'Bipolaridade não é loucura, com tratamento, leva-se vida normal'

Conhecido também como psicose maníaco-depressiva ou doença maníaco-depressiva, o transtorno bipolar é alvo de muito preconceito. Mas há ações no sentido de lutar contra a discriminação e em favor do conhecimento e aceitação da doença.

Um exemplo é a escolha de 30 de março como o Dia Mundial do Transtorno Bipolar. Nesse dia nasceu o pintor Vincent Van Gogh. Após sua morte, concluiu-se que ele provavelmente sofria da doença que o levou a vários episódios de instabilidade mental e internações. A luta contra o preconceito também foi abraçada por mulheres diagnosticadas com o transtorno. A seguir, a história de três delas:

"Bipolaridade não é loucura, leva-se vida normal"

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Imagem: Arquivo pessoal

"Minha irmã tem sintomas de transtorno bipolar desde os 14 anos e sofreu até receber o diagnóstico, aos 30. Para ajudá-la, estudei a doença e me vi em alguns dos sintomas. Busquei um psiquiatra e também fui diagnosticada, mas de forma mais sutil que o da minha irmã, que tem mania. Na hipomania, meu caso, a intensidade é menor.

Tinha muita impulsividade de gastar, comer e o sono alterado. Acordava mal-humorada, com pensamentos acelerados, dificuldade de concentração. Era obstinada com trabalho, estudos, tatuagens. Me especializei em transtorno bipolar porque ajudaria de forma dupla os pacientes: com experiência pessoal e como profissional.

Atendo cinco por dia, é o meu limite para ser produtiva. Tomo estabilizador de humor, faço musculação, durmo e acordo no mesmo horário, inclusive nos finais de semana. Sono desregulado é solo fértil para se irritar ou deprimir.

Terapia é fundamental. Ajuda a modular o estresse, entender os sintomas da nossa bipolaridade. Compartilho minhas experiências, mostro que existe o sofrimento, o tratamento e que a gente pode ficar bem. Os sintomas vão embora, você se estabiliza e leva uma vida normal, como pessoas sem transtorno. Não é loucura e, com o tratamento correto, leva-se vida normal." (Marcela Mello, 35, psicóloga especialista em neuropsicologia, fala sobre o tema no Instagram)

"Não contava no trabalho do transtorno bipolar, sabia o risco que teria no emprego"

Christelle Maillet com Chloé
Christelle Maillet com Chloé Imagem: Arquivo pessoal

"No fim do mestrado em administração de empresas, na França, fiz intercâmbio de três meses na UFRJ, caí na turma do colega por quem iria me apaixonar e casar. Formada, voltei ao Brasil para trabalhar na minha área. O transtorno se manifestou aos 24 anos. Me sentia sozinha e o estresse foi o gatilho. Chorava, tinha falta de energia e prazer. Sentia tristeza, lentidão psicomotora, sem forças para as coisas do dia a dia.

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Fui diagnosticada com depressão por um clínico geral. Tomei antidepressivos, melhorei alguns meses, mas um ano e meio depois, ela voltou e foi ficando crônica. Aos 29 anos, consultei um psiquiatra. Tinha a depressão, mas também a fase de hipomania. Ficava eufórica, ansiosa, sem foco, nem concentração. E dormia muito menos. Com as perguntas certas, ele fechou o diagnóstico de transtorno bipolar.

Tomei estabilizador de humor e fui levando a vida. Comecei a fazer psicoterapia, o que me trouxe uma mudança muito grande. Fiquei melhor, mas era gerente de projetos, função que exige comunicação, resolução de conflitos, negociar com várias culturas. E sou perfeccionista, tenho cobrança interna grande também e precisei de sair de licença médica.

Chloé, minha filha, foi muito desejada e planejei tudo com o psiquiatra. A medicação foi trocada por remédios mais seguros. Porém, na gravidez desenvolvi depressão junto com ansiedade. Tinha o corpo lento e mente acelerada, com pensamentos intrusivos de baixa autoestima, que não seria capaz de cuidar da criança, que ela não me merecia. Sentia medo, frustração, culpa.

Não tinha rede de apoio em São Paulo e, ao final da gravidez, resolvemos que seria melhor eu voltar para a França. Fiquei com minha mãe até os quatro meses da minha filha. No final da gravidez, melhorou um pouco a depressão, mas voltou com tudo semanas depois. Lá tive acompanhamento com outro psiquiatra que mexeu na medicação de base. Os hormônios foram gatilho para voltar a depressão na gravidez e pós-parto.

Entendi a necessidade de abordagem integrada de tratamento. Remédio, psicoterapia, atenção ao sono, à alimentação, exercício físico. O óbvio para todos é obrigatório no transtorno bipolar. E precisamos desenvolver uma rede de apoio.

