'Vivia em festas para não encarar a dor': em 6 meses, ela perdeu pai e mãe
Bárbara Therrie
Colaboração para VivaBem
18/06/2024 04h10
Criada pelo pai e sem uma relação próxima com a mãe, em 2017, a influenciadora digital Jasmine Cowell, 30, perdeu os dois com seis meses de diferença. Após ter um ataque de pânico no trabalho, a canadense encontrou na corrida uma forma de lidar com o luto.
"Não queria mais fugir de mim, beber ou ir em festas. Precisava me reencontrar, coloquei o tênis e simplesmente saí pra correr. Durante o trajeto, me senti alegre, grata por estar viva e com esperança de que ia ficar tudo bem", relembra. A seguir, a atleta amadora de corrida compartilha sua história:
"Nasci e morei no Canadá até os 12 anos, quando eu e meu pai nos mudamos para o Brasil. Ele era meu melhor amigo, tínhamos uma relação maravilhosa, de transparência e maturidade.
Ele tinha 50 anos quando nasci, dizia que estava me preparando para o mundo porque em algum momento seria só eu. Ele me criou sozinha, minha mãe se ausentou da nossa vida quando eu tinha 3 anos, não tinha contato com ela.
Em 2017, eu e meu pai viajamos para o Canadá para visitar a minha irmã. Ele estava bem, mas do nada teve febre e começou a delirar, não sabia onde estava, não lembrava quem era ele, eu, só lembrava do nosso gato. Com o passar do tempo ele foi piorando, parou de falar, perdeu alguns movimentos do corpo e ficou em estado vegetativo.
Meu pai ficou um mês internado no Canadá até ser transferido para um hospital no Brasil. Chegando aqui, ele ficou em coma induzido e faleceu. Os médicos disseram que o coração dele não aguentou, mas o problema de saúde que ele teve nunca foi bem esclarecido.
A morte do meu pai foi de uma forma repentina, me gerou raiva e negação. Perdi a vontade de viver, não queria e não sabia viver sem ele. As pessoas diziam que ia ficar tudo bem, mas eu dizia que não ia ficar nada bem.
Nunca pensei em cometer suicídio, mas queria que alguém me tirasse do mundo.
"Vivia em festas e bares para não encarar a dor"
Após a morte dele, entrei no piloto automático, tive que resolver questões burocráticas e não passei pelo processo do luto.
Bebia socialmente e vivia em festas e bares com amigos para não encarar a dor, para esquecer e fugir dos pensamentos.
Seis meses após a morte do meu pai, alguns parentes no Canadá me falaram que minha mãe havia falecido de câncer. Apesar de não ter contato com ela, o fato de não ter mais as duas pessoas que me colocaram no mundo mexeu comigo e todas as emoções acumuladas e reprimidas desde a morte do meu pai vieram à tona.
Tive um ataque de pânico no trabalho, estava em uma sala e a sensação era como se as paredes estivessem caindo em cima de mim e como se tudo ao meu redor estivesse ficando pequeno. O coração acelerou, tive náuseas e crise de choro.
Naquele momento percebi que meu corpo estava chamando minha atenção, não estava lidando bem com as perdas. Não queria mais fugir de mim, beber ou ir em festas. Precisava me reencontrar, coloquei o tênis e simplesmente saí pra correr. Durante o trajeto, me senti alegre, grata por estar viva e com esperança de que ia ficar tudo bem.
A partir daquele dia, comecei a correr todos os dias por hobby, fazia bem para o meu corpo e para a minha mente. Meu pai sempre me incentivou a praticar esportes, já fiz ioga, natação jiu-jitsu, karatê, corrida e patinação no gelo.
Era uma criança muito elétrica e lembro que ele dizia para eu correr e me movimentar para gastar energia. Paralelamente à corrida fazia terapia para me ajudar a sair do lugar de tristeza e para lidar com as outras emoções.
