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Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Cansaço mental e choro: 'Odiava São Paulo, saí do emprego e mudei de país'

Gabrielly se mudou para Lisboa, em Portugal, onde está se recuperando do esgotamento vivido no ano passaado Imagem: Reprodução/Redes Sociais

Maurício Businari

Colaboração para o UOL

20/06/2024 04h00

A brasileira Gabrielly Sadovik, 24, viralizou nas redes sociais ao postar um vídeo em que relata sua experiência de burnout vivendo e trabalhando em São Paulo, e sobre como teve que se mudar para outro país, em busca de uma vida mais saudável sob todos os aspectos.

O que aconteceu

Formada em administração pública, Gabrielly, natural de Itaquera, sempre trabalhou com marketing e comunicação, dedicando sua vida inteiramente aos estudos e ao trabalho. No ano passado, ela enfrentou um problema grave de esgotamento físico e emocional, que a obrigou a se reinventar.

A pressão de viver em uma cidade como São Paulo, com suas longas distâncias e o ritmo acelerado, contribuiu para seu estado de esgotamento. Ela se mudou de Itaquera para o bairro do Belém, na capital, para ficar mais próxima do trabalho no Itaim Bibi, mas a sobrecarga mental não diminuiu.

Os primeiros sinais de burnout foram claros quando o cansaço mental se tornou insuportável. Eu sentia que não importava quanto dormisse ou descansasse, a exaustão mental persistia. Comecei a me isolar, a me afastar das pessoas que eu amava. Chorava por qualquer coisa e tudo me afetava profundamente. Gabrielly Sadovik

A sobrecarga mental veio de diversos fatores, incluindo a necessidade de se adaptar a ambientes elitizados e a pressão constante do trabalho. A decisão de mudar de vida veio quando Gabrielly percebeu que não estava entusiasmada com seu futuro.

"Eu olhava para a frente e não via uma vida que me deixava feliz. Se minha vida daqui a 10, 15 anos fosse exatamente a mesma, eu não queria continuar assim", afirma, confessando que sua insatisfação com São Paulo também desempenhou um papel crucial na sua decisão de mudar de vida. Foi quando o amor que sentia pela cidade desde criança foi se transformando em ódio e decepção.

"Sempre amei São Paulo, mas a cidade está abandonada, cada vez mais lotada, com prédios sendo construídos sem parar, e a cidade não comporta tanta gente. O transporte público é um inferno na terra e quase não há mais áreas de lazer", desabafa, lembrando que a pandemia intensificou esses sentimentos, fazendo-a perceber que muitos aspectos de sua rotina não faziam mais sentido. "Comecei a ver que não adiantava eu passar a minha vida numa cidade que eu odeio".

Mesmo ganhando dinheiro, Gabrielly gastava tudo em delivery e Uber, pois não tinha tempo para fazer suas próprias coisas. Esse ciclo de trabalho incessante a fez perder o sentido nas atividades que realizava. "Viver é ter um propósito claro e impactar positivamente a vida de alguém, mas a rotina exaustiva me afastava dessa convicção", reflete.

Momento da virada

A virada veio durante uma viagem de férias pela Europa com seu namorado, Willkler de Menezes, que trabalha com comércio exterior. Foram 15 dias perfeitos, mas ao voltar para São Paulo, ela se deu conta de que não queria viver uma vida onde apenas 15 dias de férias valiam a pena, enquanto os outros 350 dias eram dedicados a um trabalho que a esgotava. Esse retorno desencadeou uma crise existencial profunda, levando-a a questionar seu futuro e a forma como estava vivendo.

Gabrielly decidiu então se demitir e começar a buscar novas perspectivas. Ela se mudou para Lisboa, em Portugal, com o namorado, ambos com empregos garantidos, e apesar dos desafios da mudança, sentiu uma paz de espírito que há muito não experimentava. Agora, seus esforços estão focados em se curar, reconectando-se com familiares e amigos, e dedicando tempo às coisas que realmente importam.

Atualmente, a jovem trabalha em uma empresa alemã, em Portugal, até as seis da tarde e está aprendendo novos idiomas e explorando novos lugares. Recentemente, viajou para a Espanha e planeja uma viagem para Londres. Ela está empolgada com o futuro e planeja retomar a produção de conteúdo para as redes, mas com um enfoque renovado e genuíno, sendo uma referência verdadeira para seus seguidores.