Me senti muito sozinha, não achava informações sobre transtorno bipolar e maternidade e assim nasceu o Mães Com Humores, que me trouxe um propósito de vida. Saúde mental tem tabus. Maternidade e bipolaridade, então, é o fundo da piscina. Não contava para os colegas de trabalho que tinha transtorno bipolar, sabia o risco que teria no emprego. Depois que assumi, minha vida é pública, saí do armário. Transformei a dor em algo melhor." (Christelle Maillet, 43, criadora de Mães Com Humores, no Instagram)

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"Em fase grave da bipolaridade, precisava que me dessem banho"

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Imagem: Arquivo pessoal

"Aos 16 anos, tive uma crise de síndrome do pânico na escola e, a partir daí, tinha medo de sair de casa. Veio a depressão. Fiz terapia, mas só nove anos depois desse episódio fui ao psiquiatra, o que consideravam coisa para loucos. De bipolaridade, então, nunca se falava. A depressão já me constrangia muito.

Nessa fase, mais clara e grave, me afastava. Não levantava da cama, precisava que me dessem banho, me alimentassem.

Cheguei a fazer eletroconvulsoterapia, conhecido como eletrochoque. O tratamento é estigmatizado, mas foi tranquilo e me ajudou a ficar oito meses bem.

Demorou mais seis anos para ter o diagnóstico correto. Como sou animada pensavam: 'A Bia trabalha demais porque tem muita energia' ou 'Ela adora bolsas, por isso que compra aos montes'. Em estado de mania, fico autoconfiante, a autoestima lá em cima. Você não dorme. A realidade está tão boa, né? Na fase mais grave quis comprar todos os apartamentos do meu prédio para ter meus amigos como vizinhos, como no seriado Friends.

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Fui à psiquiatra que me disse que tinha transtorno bipolar. Aderi ao tratamento na hora.

Já não sabia como era, do que gostava, se era festeira ou caseira.

Tomo estabilizadores de humor, faço psicoterapia, pratico exercícios e cuido da alimentação. Durmo todos os dias das 22h30 às 7h. Não tomo cafeína, nem álcool. É possível se tratar, ficar bem e ter uma vida normal. A bipolaridade não é sinônimo de loucura. Estou estabilizada há quatro anos e minha missão é apoiar os outros, auxiliar com informação e diminuir o preconceito." (Bia Garbato, 42 anos, produtora de conteúdo e autora do livro "Bipolar, Sim. Louca, Só Quando Eu Quero"- Matrix Editora)

Adesão ao tratamento é essencial

De acordo com Fernando Fernandes, psiquiatra do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP, a doença se caracteriza por períodos de excitação psíquica e aceleração dos processos mentais, alternados ou não com episódios de depressão.

"A maioria desses casos têm depressão. Mas há aqueles em que só há a aceleração psíquica intensa, conhecida como mania, e a hipomania, quando menos acentuada", explica o médico, acrescentando que esse é um período de humor anormal, elevado, expansivo ou irritável, associado ao aumento da energia ou da atividade da pessoa.

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"Nessa fase pode acontecer uma série de outros sintomas associados como autoestima inflada, grandiosidade, redução da necessidade de sono, falar mais frequentemente que o habitual." Há, ainda, uma dedicação de forma obstinada a alguma atividade social, como academia, ou profissional.

Existe também a impulsividade e envolvimento excessivo em atividades, por vezes prazerosas, com elevado potencial para consequências dolorosas. Entre elas, compras impulsivas, indiscrições sexuais, investimentos financeiros insensatos e empreendimentos de risco.

O mais comum é a doença se tornar perceptível no início da vida adulta ou mais tarde, mas ela pode começar em qualquer idade.

"A base do tratamento são os estabilizadores de humor, mas antidepressivos podem ser usados em associação, dependendo do caso", afirma o médico, que reforça a importância da psicoterapia, assim como mudanças de estilo de vida, como respeito ao período de sono, evitar o uso de substâncias psicoativas e o estresse, ter atividade física, alimentação balanceada e vida social.

"Com medicação adequada, terapia e medidas comportamentais que só dependem do paciente, a chance de ter alguma variação mais grave reduz muito. Ele já saberá reconhecer e, com o acompanhamento médico, pode se evitar que um episódio mais intenso ocorra", esclarece o psiquiatra.

Fernandes também alerta para o preconceito de que pessoas com transtorno bipolar são difíceis.

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Se ela está realizando o tratamento adequadamente e estável, as características de personalidade dela podem ser de uma pessoa de mais difícil trato ou mais fácil, como qualquer outra. Não existe essa relação. Fernando Fernandes, psiquiatra

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