Muita selfie e Fomo: 13 comportamentos causados pelo uso abusivo do celular
Há 20 anos, brincar nas ruas era comum entre muitas crianças. Os mais novos se divertiam brincando de esconde-esconde, pega-pega ou futebol, improvisando os próprios chinelos como as traves do gol.
Mas tudo mudou quando os tradicionais presentes de aniversário, como bola, bicicleta ou carrinhos de rolimã, foram substituídos pelos celulares. Atualmente, o que reina entre as crianças são os smartphones, capazes de hipnotizá-las com jogos online e vídeos no YouTube.
Para se ter uma ideia da febre, o Brasil ocupa a segunda posição mundial em tempo de tela no mundo. O levantamento feito pela plataforma Electronics Hub, um site de informações eletrônicas, aponta que o brasileiro passa, em média, 56% do dia em frente às telas de smartphones e computadores. Em primeiro lugar do ranking estão os sul-africanos, que passam 58,2% do dia usando as telas.
Tempo diário de uso da internet no mundo:
- África do Sul - 9h24min
- Brasil - 9h13min
- Filipinas - 8h52min
- Colômbia - 8h43min
- Argentina - 8h41min
- Chile - 8h31min
- Rússia - 8h21min
- Malásia - 8h17min
- Emirados Árabes Unidos - 8h11min
- Tailândia - 7h58min
Em busca de entender os impactos do demasiado tempo conectado, um grupo de pesquisadores da USP, liderado pela médica psiquiatra Carmita Abdo, conseguiu mapear 13 cibercomportamentos relacionados ao uso abusivo da tecnologia.
Das nove horas por dia que os brasileiros gastam em frente às telas, quatro são destinadas a navegar em plataformas de mídias sociais como Instagram e Facebook. Assim, os transtornos mais comuns entre os brasileiros é o Fomo (Fear of Missing Out), que pode ser traduzido como o medo de não conseguir acompanhar as atualizações, e a depressão do Facebook, causada por interações sociais (ou a falta delas) por meio das redes. Carmita Abdo, professora da Faculdade de Medicina da USP
Conheça os 13 cibercomportamentos causados pelo uso abusivo da tecnologia:
1. Gaming disorder: condição reconhecida como patológica pela OMS desde 2022. Entre os principais sintomas desse transtorno estão a priorização dos jogos eletrônicos sobre outras atividades e perda do controle sobre o tempo de uso dos games, seja pelo celular, computador ou videogame. Estima-se que 3% dos gamers se enquadrem nessa condição.
2. Fomo: condição caracterizada pelo medo de não conseguir acompanhar as atualizações da vida virtual. Esse comportamento é muito comum em pessoas viciadas em redes sociais e gera sensação de medo e angústia ao ficar por muito tempo sem atualizar o feed das redes sociais.
3. Jomo (Joy of Missing Out): é o prazer e contentamento em desconectar-se das redes sociais e atividades online, buscando momentos de paz e tranquilidade.
4. Nomofobia (No Mobile Fobia): refere-se ao medo extremo ou ansiedade de ficar sem o celular ou estar desconectado da tecnologia. Apesar deste medo irracional ainda não ser reconhecido como uma condição médica, é um dos cibercomportamentos mais conhecido entre os usuários da rede. Geralmente, os sintomas ao ficar longe da tecnologia são similares ao da ansiedade, como agitação, suor excessivo e dificuldade para respirar.
5. Selfitis: refere-se à obsessão de tirar selfies repetidamente e compartilhá-las nas redes sociais, sendo considerado um comportamento compulsivo. Geralmente, quem possui esse cibercomportamentos busca a autopromoção através das redes sociais e pode ter problemas de autoestima.
6. Phubbing: é a prática de ignorar a companhia de outras pessoas em favor do uso do celular, prejudicando a interação social presencial. O termo reúne duas palavras do inglês: phone (telefone) e snubbing (esnobar).
7. Vício em tecnologia, ou dependência digital: caracteriza-se pelo uso excessivo e compulsivo de dispositivos eletrônicos e tecnologia, afetando negativamente a vida diária e a saúde mental. Em regra, esse cibercomportamento é muito comum em crianças e adolescentes.
8. Síndrome do texto fantasma: refere-se à angústia de não receber resposta após enviar uma mensagem de texto ou ser ignorado, gerando ansiedade e insegurança nas relações virtuais.
9. Cyberchondria: é a tendência de pesquisar sintomas de doenças na internet, levando a uma interpretação exagerada e ansiosa dos resultados. Também conhecida como hipocondria digital, esse cibercomportamento é comum em adultos e idosos.
10. Fadiga de decisão digital: descreve o cansaço e a sobrecarga mental causada por ter que tomar constantes decisões relacionadas ao uso da tecnologia e às interações online. É um cibercomportamento recorrente em pessoas que trabalham o dia todo com tecnologia.
11. Náusea digital: entre os sintomas estão desorientação, vertigem e enjoo. Todos são causados pelo excesso de interação com ambientes digitais.
12. Toque fantasma: sensação de ouvir ou sentir toques e vibrações de celular, mesmo quando o aparelho não está presente ou está no silencioso. Se já teve esse sintoma, é um indicativo de que seu uso de tecnologia está passando dos limites.
13. Depressão do Facebook: apesar do nome, esse cibercomportamento também pode ser comum em pessoas que utilizam com frequência outras redes sociais, como Instagram, TikTok e X (antigo Twitter). Ele é caracterizado por um profundo desânimo, similar a uma depressão, causada por interações sociais (ou a falta) através das redes.