"Hoje, estou focada em organizar minha vida, sem abandonar totalmente o mundo corporativo. Estou reestruturando minha vida, separando trabalho e relacionamentos em suas devidas caixinhas, para desfrutar de uma vida significativa. Meu objetivo é ser porta-voz para outras pessoas, compartilhando minha história para ajudar quem se identifica. Aprendi que a vida é sobre o caminho e não apenas a chegada".
Gabrielly Sadovski

A jovem decidiu mudar de vida após uma viagem pela Europa com o namorado, Willkler Imagem: Arquivo Pessoal/Instagram

O que dizem os especialistas

O UOL ouviu especialistas em áreas distintas, porém correlatas à questão do burnout. Marcel Fulvio Lamas, coordenador de psiquiatria do Hospital Albert Sabin, explica que as causas frequentes do burnout incluem uma alta carga de trabalho, pouca autonomia nas tarefas diárias, ambiguidades nos papéis ocupados pelos funcionários, conflitos no ambiente de trabalho, falta de reconhecimento e suporte inadequado por parte de supervisores ou colegas.

"Prolongado, o burnout pode levar a complicações sérias como ansiedade e depressão, problemas cardíacos e insônia. Além disso, afeta negativamente a eficiência no trabalho, aumentando as chances de absenteísmo e podendo resultar em desgaste emocional contínuo", alerta o psiquiatra.

O burnout pode levar a uma redução significativa no interesse por atividades que anteriormente eram prazerosas, um fenômeno conhecido como anedonia. Quando essa condição é persistente, sugere-se uma avaliação para burnout crônico, o que pode demandar intervenção profissional [nas áreas da psiquiatria e psicologia], para recuperar a motivação e o engajamento.
Marcel Fulvio Lamas

Para a psicóloga Rosângela Casseano, especializada em psicologia organizacional, as organizações podem implementar estratégias eficazes para prevenir o burnout entre seus colaboradores. Algumas medidas incluem promover um ambiente de trabalho saudável, que valorize o equilíbrio entre vida pessoal e profissional.

É necessário também fornecer suporte emocional e recursos adequados para a realização das tarefas, garantir a clareza das expectativas e responsabilidades, incentivar a participação dos funcionários nas decisões que afetam o trabalho deles e promover programas de bem-estar e autocuidado.

"O burnout pode impactar negativamente os relacionamentos interpessoais no ambiente de trabalho. Funcionários que estão sofrendo de burnout podem se tornar mais impacientes, irritados e ter dificuldade em lidar com colegas de trabalho e familiares", avisa a psicóloga.

Para lidar com esses efeitos, as abordagens organizacionais podem incluir o incentivo à comunicação aberta e respeitosa, a promoção de um ambiente de trabalho colaborativo e de apoio mútuo, e a implementação de programas de treinamento em habilidades de comunicação e gestão do estresse.
Rosangela Casseano

Burnout em jovens

Segundo a Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), uma pesquisa do Grupo Adecco com 15 mil pessoas globalmente revelou que 38% sofreram de burnout em 2021, e 32% relataram piora significativa na saúde mental devido ao trabalho remoto. O burnout tem afetado mais as gerações jovens, especialmente novos líderes: 45% da Geração Z, 42% dos millennials, 35% da Geração X e 27% dos baby boomers.

Doutor em saúde e meio ambiente, Cleberson Costa, professor de psicologia da Unit (Universidade Tiradentes), afirma que a literatura identifica que, principalmente, os jovens que trabalham em funções de liderança têm sido mais exposto aos estressores e ao maior risco de burnout. Para ele, é difícil delimitar uma razão, considerando que o burnout "perpassa múltiplas causas e significados subjetivos", variando de indivíduo a indivíduo.

Acredito que fatores sociais nos ajudam a entender essa situação. A dupla jornada de trabalho tem sido realidade para muitos jovens que buscam alguma estabilidade financeira, ou algum progresso. Isso impacta ainda mais os países com maiores dificuldades. Mais necessidade de horas trabalhadas, menor o equilíbrio entre demandas pessoais e profissionais, e vamos nos aproximando de um possível cenário de burnout.
Cleberson Costa

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