Em 2021, fiz a minha primeira prova de rua, o que mais achei legal foi a diversidade, há pessoas de todos os tipos e cada um tem a sua superação individual. Amo saber que consegui correr 5, 10, 20 km sem parar e que consegui fazer coisas que jamais imaginei que conseguiria fazer.
Contratei uma assessoria esportiva, fiz duas meia-maratonas e comecei a praticar triatlo após sofrer uma lesão e ficar um tempo sem correr. Em breve, vou disputar minha primeira prova de triatlo, e um dia pretendo participar das seis maiores maratonas do mundo.
Passei a compartilhar a minha rotina no Instagram (@cafecomjas) e em 2024 participei de uma campanha da Track & Field chamada: "Em movimento, a vida te encontra", que fala sobre os benefícios emocionais e físicos do esporte quando passamos pelos desertos da vida.
Corrida é sinônimo de vida, saúde, gratidão
O tempo em que estive com meu pai no hospital e vi como ele e os outros pacientes ficaram debilitados me mostrou como somos frágeis, como podemos estar bem hoje e amanhã não.
A corrida entrou na minha vida para me ajudar a lidar com o luto, mas ela vai ficar para sempre porque ela é sinônimo de vida, saúde e gratidão para mim."
Corrida x saúde mental
O exercício físico é a base para uma boa saúde física e mental. Quando inserido na rotina, o esporte se torna uma atividade rotineira prazerosa e de autocuidado, capaz de liberar endorfina, serotonina e dopamina pelo nosso organismo. Esses hormônios produzem alterações fisiológicas como melhora do humor, alívio da ansiedade, regulação do ciclo sono-vigília e motivação.
Já está bem estabelecido na literatura científica que a corrida e outras atividades aeróbicas podem ajudar o sistema nervoso autônomo, inclusive, na regulação do estresse.
Em situações de estresse (e atividade física também), o sistema nervoso simpático é ativado, provocando diversas mudanças fisiológicas para o corpo conseguir enfrentar a tarefa (seja um tiro nos 100 metros rasos, uma prova de 10 km ou uma reunião importante no trabalho). O coração dispara, a frequência respiratória aumenta, a boca fica seca e o sangue vai para os músculos. É hora de lutar ou fugir.
Depois disso, o sistema nervoso parassimpático entra em ação e promove o relaxamento e recuperação do organismo. Corredores podem ter melhor capacidade de regular esse sistema. Anna Vitoria Renaux, psicóloga do esporte da Confederação Brasileira de Atletismo, mestre em ciências da saúde pela Unifesp
Corredores são mais resilientes? Se movimentar é um ótimo jeito de olhar para dentro e escutar o corpo, perceber as sensações e preferências de cada um. O esporte é um convite para ver os pontos fortes e fracos. Tem dias que a pessoa ganha, e outros em que ela perde. Isso é importante para identificar se ela é mais persistente ou intolerante as frustrações.
Em esportes como a corrida, os corredores passam por longos períodos na própria companhia, ouvindo seus pensamentos, o que costuma exigir um grande controle e esforço mental, pois em muitos momentos eles precisam ficar 'brigando com a mente' para não desistir. Anna Vitoria Renaux, psicóloga do esporte
Corrida como ferramenta para lidar com o luto. O luto é uma fase dolorosa que deve ser vivida no tempo de cada um. Manter uma rotina de atividade física pode ser um fator de proteção para o adoecimento mental, mas não deve ser uma válvula de escape absoluta com a finalidade de substituir a dor da perda.
A missão da Track&Field, como marca, é promover o esporte como parte essencial da vida das pessoas. A jornada é tão importante quanto a linha de chegada. Passa por autoconhecimento, por ser gentil consigo mesmo, por entender seus limites, suas capacidades e possibilidades, por não se cobrar tanto, mas também se responsabilizar por si mesmo, suas escolhas. Laura Marquez, head de marketing da Track&Field