Antimofo e embalagem: saiba por que pão pode ter álcool em sua composição

Será que ao comer pão de forma você pode acabar ficando bêbado? Essa pode parecer uma pergunta absurda, mas um estudo divulgado na última quarta-feira (10) pela Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (conhecida como Proteste, do grupo Euroconsumers) apontou que, de 10 produtos testados, três deles tinham um teor alcoólico capaz de fazer o consumidor ter o risco de ser pego em um teste de bafômetro após o consumo de duas fatias.

Isso, claro, deixou algumas questões no ar. Afinal, por que esses pães apresentavam esse teor alcoólico? E em qual momento é usado álcool na fabricação deste alimento? Para tirar essas dúvidas, VivaBem consultou especialistas em engenharia de alimentos, que explicaram melhor o processo produtivo dos pães.

Em primeiro lugar, o álcool surge naturalmente nos primeiros estágios da fabricação dos pães. "O álcool é produto da fermentação, ou seja, as leveduras do fermento biológico consomem açúcares que foram adicionados na formulação ou aqueles provenientes de transformações no amido da farinha de trigo. Esse processo gera gás carbônico e álcool", explica Tatiana Matuda, professora de engenharia de alimentos e engenharia química do IMT (Instituto Mauá de Tecnologia).

O gás carbônico, inclusive, é o que dará a aparência aerada ao miolo do pão. Já o álcool gerado durante a fermentação acaba evaporando quando o pão é assado e, portanto, não chega até o produto final.

Culpa pode ser do antimofo

O álcool detectado no teste da Proteste pode ser oriundo de outra parte do processo produtivo. "Para serem macios e agradáveis ao paladar do consumidor, esses pães precisam carregar em si uma porcentagem de umidade que gere essa característica desejável. Isso faz com que esse produto tenha grande potencial de proporcional o aparecimento de mofo, que é um fungo que se prolifera facilmente em alimentos úmidos e com grandes quantidades de carboidratos", diz Maria Fernanda Francelin, engenheira de Alimentos e doutora em ciência de alimentos pela Universidade Estadual de Maringá.

Para contornar essa tendência, logo após o pão ser assado é borrifada uma camada de um aditivo com propriedade antimofo, que é diluído em uma solução alcoólica. Parte dessa solução é absorvida pelo pão, o que acaba concedendo um certo teor alcoólico ao produto final.

Em geral, boa parte desse álcool tende a evaporar, porém, alguns fatores podem fazer com que ele acabe persistindo em um teor maior em alguns lotes do produto final.

A umidade do ar no dia de produção, por exemplo, pode influenciar a absorção desse álcool e sua evaporação antes do envase, ou ainda o uso de embalagens mais robustas também podem fazer com que o pão retenha mais álcool —e, consequentemente apresente um teor alcoólico maior.

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Tanto Matuda quanto Francelin concordam em um ponto: sem conhecer a fundo o processo de produção dos pães analisados pela Proteste, bem como a metodologia de teste, é muito difícil estipular o motivo exato pelo qual os produtos tinham um teor alcoólico elevado.

É importante ressaltar que o uso de produtos do tipo é regulamentado e, em condições normais, não tornariam esses pães "alcoólicos".

Os aditivos alimentares utilizados principalmente para inibir a ação de agentes biológicos deteriorantes, tais como bactérias e fungos, produzindo alimentos mais seguros para os consumidores, diz Francelin. "Há regulamentações que determinam como deve ser feito o processo de diluição dessas substâncias. Além disso, esse processo deve passar por testes que garantam que tanto o aditivo quando a quantidade de álcool residual sejam pertinentes e não ofereçam risco à saúde do consumidor."

É o mesmo que bebida alcoólica?

Por mais que pães possam ter um teor de álcool acima do normal, o seu consumo acaba tendo efeitos diferentes no corpo quando comparados ao de uma bebida alcoólica.

"Não tem como comparar o consumo de uma bebida alcoólica, cuja absorção pelo organismo é mais rápida, com o consumo de um alimento com teor alcoólico, cujo álcool demora mais para ser absorvido", diz Alvaro Pulchinelli, diretor técnico na toxicologia forense e médico toxicologista do Grupo Fleury.

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Pulchinelli diz que qualquer produto que tenha teor alcoólico, ao menos em tese, teria contraindicações para pessoas que tenham restrição ao consumo dessa substância. Mas, novamente, a forma como esse álcool é consumido é um fator determinante para isso. "Isso tende a se aplicar mais em casos de alimentos que tenham um alto teor de álcool ou, ainda, em casos como os bombons com licor que têm a bebida em si. Então não é possível citar pães como uma contraindicação nesses casos", aponta.

Da mesma forma, de acordo com ele, a velocidade de absorção mais lenta faz com que seja bem pouco provável que quem coma um pão com um teor alcoólico elevado seja pego em um teste de bafômetro ou, ainda, acabe bêbado. Ainda assim, o profissional aponta que qualquer produto que tenha uma quantidades consideráveis de álcool em sua composição precisam ter indicações para que os consumidores saibam dessa característica.

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