'Descobri que tenho diabetes tipo 1 depois de ter candidíase de repetição'
Alice Arnoldi
Colaboração para o VivaBem
01/07/2024 04h00
A secretária Clara Rocha, 23, viralizou no TikTok ao relatar um fato que poucos ainda conhecem: existe relação entre diabetes tipo 1 e a candidíase de repetição. Essa ligação é tão importante que ela só descobriu que é diabética ao ter o problema vaginal. A seguir, veja o relato completo sobre o assunto.
"Todo ano, eu fazia uma check-up geral. Em outubro de 2021, estava tudo normal. Só que no final de novembro, comecei a perceber que estava emagrecendo.
Eu usava anticoncepcional injetável e, em junho daquele ano, coloquei o DIU hormonal. Eu achava que estava emagrecendo porque o hormônio do antigo contraceptivo, que tinha feito eu engordar antes, tinha saído do meu corpo e, de certa forma, deixei isso de lado.
Em dezembro de 2021, outro sintoma: estava sentindo muita sede. Bebia muita água e ia muitas vezes ao banheiro. Lembro-me que quando eu ia trabalhar, em um período de quatro horas eu tomava duas garrafas de 750 ml. Era uma sede que parecia insaciável.
A candidíase
No fim do mês, tive o primeiro episódio de candidíase. Era uma coceira imensa. Pensei que fosse pelos maus hábitos do final de ano, como consumir bebidas alcoólicas e muito doces, além de ficar com o biquíni molhado.
No início de janeiro, eu me automediquei. Usei uma pomada e melhorou. Só que cerca de 20 dias depois, voltou. Achei estranho e decidi procurar ajuda médica para me receitarem um remédio mais eficaz.
Minha ginecologista, após ouvir meu relato dos outros sintomas, pediu alguns exames de sangue. O básico mesmo: glicemia em jejum, TSH, T4 e T3.
Quando retornei para ver os resultados, ela perguntou se alguém da minha família tinha diabetes e falei que minha avó tinha. Então, ela falou que minha glicemia estava muito alterada —248 mg/dL em jejum— e que eu precisava procurar um endocrinologista, porque talvez eu já tivesse que usar insulina.
Além disso, ela disse que devia ser por isso que estava com candidíase de repetição.
Na hora que ela me falou do diabetes, fiquei impactada, mas ao mesmo tempo não acreditei. Fiquei confusa. A ficha foi caindo quando fui embora para casa, chorando e pensando que nunca mais ia poder comer doce. Foi um momento que senti muita tristeza.
Diagnóstico de diabetes tipo 1
Em menos de uma semana, agendei consulta com endocrinologista. Quando cheguei lá, já tinha dois exames de glicemia em jejum alterados e ela confirmou que era diabetes. Recebi o diagnóstico no dia 31 de janeiro de 2022.
Ao mesmo tempo, ela falou que eu teria que fazer exames mais específicos para saber o tipo. Mas pela minha idade e pelo meu histórico, provavelmente era o tipo 1. Ela não estava errada.
Após a consulta de confirmação do diagnóstico, ela já passou a insulina, o que me gerou muito impacto. Além disso, ela me deu um papel porque eu teria que ir na UBS e pegar as tiras, lancetas e o glicosímetro. Foi uma reviravolta, uma mudança do dia para a noite, muito brusca.
Fiquei muito abatida, sem conseguir fazer as coisas, a ponto de sair do emprego que eu estava. Eu passei a ficar só em casa, estava muito mal psicologicamente.
A endocrinologista explicou que inicialmente não era para eu comer doce, priorizar alimentos integrais e, se possível, procurar um nutricionista.
quando comecei a me informar mais sobre a doença, descobri que é possível comer doce a partir de uma estratégia chamada contagem de carboidratos. Quando eu retornei no endocrinologista, após três meses, eu já estava louca para usar a outra insulina para poder comer mais carboidrato, sorvete, doces, enfim, eu queria muito isso. Com o tempo, consegui.
Nesse período, foi quando eu também decidi começar a postar sobre o meu diagnóstico na internet. Meu primeiro vídeo viralizado foi o que eu fiz contando os sintomas do diabetes e rendeu mais de um milhão de visualizações. Fiquei muito contente.
Câncer na tireoide
Quando fui à endocrinologista para tratar o diabetes, ela me examinou. Na hora que ela me apalpou, ela já me falou que um lado da minha tireoide estava maior do que o outro, que isso não era comum e que eu ia fazer um ultrassom.
Eu estava ali, superfocada no fato de ter diabetes, então nem passava pela minha cabeça que eu poderia ter algum outro problema.
