Experiência de quase morte: 'Ouvi apito do monitor e saí do corpo'
A professora Ana Carolina Toschi, 47, nunca tinha ouvido falar em experiência de quase morte (EQM) quando viveu uma situação extracorpórea em 2006, no parto da filha caçula. Em vez de medo e insegurança, Ana Carolina relata momentos de um sentimento indescritível —e a sensação de certeza de que, mesmo sem saber como, não era sua hora. A VivaBem, ela conta como aquele dia foi um "divisor de águas" em sua vida.
"Não era minha hora"
"Em 8 de março de 2006, foi o parto da minha filha caçula. Tomei a anestesia raquidiana para a cesárea, tocou o telefone do médico, e ele saiu da sala.
Comecei a me sentir mal e, como já tinha passado por outros partos, sabia que o anestesista deveria estar ali. Comecei a conversar com a enfermeira, que estava no meu lado esquerdo, e falei que estava passando muito mal.
Tentava explicar e ela fez que não entendeu o que eu estava falando. Tentava continuar falando, ela começou a chorar e disse: 'Mãe, abre o olho, mãezinha'. Nisso, pensei: 'Nossa, que estranho, estou de olho aberto e falando com ela'. Me senti um pouco mais para trás, como se meu rosto tivesse se deslocado para dentro. Conseguia ver a 'parte de dentro' dos olhos.
Ouvi apitar o monitor, olhei para trás e vi uma linha. Quando vi essa linha, já imaginei o que estava acontecendo. Saí do corpo e fiquei em paralelo, de pé, ao lado do monitor, vendo o que estava acontecendo. Foi muito rápido.
Em seguida, já me vi em outro lugar deitada em uma cama. A grade da cama era branca, diferente do hospital, e vi tudo muito branco. Uma luz forte branca. Essa foi a parte mais emocionante de estar lá, não tinha vontade de sair dali, porque é uma sensação maravilhosa que no corpo a gente não consegue ter.
É uma coisa indescritível mesmo. A gente se desliga do corpo, porque a gente não tem mais o sentimento. Mas isso eu só fui entender depois. No fundo, várias pessoas estavam vestidas de branco —não sei dizer quantas, acho que umas 30. Como era muita luz branca, só via as cabecinhas. Elas pareciam que estavam reunidas, não estavam de frente para mim.
Pensei: 'Não é para eu estar aqui'. Sabia, ninguém veio falar comigo. A gente ouve histórias de que quando morre alguém vem buscar, você encontra Jesus Cristo... Cada religião diz uma coisa. E lá, na hora, estava me sentindo em paz. Mas o pensamento que veio na minha cabeça era de que não era a minha hora.
Ainda lá, ouvi o som da bebê chorando. De repente, senti uma puxada pelas costas, como se caísse em um túnel, e encaixei de novo no meu corpo. Ouvi o anestesista voltando, entrando na sala, e alguém explicou para ele o que aconteceu.
Uma outra enfermeira, que estava do lado direito, perguntou: 'O que eu faço?'. Ele respondeu: 'aplica 5 mg de efedrina (medicamento usado em momentos de queda abrupta da pressão)'.
Senti algo quente vindo do pé para a cabeça, como se minha circulação estivesse voltando. Ouvi o pediatra perguntando para o obstetra se podia levar a bebê para perto de mim e ele respondeu que ainda não. O obstetra terminou de costurar, tirou os lençóis, jogou em cima de mim e saiu da sala. Fiquei sozinha, olhando para o relógio.
Passou uns 40 minutos, uma das enfermeiras me viu e perguntou o que ainda estava fazendo ali. Só confirmei tudo isso o que aconteceu, que não tinha sido alguma coisa da minha cabeça. Quando voltei para o quarto, tinha uma moça lá, dividindo o quarto comigo. O parto dela foi logo em seguida do meu, a gente ainda não tinha se visto.
Ela me contou que ouviu os médicos conversando e falando que no parto anterior uma mãe tinha morrido e voltado.