Crianças são mais vulneráveis
De olho em frear esse aumento do uso do celular, principalmente entre as crianças, a OMS e a SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria) criaram uma cartilha com recomendações de uso de telas para cada faixa etária.
Menores de 2 anos: nenhum contato com telas ou videogames;
Dos 2 aos 5 anos: até uma hora por dia;
Dos 6 aos 10 anos: entre uma e duas horas por dia;
Dos 11 aos 18 anos: entre duas e três horas por dia.
Como a principal forma de estimulação infantil é o movimento e a exploração, o uso excessivo de telas pode gerar atrasos no desenvolvimento motor, de fala e até atrasos cognitivos, justamente por ser uma forma de entretenimento que inibe o movimento. Bruno Rodrigues dos Santos, professor da faculdade de psicologia da UFPA (Universidade Federal do Pará)
Renata Maria Silva Santos, pesquisadora do centro tecnológico em medicina molecular da faculdade de medicina da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), explica que as crianças, sobretudo até os 7 anos, são mais suscetíveis aos impactos do uso demasiado da tecnologia, pois estão com o tecido encefálico, que inclui o cérebro, em amadurecimento da formação celular inicial. "Nessa idade há a formação de conexões importantes para as habilidades cognitivas, ou seja, foco, atenção, memória e aprendizagem."
Uso excessivo de telas tende a piorar a saúde mental
Um estudo liderado pela pesquisadora da UFMG, por meio de uma revisão de 142 artigos, com mais de dois milhões de pessoas de cinco continentes acompanhadas, constatou aumento de ansiedade e depressão em todas as fases da vida, à medida que aumenta o tempo nas telas.
Crianças: aumento de sintomas de TDAH (transtorno déficit de atenção e hiperatividade), TOD (transtorno opositor desafiador), transtorno de conduta e problemas de socialização.
Adolescentes: aumento de comportamentos de autolesão, pensamentos suicidas e baixa autoestima.
Adultos: aumento dos níveis de estresse, pela falta de habilidade em gerenciar o tempo.
Idosos: aumento de diagnóstico de nomofobia, que é o medo de ficar sem o celular.
"Os estudos mostram que as meninas adolescentes com mais tempo em redes sociais apresentam mais risco de terem o diagnóstico de depressão, muito pela comparação que fazem entre seus corpos, e da própria vida e família, com os corpos, vidas e famílias perfeitas exibidas nas redes sociais", diz Renata Maria Silva Santos.
Dependência similar ao tabagismo
Pesquisadores ouvidos pelo VivaBem classificam que a dependência no celular é similar com à do cigarro, porque, da mesma forma que o tabaco, o celular causa o efeito de recompensa na pessoa, criando estímulos para que ela continue usando.
Carmita Abdo alerta que os principais sintomas para uma pessoa identificar se está ou não viciada é responder para si, os seguintes questionamentos:
Consigo sair de casa sem levar seu celular?
Já deixei de sair de casa porque preferi ficar nas redes sociais?
Quantas vezes atrasei ou perdi compromissos, pois fiquei muito tempo no celular?
Como as redes sociais trabalham com altos graus de recompensas e em curtos espaços de tempo, o seu uso passa a ser uma das poucas atividades que essas pessoas conseguem se engajar. Essas recompensas constantes e em alto grau tendem a manter esse sujeito dependente, seja atrapalhando o sono ou aumentando o isolamento social e o sedentarismo. Bruno Rodrigues dos Santos, professor da faculdade de psicologia da UFPA
Como o cérebro reage ao contato com celular
- Quando uma mensagem chega no celular, a dopamina é liberada no cérebro.
- Ao alcançar a parte central do cérebro, a dopamina causa uma sensação de prazer na pessoa.
- Entretanto, a dopamina também vai para parte da frente do cérebro, causando impulsividade.
- O processo é o mesmo que ocorre em outros vícios, como do cigarro.
O que fazer para desconectar?
Renata Maria Silva Santos, pesquisadora da UFMG, ressalta que para crianças, o mais importante no processo de desconexão é enriquecer o ambiente fora das telas, seja resgatando brincadeiras antigas ou até passeios em família.
"Os pais precisam chamar para si essa responsabilidade de diminuir o tempo de tela dos filhos, mas para isso precisam estar mais dispostos a interagir com seus filhos, já que criança sem tela é uma criança que corre, bagunça e convida o tempo todo a interagir. Muitas vezes o tempo de tela dos filhos é um reflexo da fuga dos pais com relação aos seus deveres", diz Bruno Rodrigues dos Santos.
Já para os adultos, o importante é realizar uma reflexão sobre o gasto do tempo com telas, sobretudo joguinhos e pequenos vídeos, rolagem de telas.
"É muito importante, em todas as idades, o cuidado com o algoritmo, pois ele trabalha para melhorar a experiência do indivíduo com a tecnologia, mas reforça convicções pessoais. Precisamos nos proteger na internet, e não da internet", diz a pesquisadora da UFMG.
Fontes: Carmita Abdo, professora da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo); Renata Maria Silva Santos, pesquisadora do centro tecnológico em medicina molecular da faculdade de medicina da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais); Bruno Rodrigues dos Santos, professor da faculdade de psicologia da UFPA (Universidade Federal do Pará).
Referências: OMS (Organização Mundial da Saúde); SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria); Ministério da Saúde.
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