Ele viveu com parte do crânio na barriga após acidente: 'Sentia o osso'
Vinícius Rangel
Colaboração para VivaBem
26/06/2024 04h00
O entregador de delivery João Cristofoli, de 25 anos, sofreu um grave acidente durante um passeio de monociclo elétrico em Toledo (PR). O jovem, que também é influenciador, teve traumatismo e foi submetido a um procedimento para reduzir a pressão craniana. "Meu crânio foi serrado ao meio e alojado na minha barriga", resumiu João Cristofoli.
'Mergulhei no chão'
O acidente aconteceu no fim da manhã do dia 21 de março. Cristofoli não se lembra de detalhes, mas conta que tudo começou depois de uma ventania forte na cidade. Ele estava com seu monociclo elétrico.
Pelo o que ouvi de relatos, teve um vendaval muito forte, algum carro parou perto de mim e parece que me desequilibrei, bati no carro, bati numa tartaruga, uma espécie de sinalizador de via, e mergulhei de cabeça no chão.
João Cristofoli
"Fui socorrido e estava sangrando muito pelo nariz, ouvido e boca. Minha cabeça já estava aberta", contou a VivaBem.
Ele foi levado ao Hospital Bom Jesus, da Associação Beneficente de Saúde do Oeste do Paraná, e ficou em coma induzido por 10 dias.
No hospital, passou por uma neurocirurgia de emergência. Os médicos constataram que ele quebrou a clavícula, o joelho esquerdo, o dedo indicador da mão direita e o dedão do pé direito. Além disso, seus pulmões foram perfurados.
"Eu não respirava sozinho e tiveram de fazer uma traqueostomia para que eu pudesse respirar e receber a alimentação. Não tinha controle de nada, estava com muitas sondas e os médicos acharam que eu não ia resistir."
A situação piorou com o inchaço na cabeça.
Meu cérebro estava inchando rápido e, se eles não fizessem a retirada da parte direita do crânio, eu poderia ter morte cerebral ou, se sobrevivesse, poderia ficar com sequelas graves para o resto da minha vida.
João Cristofoli
Técnica é usada para fazer cérebro 'respirar'
Ele precisou ser submetido a uma craniectomia descompressiva. A parte da calota craniana retirada foi colocada em seu abdome. A técnica é uma forma de manter o osso em bom estado para depois ser implantado novamente na cabeça.
Ele passou 3 meses com parte do crânio implantada no abdome.
"É muito estranho ter um pedaço do osso na barriga, do próprio crânio. Dá para sentir uma parte dura na barriga, que é o osso. Uma vez, bati a barriga em uma prateleira de casa e não senti nada, porque bateu só no osso."
Claro que fiquei um pouco assustado [com o procedimento], mas sabia que aquilo tinha salvado minha vida. Então, só agradeço que existe essa técnica. Sem ela, não teria sobrevivido.
João Cristofoli
Na última quinta-feira, o influenciador fez a reconstrução do crânio (ou seja, a retirada da parte que estava no abdome para inserção de volta na cabeça) e não houve complicação.
Ele deve passar por mais duas cirurgias nos próximos meses por causa da clavícula e do joelho.
Influencer ganhou fama com monociclo
A trajetória de Cristofoli na internet começou em 2022, quando ele abriu um canal no YouTube para postar vídeos da sua rotina como entregador sobre uma roda.
Inicialmente, as postagens na internet começaram por acaso com os flagrantes das pessoas durante as entregas.
Eu fazia entrega com meu monociclo elétrico e as pessoas me filmavam e colocavam na internet. Não fui eu que comecei, foram as próprias pessoas. Acabou viralizando muito e comecei a virar uma mini celebridade na cidade.
João Cristofoli
Atualmente, ele tem mais de 700 mil inscritos no canal, além de quase 400 mil seguidores no Instagram e 800 mil no TikTok.
'Vou voltar a andar de monociclo'
O jovem começou a andar de monociclo por influência do pai, que viajava bastante e viu certa vez um rapaz com o equipamento. O pai comprou um monociclo pela internet e, há oito anos, trocou por um mais atual e ofereceu o antigo ao filho.
De cara, me viciei e comecei a usar o monociclo para tudo. Até porque, na época, eu não tinha carro e nem moto. Era melhor do que andar de ônibus, e muito mais rápido do que outros modais.
João Cristofoli
João disse que o acidente o fez enxergar a vida de outra forma, mas não pretende deixar de andar com o monociclo.
Estar vivo hoje é um milagre. Mudei a percepção do que é a vida e dou muito mais valor hoje. Provavelmente, vou voltar a andar de monociclo. É claro que vou usar todas as proteções e até estou pensando em comprar uma mochila airbag, que infla quando cai, mas agora quero é me recuperar.
João Cristofoli
Como é a técnica
A técnica é usada para dar espaço à expansão do cérebro e aliviar a alta pressão decorrente da lesão, explica o neurocirurgião Nick Dorneli de Carvalho, do Hospital João XXlll, referência em traumatologia do Brasil.
Essa cirurgia é feita quando tem uma hipertensão intracraniana, algum acidente vascular cerebral, tumores, edemas, traumas ou sangramento intracraniano. O procedimento é para dar espaço para o cérebro expandir, crescer, após a lesão na área.
Nick Dorneli de Carvalho
O osso que é retirado da cabeça pode ir para um banco de ossos, onde é congelado, ou para a barriga do paciente. Em alguns casos, se há alguma infecção ou contaminação, ele pode ser descartado.
Na barriga, é feita uma abertura de, em média, oito centímetros para introduzir o osso. Ele é implantado entre a camada subcutânea e a musculatura abdominal. Em seguida, fecha-se a área e só se abre no momento da reconstrução do crânio. O abdome é um local seguro para o osso porque o protege, sem danificá-lo.
Depois de um tempo, passada a fase aguda, o cérebro volta para o tamanho natural e é possível programar a cranioplastia, ou seja, colocar o osso novamente no lugar e fazer a reconstrução da cabeça óssea.
Nick Dorneli de Carvalho
Quando é necessário fazer o descarte de parte do crânio, é preciso achar outra alternativa. "A gente faz a reconstrução da falha óssea com cimento ósseo. Usamos um polímero de secagem rápida, uma mistura de pó com um líquido que vira uma pasta. Quando seca, ela fica resistente", explica o neurocirurgião.
A técnica é mais comum em hospitais de urgência e emergência, principalmente do SUS. O tempo para recolocar o osso depende da recuperação do paciente. Em alguns casos, as pessoas não voltam ao hospital para fazer a implantação do osso no crânio novamente.