'Faltava o ar': o que explica jovens estarem mais ansiosos do que adultos?
Janaína Silva
Colaboração para o VivaBem
20/06/2024 04h00
As crises de ansiedade de Felipe Franco Menezes Martins, 21, começaram ainda na adolescência. Os sintomas do transtorno começaram quando ele tinha entre 13 e 14 anos, mas, aos 15, as crises vieram: "Faltava o ar, você treme, perde o controle sobre as mãos, fica sem sentir algumas partes do corpo que começam a formigar, é um processo complicado".
Ele, que hoje é formado em marketing e cursa sua segunda graduação em jornalismo, conta que a condição atrapalhou aquela fase de sua vida. "A gente sente aquele medo, muitas vezes sem motivação, é aquela apreensão que fica pelo momento, mas que perdura pelo dia e pela rotina, um frio na barriga. Isso tudo atrapalha o sono, os estudos, e gera uma constante preocupação em diversas áreas da vida, seja relacionamentos, família ou trabalho. Só depois compreendi que se tratava de ansiedade", conta.
Felizmente, Felipe sempre contou com o apoio da mãe e, depois, da irmã, que é formada em psicologia. Mas a ajuda profissional também foi importante. "Eu tive um suporte muito bom no SUS (Sistema Único de Saúde). Não conseguia dormir e um médico clínico fez encaminhamento ao Caps (Centro de Atenção Psicossocial), para tratamento psicológico. Depois, passei a fazer atendimento online particular e, atualmente, por questões financeiras, não sigo mais no tratamento, mas ele ajuda muito a ter controle e se cuidar melhor."
Jovens, assim como Felipe, e as crianças estão mais ansiosos e, pela primeira vez no Brasil, os números de casos entre pessoas com 10 a 19 anos superaram os dos adultos, de acordo com análise da Folha de S.Paulo a partir de dados da Raps (Rede de Atenção Psicossocial) do SUS de 2013 a 2023.
Segundo o levantamento, as taxas de atendimentos pelo transtorno de ansiedade aumentaram ainda mais depois de 2022.
Por que aumentou pós-pandemia?
A pandemia teve um impacto negativo na saúde mental de crianças e adolescentes, com aumento dos casos de ansiedade e depressão. Segundo Roberto Santoro, psiquiatra e coordenador do Grupo de Trabalho sobre Saúde Mental da SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria), os transtornos podem ser consequência de:
Isolamento social;
Perda das relações com os pares, com outras crianças e adolescentes;
Medo relacionado à doença;
Medo da perda dos pais;
Variações de rotina;
Uso exagerado de telas.
Foi o que ocorreu com João* em 2021. Com a retomada das aulas com revezamento de alunos e uso de máscaras, os pais dele começaram a perceber algumas mudanças em seu comportamento. Na época, com 16 anos e cursando o Ensino Médio, ele não se sentia bem fora de casa. "Apresentava mal-estar físico e até ânsia de vômito, independente para onde estivesse indo, incluindo viagens", relata a mãe.
Como ele não verbalizava, os pais desconfiavam que pudesse ser uma crise de pânico ou ansiedade. Foi aí que buscaram auxílio psicológico. "Após um determinado tempo de tratamento, a psicóloga recomendou que ele passasse por uma avaliação psiquiatra, para verificar a necessidade de medicação. Ainda hoje, ele continua com a terapia e a medicação está sendo retirada."
As telas e o excesso de atividades
"O uso excessivo e sem ponderação de telas e redes sociais pode afetar o desenvolvimento cognitivo, social e emocional, com consequências como sedentarismo, dificuldades de aprendizado, atraso no desenvolvimento da linguagem e interferências na capacidade de criatividade e solução de problemas", elenca Marjorie Rodrigues Wanderley, psicóloga do Serviço de Psicologia do Hospital Pequeno Príncipe, Curitiba (PR).
Para Tânia Ferraz Alves, psiquiatra e diretora de enfermarias do IPq HC-FMUSP (Instituto da Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), o excesso de atividades leva também à angústia ao não terem o que fazer. Os adolescentes não possuem tempo para ficar com os próprios pensamentos, de solitude e de refletir sobre a sua história. "Muitos estão cansados no final do dia, esgotados mentalmente, pois não pararam de fazer coisas, seja estudar ou no celular, enquanto o físico, não."
A ansiedade é uma experiência normal e positiva, pois permite movimento, por exemplo não sair porque tem prova importante no dia seguinte ou programar o despertador meio hora mais cedo para não chegar atrasado a um compromisso. "O problema é quando é paralisante, quando trava por tanto medo. E, como são jovens que têm mil conexões e poucos amigos, ficam muito atrás de tela e distantes um dos outros, eles não percebem a normalização dos medos", fala Alves.
O que fazer?
Os pais devem estar atentos às alterações de comportamento, como o isolamento e até a irritação, além dos sintomas físicos. Usar as expressões "se acalme" e "fique tranquilo" não funciona. "A recomendação aos pais é buscar ajuda de profissionais de saúde mental se os episódios estão acima do que seria esperado e causam sofrimento. Além disso, é crucial entender que as crianças e adolescentes com esse quadro não controlam a sua ansiedade", esclarece o psiquiatra da SBP.
Segundo ele, o transtorno de ansiedade apresenta componente mental, que é um sentimento de apreensão angustiante em relação ao futuro, e sintomas físicos, como aceleração dos batimentos cardíacos, da respiração, da transpiração, tensão muscular, entre outros. Pode estar relacionado ainda a perturbações do sono, principalmente à dificuldade de pegar no sono.
Alves explica que a psicoterapia é a primeira abordagem para os transtornos de ansiedade, pois tem um resultado muito bom e sem medicação.
"Em um segundo momento, se não melhorar, o psiquiatra especialista em infância e adolescência avalia a necessidade ou não de uma medicação, por um determinado tempo adequado, realizando acompanhamento e exames periódicos", diz Alves. Para ela, deve-se ter cuidado com a automedicação por conta do desenvolvimento físico e das mudanças hormonais significativas da idade.
"Além disso, paralelamente, deve-se promover alterações no estilo de vida, na rotina e nas interações sociais, com o envolvimento de familiares e de pessoas próximas, atuando em conjunto com os profissionais", aconselha a psicóloga do Hospital Pequeno Príncipe.
Aumento da ansiedade na população
Entre os fatores envolvidos no crescimento dos transtornos de ansiedade, Wanderley lista as mudanças sociais, culturais e de comportamento, como:
exposição a estímulos tecnológicos;
cobrança por desempenho e produtividade;
ausência de momentos de ócio;
cultura da comparação fomentada em redes sociais;
isolamento social;
diminuição da frequência de atividades grupais;
processos de violência, por exemplo, o bullying;
falta de atividades físicas;
qualidade do sono.
*Nome trocado a pedido do entrevistado