Testes de personalidade podem até ser divertidos, mas cuidado com resultado
"Conhece a ti mesmo" era uma das inscrições mais famosas da Grécia Antiga. Já naquela época, a busca pelo autoconhecimento era notória e seguiu-se crescente nos séculos seguintes.
Durante a Segunda Guerra Mundial, por exemplo, foram aplicados testes psicológicos para saber quais soldados iriam "espanar" diante dos horrores da guerra.
Nos últimos anos, o aumento da conscientização sobre a importância da saúde mental fez com que as pessoas buscassem mais ferramentas para se conhecerem melhor. Isso porque o autoconhecimento é importante para curar traumas e feridas emocionais.
Um dos principais testes que movem esse mercado é o chamado Myers-Briggs, que descreve 16 tipos de personalidade com base em conceitos desenvolvidos pelo psiquiatra suíço Carl Jung.
O teste hoje é utilizado por muitas empresas tanto para perfilar seus funcionários como durante processos seletivos —embora a Myers-Briggs Foundation afirme categoricamente que esse último tipo é antiético. Para fazer o teste online, a Myers-Briggs cobra US$ 60.
Além dos testes de personalidade, recentemente surgiram as linguagens do amor (seriam cinco) e há também os estilos de apego (como o seguro e o ansioso). Se pararmos para pensar bem, até a seleção para as casas de Hogwarts (da série de livros de Harry Potter) serve para supostamente dizer algo sobre a nossa personalidade. E por que isso importa?
Precisamos de respostas
Há, sem dúvida, um caráter divertido nesse tipo de teste. "Existe, sim, o lado lúdico, aquela sensação de que podemos ter uma resposta inesperada e que irá nos surpreender", explica a psicóloga clínica Dorli Kamkhagi, coordenadora de Grupos da Maturidade do IPq (Instituto de Psiquiatria) da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).
Isso vale tanto para avaliações mais complexas quanto para os testes mais informais, que aparecem em sites e revistas de adolescentes, por exemplo. "Existem vários 'quizzes' disponíveis hoje na internet e nas redes sociais para adolescentes e adultos, mas que não têm embasamento científico", afirma Barbara dos Santos, psicóloga e psicanalista na Holiste Psiquiatria, em Salvador.
Mas o que nos seduz mesmo nesse tipo de avaliação é a busca —aquela antiga, da Grécia— de nos entender melhor, de compreender por que as pessoas e o mundo reagem como reagem aos nossos comportamentos e às nossas vontades.
"O resultado poderia nos ajudar a lidarmos melhor com nossas dificuldades, alertando para características e padrões de comportamentos que não estaríamos enxergando", complementa Kamkhagi.
Mas como Santos falou, a maioria desses testes não tem nenhum embasamento científico —e podem, inclusive, cair na categoria de pseudociência. O teste de Myers-Briggs, por exemplo, já possui estudos mostrando que, ao responder o questionário pela segunda vez, é possível obter uma resposta diferente.
De acordo com os especialistas, isso demonstra que interpretar esses testes como sendo verdades absolutas pode diminuir as nuances e o dinamismo que são característicos da existência humana, limitando essa experiência que pode ser tão rica, diversa e até contraditória em muitos momentos.
Nos EUA, por exemplo, já existem serviços em que o profissional faz um teste de personalidade e o site o conecta a vagas de emprego que sejam um "match" para suas características.
"O perigo é acreditar naquele resultado como uma verdade absoluta e, a partir disso, passar a se boicotar ou se julgar de forma equivocada", alerta Kamkhagi.
Teste de personalidade não é uma avaliação
Para muitas pessoas, os testes de personalidade podem parecer como uma avaliação neuropsicológica "simplificada", mas isso também é errado.
Na avaliação neuropsicológica, é como se o cérebro do indivíduo fosse mapeado por meio de avaliações que mostram dados sobre funcionamento cognitivo e neurológico —e também sobre a personalidade, mas não só.
"Uma avaliação desse tipo é feita com um profissional de saúde mental qualificado, que te olha, que está tentando investigar alguma coisa para formular um diagnóstico de transtorno, por exemplo", explica a psiquiatra Danielle H. Admoni, psiquiatra geral e da infância e adolescência, pesquisadora e supervisora na residência de psiquiatria da EPM/Unifesp.
A especialista lembra, no entanto, que os resultados nunca devem ser considerados fechados e que o olhar precisa ser mais amplo. "Esse tipo de teste não dá diagnóstico, ele dá pistas, indícios que direcionam para uma hipótese, mas tudo isso entra no raciocínio do profissional que está aplicando o teste", afirma.
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.