'Faltava o ar': o que explica jovens estarem mais ansiosos do que adultos?
As crises de ansiedade de Felipe Franco Menezes Martins, 21, começaram ainda na adolescência. Os sintomas do transtorno começaram quando ele tinha entre 13 e 14 anos, mas, aos 15, as crises vieram: "Faltava o ar, você treme, perde o controle sobre as mãos, fica sem sentir algumas partes do corpo que começam a formigar, é um processo complicado".
Ele, que hoje é formado em marketing e cursa sua segunda graduação em jornalismo, conta que a condição atrapalhou aquela fase de sua vida. "A gente sente aquele medo, muitas vezes sem motivação, é aquela apreensão que fica pelo momento, mas que perdura pelo dia e pela rotina, um frio na barriga. Isso tudo atrapalha o sono, os estudos, e gera uma constante preocupação em diversas áreas da vida, seja relacionamentos, família ou trabalho. Só depois compreendi que se tratava de ansiedade", conta.
Felizmente, Felipe sempre contou com o apoio da mãe e, depois, da irmã, que é formada em psicologia. Mas a ajuda profissional também foi importante. "Eu tive um suporte muito bom no SUS (Sistema Único de Saúde). Não conseguia dormir e um médico clínico fez encaminhamento ao Caps (Centro de Atenção Psicossocial), para tratamento psicológico. Depois, passei a fazer atendimento online particular e, atualmente, por questões financeiras, não sigo mais no tratamento, mas ele ajuda muito a ter controle e se cuidar melhor."
Jovens, assim como Felipe, e as crianças estão mais ansiosos e, pela primeira vez no Brasil, os números de casos entre pessoas com 10 a 19 anos superaram os dos adultos, de acordo com análise da Folha de S.Paulo a partir de dados da Raps (Rede de Atenção Psicossocial) do SUS de 2013 a 2023.
Segundo o levantamento, as taxas de atendimentos pelo transtorno de ansiedade aumentaram ainda mais depois de 2022.
Por que aumentou pós-pandemia?
A pandemia teve um impacto negativo na saúde mental de crianças e adolescentes, com aumento dos casos de ansiedade e depressão. Segundo Roberto Santoro, psiquiatra e coordenador do Grupo de Trabalho sobre Saúde Mental da SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria), os transtornos podem ser consequência de:
Isolamento social;
Perda das relações com os pares, com outras crianças e adolescentes;
Medo relacionado à doença;
Medo da perda dos pais;
Variações de rotina;
Uso exagerado de telas.
Foi o que ocorreu com João* em 2021. Com a retomada das aulas com revezamento de alunos e uso de máscaras, os pais dele começaram a perceber algumas mudanças em seu comportamento. Na época, com 16 anos e cursando o Ensino Médio, ele não se sentia bem fora de casa. "Apresentava mal-estar físico e até ânsia de vômito, independente para onde estivesse indo, incluindo viagens", relata a mãe.
Como ele não verbalizava, os pais desconfiavam que pudesse ser uma crise de pânico ou ansiedade. Foi aí que buscaram auxílio psicológico. "Após um determinado tempo de tratamento, a psicóloga recomendou que ele passasse por uma avaliação psiquiatra, para verificar a necessidade de medicação. Ainda hoje, ele continua com a terapia e a medicação está sendo retirada."
As telas e o excesso de atividades
"O uso excessivo e sem ponderação de telas e redes sociais pode afetar o desenvolvimento cognitivo, social e emocional, com consequências como sedentarismo, dificuldades de aprendizado, atraso no desenvolvimento da linguagem e interferências na capacidade de criatividade e solução de problemas", elenca Marjorie Rodrigues Wanderley, psicóloga do Serviço de Psicologia do Hospital Pequeno Príncipe, Curitiba (PR).
Para Tânia Ferraz Alves, psiquiatra e diretora de enfermarias do IPq HC-FMUSP (Instituto da Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), o excesso de atividades leva também à angústia ao não terem o que fazer. Os adolescentes não possuem tempo para ficar com os próprios pensamentos, de solitude e de refletir sobre a sua história. "Muitos estão cansados no final do dia, esgotados mentalmente, pois não pararam de fazer coisas, seja estudar ou no celular, enquanto o físico, não."
A ansiedade é uma experiência normal e positiva, pois permite movimento, por exemplo não sair porque tem prova importante no dia seguinte ou programar o despertador meio hora mais cedo para não chegar atrasado a um compromisso. "O problema é quando é paralisante, quando trava por tanto medo. E, como são jovens que têm mil conexões e poucos amigos, ficam muito atrás de tela e distantes um dos outros, eles não percebem a normalização dos medos", fala Alves.
O que fazer?
Os pais devem estar atentos às alterações de comportamento, como o isolamento e até a irritação, além dos sintomas físicos. Usar as expressões "se acalme" e "fique tranquilo" não funciona. "A recomendação aos pais é buscar ajuda de profissionais de saúde mental se os episódios estão acima do que seria esperado e causam sofrimento. Além disso, é crucial entender que as crianças e adolescentes com esse quadro não controlam a sua ansiedade", esclarece o psiquiatra da SBP.
Segundo ele, o transtorno de ansiedade apresenta componente mental, que é um sentimento de apreensão angustiante em relação ao futuro, e sintomas físicos, como aceleração dos batimentos cardíacos, da respiração, da transpiração, tensão muscular, entre outros. Pode estar relacionado ainda a perturbações do sono, principalmente à dificuldade de pegar no sono.
Alves explica que a psicoterapia é a primeira abordagem para os transtornos de ansiedade, pois tem um resultado muito bom e sem medicação.
"Em um segundo momento, se não melhorar, o psiquiatra especialista em infância e adolescência avalia a necessidade ou não de uma medicação, por um determinado tempo adequado, realizando acompanhamento e exames periódicos", diz Alves. Para ela, deve-se ter cuidado com a automedicação por conta do desenvolvimento físico e das mudanças hormonais significativas da idade.
"Além disso, paralelamente, deve-se promover alterações no estilo de vida, na rotina e nas interações sociais, com o envolvimento de familiares e de pessoas próximas, atuando em conjunto com os profissionais", aconselha a psicóloga do Hospital Pequeno Príncipe.
Aumento da ansiedade na população
Entre os fatores envolvidos no crescimento dos transtornos de ansiedade, Wanderley lista as mudanças sociais, culturais e de comportamento, como:
exposição a estímulos tecnológicos;
cobrança por desempenho e produtividade;
ausência de momentos de ócio;
cultura da comparação fomentada em redes sociais;
isolamento social;
diminuição da frequência de atividades grupais;
processos de violência, por exemplo, o bullying;
falta de atividades físicas;
qualidade do sono.
*Nome trocado a pedido do entrevistado
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