Ela consegue sentir o cheiro do Parkinson e ajuda em pesquisas sobre doença
Joy Milne, 72, sempre teve um olfato poderoso, conhecido clinicamente como hiperosmia. Mas depois que conseguiu sentir o cheiro do Parkinson em seu marido, tornou-se coautora de vários artigos sobre a doença. Em entrevista ao jornal The New York Times nesta sexta-feira (14), ela contou como está ajudando em novas pesquisas na detecção precoce da condição.
O que aconteceu
Olfato superpoderoso. O nariz de Joy sempre foi excepcionalmente sensível e ela amava o cheiro do seu marido, Les, que tinha "aroma de sal e almíscar, acentuado com uma sugestão de couro do sabonete que ele usava".
Cheiro do marido mudou. Les, que era médico, passava longas horas na sala cirúrgica e Joy dizia que ele voltava para casa com cheiro de anestésicos, anti-sépticos e sangue. Mas numa noite de agosto de 1982, pouco depois de Les completar 32 anos, ele voltou cheirando a algo novo e desagradável para ela, a algum mosto espesso. Segundo Joy, a partir de então, o odor nunca mais cessou.
Les ficou diferente. Com o tempo, ele mudou seu comportamento e se tornou desapegado, mal-humorado e apático, além de sofrer algumas mudanças físicas. "Um taco de golfe escorregou de suas mãos no meio do movimento. Jogando dardos na casa de um amigo, ele de alguma forma conseguiu acertar um em seu pé", disse Joy. Ele também teve um sono cada vez mais perturbado e começou a "interpretar" seus sonhos enquanto dormia.
Diagnóstico. Les foi diagnosticado com Parkinson e, aos 44 anos, começou o tratamento. Os sintomas da doença também pioraram. A voz dele se acalmou e ele desenvolveu um andar lento e arrastado, muitas vezes congelando no meio do passo. Logo ele não conseguia mais se vestir; começou a usar fraldas; seu sono era cada vez mais irregular.
Descoberta do "cheiro do Parkinson". Ao ir com Les a uma reunião de pacientes de Parkinson e seus cuidadores, Joy sentiu o mesmo odor desagradável que pairou sobre o seu marido durante os últimos 25 anos.
Participação em estudos
Camisetas com cheiro da doença. Joy se encontrou com cientistas da Universidade de Edimburgo e participou de um pequeno estudo. Foram recrutados 12 participantes: seis com Parkinson e seis controles saudáveis. Cada participante foi solicitado a usar uma camiseta recém-lavada por 24 horas. As camisas usadas foram então colocadas em seu próprio saco plástico lacrado. Joy cheirou aleatoriamente as peças e identificou corretamente cada amostra pertencente a um paciente com Parkinson.
Tudo está no sebo. O odor sentido por Joy se concentrava no decote das camisetas. Os cientistas então pensaram que ele talvez viesse do sebo, a substância rica em lipídios secretada pela pele.
Novo estudo. Eles coletaram amostras de sebo das costas de pacientes com Parkinson de 25 clínicas do sistema de saúde na Inglaterra e na Escócia. Dos mais de 200 fragmentos moleculares que uma máquina distinguiu nas amostras, Joy relatou um forte cheiro semelhante ao de Parkinson na presença de apenas três: eicosano, octadecanal e ácido hipúrico. Cada um dos produtos químicos foi encontrado em concentrações notavelmente mais elevadas no sebo dos pacientes de Parkinson do que nos controle, escreveram os investigadores no seu relatório de 2019.
Por que o sebo? Numa análise de 2021, publicada na Nature Communications, os cientistas encontraram evidências de alterações da função mitocondrial e lisossômica na doença de Parkinson. Os subprodutos dessas vias interrompidas —as moléculas que Joy detectou— estavam, ao que parecia, sendo transportados de alguma forma para a superfície do corpo.
Implicações. Mais estudos precisam ser feitos, mas os cientistas e Joy imaginam a possibilidade de usar testes de sebo para rastrear o Parkinson em larga escala. Outros pesquisadores acreditam que a análise do sebo pode sugerir, no futuro, Parkinson num paciente sem sinais externos, e essa pessoa pode ser submetida a testes mais invasivos.
A importância do diagnóstico precoce
Terapias existentes para o Parkinson tratam apenas seus sintomas. Não há cura nem intervenção para deter a progressão da doença ou reverter os danos cerebrais.
Doença ainda é diagnosticada como era há 200 anos. O diagnóstico é feito com base nos sintomas motores característicos. No entanto, quando estes emergem, a maioria dos neurônios já morreu. "Tentar resgatar o cérebro desse nível de dano é muito difícil", diz David T. Dexter, neurofarmacologista que supervisiona pesquisas na fundação médica Parkinson's UK. "Você está tentando fechar a porta do estábulo depois que o cavalo fugiu, na verdade."
Diagnóstico precoce é meta. Para que uma terapia modificadora da doença tenha uma chance significativa de eficácia, provavelmente precisaria ser aplicada muito antes, anos ou mesmo décadas antes de a maioria dos pacientes serem atualmente diagnosticados.
Les morreu em 2015, aos 65 anos.
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