'Sobre estar presente': doulas da morte acompanham pessoas no fim da vida

Como você gostaria de viver seus últimos dias? Reconhecer a própria mortalidade nem sempre é um processo fácil. No entanto, contar com profissionais que tornem o final da vida mais leve e digno faz toda a diferença.

Garantir conforto emocional, físico e espiritual é o papel das doulas da morte, ou guardiãs do fim da vida, como algumas preferem ser chamadas. Ainda sem reconhecimento profissional, a atuação dessas pessoas é pouco conhecida no Brasil.

De forma geral, trata-se de um cuidado responsável, ético e humanizado, que vai além dos conhecimentos médicos. Assim como, muitas vezes, é necessário ter uma doula no processo de nascer, elas também podem ajudar uma pessoa e seus familiares no momento de sua morte.

"As doulas da morte são colaboradoras que dão voz àqueles que estão protagonizando o seu fim de vida, respeitando e apoiando em suas decisões conscientes. Além de auxiliá-los na elaboração de seus legados de vida. Elas possibilitam uma morte mais amorosa e menos técnica", explica Glenda Agra, paliativista, pesquisadora e presidente da Adom (Associação Brasileira de Doulas da Morte).

O que faz uma doula da morte?

Uma doula da morte oferece apoio emocional e prático para garantir que o processo de morrer seja o mais tranquilo possível tanto para quem está morrendo quanto para os familiares.

Podem atuar de forma voluntária ou remunerada em hospitais, clínicas e a domicílio. Geralmente, atuam em colaboração com equipes de cuidados paliativos.

Os cuidados práticos realizados por estes profissionais são baseados na "boa morte", ou seja, respeitam os desejos e as necessidades da pessoa em processo de finitude. Portanto, o indivíduo decide como quer ser cuidado, além de ter acesso a formas de controle de dor e contar com a presença de entes queridos, se assim desejar.

Entre as atividades que a doula pode realizar estão:

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Dar suporte emocional para o paciente e familiares.

Oferecer segurança para que as pessoas em processo de finitude falem sobre seus sentimentos, desejos, medos e preocupações. Também ajudam os familiares a ter mais conforto e aceitar melhor o que está acontecendo.

Explorar o significado da vida e do legado da pessoa que está morrendo.

Discutir as diretivas antecipadas de vontade e testamento vital.

Auxiliar nos cuidados físicos para aliviar a carga dos cuidadores.

Explicar os sinais e os sintomas do processo ativo de morrer.

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Apoiar as práticas espirituais de todos os envolvidos.

Mediar conflitos.

Guiar os familiares a lidarem com os sintomas iniciais do luto e questões práticas após a morte, como velório.

Paola Mercer Guimarães com um paciente
Paola Mercer Guimarães com um paciente Imagem: Arquivo pessoal

"Enxergo a pessoa e não a doença"

A paranaense Paola Mercer Guimarães, 40, trabalha como enfermeira há 19 anos e na pandemia se reconheceu como doula da morte, após atendimentos domiciliares a idosos. Atualmente, ela também faz parte da equipe de cuidados paliativos de um hospital em Salvador (BA).

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"Sou uma cuidadora de gente. Sempre vi meu papel além da cura. Estou ali para proporcionar cuidado e olhar para a pessoa, e não a doença. Pacientes em fim de vida sempre despertavam em mim um olhar diferente, como se precisasse me doar mais para auxiliar naquela despedida", diz.

Para ela, os desafios são imensos e, muitas vezes, é preciso cuidar de assuntos delicados, como treinar a família para dar banho no leito, tratar de feridas ou preparar corpos que vieram a óbito.

"O acompanhamento da família e da pessoa em fim de vida exige uma dedicação diferente, você precisa se atentar aos detalhes, acolher as dúvidas, reconhecer os sinais de terminalidade, saber a hora de abordar assuntos práticos, como serviços funerários, roupas e atestado de óbito", completa.

Não é novidade que há ainda muito estigma sobre a morte e é um assunto que causa desconforto. E é comum que não haja um diálogo sobre como as pessoas gostariam que fossem os cuidados no final da vida.

Num dos óbitos domiciliares que assisti pude acompanhar a neta mais nova de uma senhora centenária escolhendo sua última vestimenta. O que poderia ser triste, tornou-se um momento lindo de várias lembranças. Escolhemos um vestido e percebemos que estava manchado de ambrosia, seu doce favorito e seu alimento de conforto. Rimos juntas neste momento. Paola Mercer Guimarães

Letícia Côrrea e sua mãe
Letícia Côrrea e sua mãe Imagem: Arquivo pessoal

"Virei doula depois de cuidar da minha mãe com câncer terminal"

A advogada Letícia Côrrea, 33, especializou-se em direito médico e da saúde e ao vivenciar a rotina de pacientes em hospitais, percebeu que poderia contribuir como doula da morte, oferecendo apoio e atenção a quem precisava.

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"No último ano, acompanhei cinco famílias durante o processo de terminalidade da vida. O interesse pela profissão surgiu após acompanhar minha mãe, que tinha câncer de pâncreas, por vários anos, e notar como os pacientes eram desrespeitados e objetificados."

Ela exerceu o papel de doula para sua própria mãe sem saber que existia essa profissão. Cuidou de todos os preparativos, respeitou suas vontades e desejos no fim da vida.

Os idosos que acompanhei no processo de finitude me tocaram profundamente, pois há uma invisibilização das pessoas mais velhas. Além do acompanhamento presencial, também atuo à distância, fornecendo orientações para familiares que desejam tornar o processo de finitude mais suave e oferecendo um acolhimento humanizado. Letícia Côrrea

Tamyris Gonçalves
Tamyris Gonçalves Imagem: Arquivo pessoal

"Ajudamos a resgatar a essência da vida"

Formada em nutrição, Tamyris Gonçalves, 36, especializou-se como doula da morte para preencher uma lacuna no cuidado ao paciente em final de vida e também para refletir sobre a sua própria relação com a morte.

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Atualmente, ela é professora no curso de formação em doula da morte e coordenadora da ANCP (Academia Nacional de Cuidados Paliativos).

"Ser doula da morte é cumprir o papel de auxiliar o paciente a resgatar a essência da vida biográfica e ajudar a família a voltar o olhar para pessoa que é o seu ente querido, mesmo diante da dor de vê-lo partir. É olhar para a vida que se faz presente diante da proximidade da morte", afirma.

Em sua rotina, é comum que a pessoa que está morrendo deseje companhia, se sinta acolhida e perceba que sua vida faz sentido ao final de tudo.

Foram muitas as famílias que tive a honra de cuidar nesse momento tão singular. Estar presente durante essa intimidade me fez cultivar vínculos importantes e manter contato com muitos familiares. Sempre é possível fazer algo por quem está em processo de finitude. Muitas vezes, nem precisa ser algo grandioso. O mais importante é estar presente, verdadeiramente presente. Tamyris Gonçalves

Onde encontrar uma doula da morte

Quem está em processo de finitude, pode encontrar referências e recomendações de profissionais que atuam como doula da morte em hospitais e instituições que oferecem cuidados paliativos.

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