Ao fazer o ultrassom da região cervical e retomar com o resultado, a endocrinologista foi muito franca comigo. Ela falou que em um lado da minha tireoide tinha um nódulo e que ele não tinha aspecto de ser benigno. Mas isso só poderia ser confirmado com uma punção.
Foram 15 dias entre ir na ginecologista, na endócrino e descobrir o nódulo. Eu fiquei em choque, muito mal. Pensava que ia morrer de câncer.
A primeira punção que fiz na minha cidade, no interior de Goiás, deu que o nódulo era benigno. Quando recebi o resultado, foi um alívio, mas, no fundo, parecia que eu não acreditava.
Dez meses depois, minha glicemia começou a desregular. Então, retornei na endocrinologista e repeti o ultrassom da cervical e, por precaução, ela pediu para eu repetir a punção em uma clínica especializada em Goiânia.
Em 2022, tive o diagnóstico de câncer na tireoide. Em 11 março de 2023, fiz a tireoidectomia total e faço reposição hormonal com levotiroxina sódica. Eu tive a complicação dos paratormônios e, atualmente, tomo oito comprimidos de cálcio por dia. Até hoje, ele está baixo. Três meses após a cirurgia, fiz a iodoterapia.
Apesar de ter noção de que foi o período em que mais senti Deus na vida, foi o que eu mais sofri também. Foi muito desgastante psicologicamente.
Hoje em dia, faço o acompanhamento e fico em cima de quem pode estar passando pelo mesmo."
Qual a relação do diabetes com a candidíase
O que é diabetes tipo 1. Na doença, o sistema imunológico acaba atacando as células beta do pâncreas, responsáveis pela produção de insulina. Isso acontece porque as células de defesa se "confundem" e as enxergam como inimigas. Quando isso ocorre, pouco ou nenhuma insulina é liberada no sangue, o que leva a uma presença exacerbada de glicose flutuando pelo organismo. Esse tipo da condição precisa ser obrigatoriamente tratado com insulina.
Atinge mais jovens. O diabetes tipo 1 corresponde de 5% a 10% do total de casos da doença e atinge principalmente crianças e adolescentes, embora possa aparecer na vida adulta também, como aconteceu com Carla.
Os principais sintomas. O diabetes tipo 1 costuma causar sede excessiva, muita vontade de fazer xixi, muita fome, e perda de peso sem motivo aparente. O paciente ainda pode ter episódios de vômitos, dor abdominal e desidratação, sintomas que podem facilmente ser confundidos com virose ou até mesmo apendicite. Há ainda quem relata cansaço, má cicatrização, visão embaçada e falta de interesse.
Há gatilhos ambientes. O diabetes tipo 1 é uma doença autoimune, tem origem multifatorial e tem um componente genético, mas precisa de uma forte interação com o meio ambiente para se manifestar. Entende-se que cerca de 25% do risco é genético e os 75% restantes dependem de um gatilho ambiental, que pode ser um vírus, por exemplo.
Tratamento. O tratamento do diabetes tipo 1 consiste principalmente no uso de dois tipos de insulina: uma de ação longa e outra de ação rápida. Além disso, o paciente deve gerenciar o estresse, controlar a alimentação e praticar atividade física.
Presença de glicose na urina favorece proliferação de fungos. A ligação entre o diabetes e a candidíase de repetição ocorre porque quando a condição não está sendo tratada como deveria, os níveis de glicose no sangue ficam elevados e ela passa a ser eliminada por meio da urina. A presença de glicose no xixi favorece a proliferação de fungos, podendo causar a candidíase vaginal ou peniana.
Sintomas da candidíase. Os sintomas mais comuns da candidíase de repetição são: coceira na região vaginal, dor no local, ardência ao urinar, desconforto durante a relação sexual, corrimento branco em grumos, geralmente sem cheiro, e inchaço e/ou vermelhidão na região vaginal.
Tratamento da candidíase de repetição. Consiste no uso de Fluconazol via oral em dias alternados por três dias. Após esse período, é indicado um comprimido por semana por seis meses. Pode-se usar também cremes vaginais antifúngicos. Tudo isso precisa ser combinado a uma boa alimentação, aumento de consumo de água, investir em roupas mais leves e confortáveis, melhora do sono e da saúde intestinal, além de controle de estresse e parar de beber e fumar;
Candidíase é só a ponta do iceberg do diabetes não tratado corretamente. Cegueira, insuficiência renal, amputações, depressão, doenças cardiovasculares e neurológicas são algumas das consequências que o paciente pode acabar tendo caso a condição não seja controlada.
Fontes: Solange Travassos, endocrinologista e vice-presidente da SBD (Sociedade Brasileira de Diabetes); Pedro Doria, ginecologista do Hospital Nove de Julho.