênica com Elevidys, que possui um vírus com o gene que produz a microdistrofina no músculo de forma funcional.
O Elevidys é uma terapia de dose única realizada por meio de infusão intravenosa, mas seu acesso tem alguns obstáculos. Ela só é aprovada em três países: Estados Unidos, Emirados Árabes e Qatar —nos EUA, ela só pode ser usada em crianças de 4 anos até 5 anos e 11 meses.
No Brasil, a Anvisa deve dar um parecer sobre a aprovação do Elevidys este mês. Além disso, o remédio custa em torno de 2 milhões e setecentos mil euros, cerca de R$ 15 milhões.
"A tecnologia da terapia gênica é complexa e foram gastos bilhões em pesquisas até chegar no produto final, mas a grosso modo todo remédio para doença rara é caro. A analogia que faço é a seguinte, quanto mais apartamentos têm um condomínio, mais barato ele é; já um prédio com um apartamento por andar é bem mais caro. Um remédio para dor de cabeça que quase todo mundo vai usar é barato, uma doença rara que poucos doentes vão usar é caro", comenta Grossklauss que também atende no ambulatório de TDN (Tratamento de Doenças Neuromusculares) que faz parte da Afip (Associação Fundo de Incentivo à Pesquisa), voltado para tratamento de distúrbios respiratórios associados às doenças neuromusculares com atendimento exclusivo pelo SUS.
"Nosso maior medo é ver a doença progredir"
Diante desse cenário é que se inicia o drama de famílias com filhos que têm Duchenne e muitas acabam entrando na Justiça e fazendo vaquinhas online.
É o caso de Tamys, que está com um processo para que o governo a ajude a conseguir a medicação. Ela também criou uma associação e a campanha Salve o Mumu para tentar arrecadar os R$ 15 milhões.
"Nosso maior medo é ver a doença progredir sem poder fazer nada. Murilo tem sofrido mais quedas, ficado mais cansado e tido muita dificuldade para subir escadas. Até agora arrecadamos R$ 80 mil, não podemos desanimar nenhum segundo para dar essa chance a ele. Caso a gente consiga o subsídio do governo, vamos usar o dinheiro arrecadado para ajudar outras crianças com Duchenne e com outras doenças raras", afirma Tamys.
Tudo em dobro: dois filhos com Duchenne
Após ter recebido o diagnóstico de Artur, Graciele foi alertada de que o caçula, Raul, teria 50% de probabilidade de ter distrofia muscular de Duchenne, o que acabou se confirmando quando ele tinha 1 ano de vida.
Foi muito difícil. Ter uma criança especial é um desafio, mas duas? As preocupações, terapias, medicações e cuidados são em dobro, mas a benção também. Graciele, que é mãe de Sofia, 8; Artur, 4 e Raul, 2.
Por ter recebido o diagnóstico cedo, Raul já faz os acompanhamentos com especialistas, terapias, toma corticoide, o que na parte física tem ajudado, mas na parte cognitiva ainda é uma caixinha de surpresas. Ele apresenta dificuldades na fala, não forma frases, não reconhece animais e objetos, o que tem preocupado os pais.
Também com um processo na Justiça para conseguir acesso ao Elevidys, Graciele e o marido Alexandre criaram a campanha Salve o Artur e Raul para arrecadar R$ 34 milhões para o tratamento, o valor engloba a terapia gênica, hospital, internação, equipe médica e terapias para os dois filhos.
"Já ouvimos que os meninos podem esperar até a idade limite, mas o custo disso será altíssimo. Crianças com Duchenne têm pressa e não podem esperar. A espera resulta na perda dos músculos e aumento das dificuldades motoras. O Elevidys não consegue reverter o que já foi perdido, mas pode impedir a progressão da doença. Quanto antes meus filhos tomarem a medicação, maiores serão os benefícios. Os resultados com o Elevidys são fantásticos, crianças que não pulavam e não subiam escadas, agora conseguem fazer isso", conta a mãe.
Caso a Anvisa aprove o uso do Elevidys no Brasil, o registro irá conferir legitimidade e atestar a qualidade e eficácia do produto, mas para ser incorporado ao SUS será uma nova jornada. Por ora o medicamento seria importado.
"Estamos aflitos e esperançosos pela aprovação do Elevidys no Brasil. Sabemos que sua aprovação agora não significa que teremos acesso imediatamente, há um longo caminho pela frente, mas a aprovação já abre portas, com ela ficará mais fácil batalhar pelo remédio judicialmente. Murilo tem 4 anos e estamos numa corrida contra o tempo para conseguir medicá-lo. Temos fé em Deus de que esse dia vai chegar", comenta Tamys.
Graciele diz que o diagnóstico dos filhos tem um propósito na vida da família. "Reclamação e lamentação não têm espaço em casa. Vivemos um dia de cada vez com alegria e pedindo a Deus que nos capacite a suprir as necessidades dos meninos. Não mediremos esforços para mudar o curso dessa doença e garantir que eles tenham uma vida digna com as mesmas oportunidades de qualquer criança", afirma.
Para ajudar as crianças
Murilo:
chave pix salveomumu@gmail.com (conta em nome da Associação Salve o Murilo)
e através de uma vaquinha online (www.vakinha.com.br/4594779)
Artur e Raul:
chave pix: salve.artureraul@gmail.com
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