Depois que ela falou, eu disse: 'Você está falando o que acabou de acontecer comigo, é a minha história'. Isso confirmou tudo, não estava viajando. Alguns anos depois, que comecei a contar essa história, uma pessoa me falou que isso que eu passei se chama experiência de quase morte. E me deu um livro sobre o assunto.
E aí fui ler e vi que tinha bastante a ver. Depois, conversei com uma pessoa que estudava sobre o assunto e ela falou que [a minha experiência] tem 'todos os passos' de uma EQM. Essa experiência foi meio que um divisor de águas para mim. Uma vez, contando para uma amiga, ela me questionou o que mudou na minha vida depois da EQM.
Sou uma pessoa mais sensível em percepções, na empatia com as pessoas. Já ouvi algumas pessoas falarem que, quando estão perto de mim, sentem uma paz. Hoje sou professora, mas penso em, quando me aposentar, daqui a uns anos, vou me especializar em alguma coisa terapêutica ou nessa área que possa trazer um pouco de espiritualidade para as pessoas."
Estudo
Embora a interpretação desses relatos e a própria existência de EQMs sejam subjetivas, nos últimos anos, pesquisadores têm se debruçado em entender o que se passa na mente humana em situação de risco iminente de morte.
Em 2023, um estudo conduzido pela neurocientista Jimo Borjigin, na Universidade de Michigan, indicou que, em um grupo de pessoas que sobreviveram a uma parada cardíaca, pelo menos de 20% a 25% relataram ter visto uma luz. Isso pode indicar que certas áreas do cérebro, responsáveis pela percepção sensorial, estavam ativadas.
Em outra observação, quatro pacientes em coma tiveram o ventilador mecânico desligado em decorrência de diferentes doenças. Borjigin notou que dois deles tiveram uma alta na atividade cerebral. A falta de oxigênio no sangue (hipoxia) seria a responsável por esse "pico".
O que é EQM
No Brasil, Beatriz Ferrara Carunchio, pesquisadora de pós-doutorado pelo Departamento de Psicologia Social e do Trabalho do Instituito de Psicologia da USP, tem se dedicado a estudar o tema.
Segundo um artigo publicado por ela na revista Rever, da PUC-SP, as EQMs podem ser definidas como "experiências subjetivas muito intensas que ocorrem a pacientes em morte clínica ou muito próximos deste estado".
Geralmente, após esse tipo de experiência, o paciente passa por intensas mudanças, não apenas no âmbito da espiritualidade e religiosidade, mas em diferentes setores de sua vida, tais como nos relacionamentos afetivos e interpessoais, na carreira, em aspectos psicossociais (incluindo crenças, visão de mundo, planos, metas e a própria identidade).
Carunchio explica que as "experiências são, geralmente, muito curtas, embora o paciente possa ter sua percepção de tempo alterada". Um minuto de morte clínica, quando a reanimação ainda é possível, ou cinco minutos desacordado podem parecer várias horas para alguém nesta situação.
Características de uma EQM
Beatriz Carunchio também reuniu características que são frequentemente relatadas por pessoas que dizem que passaram por uma EQM. Entre outras vivências, algumas das mais comuns, são:
Dificuldade de transformar a lembrança em relato;
Consciência de estar morto (conseguir observar o corpo "de cima" ou ouvir um profissional de saúde atestar o óbito);
Sentimentos de paz e serenidade;
Sensação de "flutuar" e ver o próprio corpo;
Experiência de atravessar um túnel, com ou sem uma luz no final;
Visitas a supostos outros planos, usualmente descritos como lugares bonitos;
Retorno ao corpo por livre escolha ou não.
*Ana Carolina afirma que não foi registrada parada cardiorrespiratória ou qualquer intercorrência em prontuário após a cirurgia em que teria sofrido a EQM e fala em negligência da unidade de saúde. Conforme relatado, ainda existem poucos estudos sobre o que acontece no momento imediato antes da morte e não é possível negar ou comprovar esse tipo de experiência. Dificilmente um relato de EQM poderá ser comprovado.